Economia

Falta de assistência técnica gera desperdício

(Fotos: Ahmad Jarrah)

Um terço dos alimentos produzidos no mundo é jogado fora, seja em qualquer etapa: colheita, transporte, comercialização ou consumo. Cada fase tem suas próprias falhas e maneiras de evitar que esses alimentos sejam descartados. Contudo, todas têm algo em comum: a falta de investimento do poder público para evitar o desperdício.

Estima-se que no Brasil  26,3 milhões  de toneladas de alimentos têm o lixo como destino, sendo a maior parte de hortifrútis, contabilizando 45%. O poder executivo – em suas três instâncias: federal, estadual e municipal – não toma para si a responsabilidade sobre o repasse de alimentos que são desperdiçados em restaurantes e centrais de abastecimento e investe muito pouco na agricultura familiar, setor responsável pela alimentação do brasileiro conforme o Circuito Mato Grosso apurou.

Quem produz 70% da comida que vai para o prato do brasileiro é a agricultura familiar. Muitos desses pequenos produtores são de baixa renda e estão arranjados em assentamentos. São pequenas propriedades agrícolas instaladas pelo Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária (Incra) onde originalmente existia um imóvel rural que pertencia a um único proprietário.

Reginaldo Gonçalves Campos é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Verde e produtor no assentamento Santo Antônio da Fartura. O local é responsável por cerca de 70% dos hortifrutigranjeiros consumidos em Cuiabá e conta com mais de 500 famílias reunidas. Segundo Reginaldo, os produtores sofrem com a fraca assistência técnica oferecida aos agricultores.

Assistência técnica é um serviço de orientação oferecido aos assentados, relativo à implantação e desenvolvimento de culturas e pastagens, armazenamento e comercialização de produtos, criação de animais, introdução de novas tecnologias, assim como ações que estimulem a organização dos assentados. Em Mato Grosso esse serviço é ofertado pela Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer).

Contudo, Reginaldo alega que a assistência oferecida pelo órgão é insuficiente: “Não há assistência técnica devida. A Empaer está sucateada, é um técnico para cada 100 famílias. O técnico vem, elabora um projeto e depois vai embora, não há acompanhamento. E aí as famílias ficam desassistidas, sem saber como manejar o plantio. Acabam improvisando  e errando, o que faz com que o desperdício aumente”.

Perdas da produção até a mesa do consumidor 

Realizando a produção no escuro ou com a pouca experiência, o desperdício aumenta. Para Reginaldo Gonçalves, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Verde, uma assistência técnica adequada é essencial para diminuir o desperdício. Com instrução, os agricultores poderiam evitar que muita comida fosse jogada fora durante seu caminho até a mesa do consumidor, desde o plantio e manuseio, até o transporte.

“Por falta de conhecimento ou de opção, o produtor acaba fazendo a locomoção de qualquer jeito. Suponhamos que o veículo que ele vai transportar não seja o melhor veículo, mas pra não pagar o frete ele usa o dele mesmo e acaba gerando essa perda. Outras vezes porque acham que essa perda é normal, nunca fizeram um cálculo de quanto está custando essa perda”, afirmou.

Dolorice Moreti, diretora técnica da Central de Abastecimento de Mato Grosso (Ceasa), explica que o principal fator para o desperdício da fase do transporte é a falta de instrução dos produtores. Acrescenta que o transporte dos alimentos começa desde o momento em que o alimento é embalado e só termina no descarregamento no local de comercialização.

Na etapa da embalagem, por exemplo, é necessário utilizar materiais protetores e que visem ao máximo proteger o produto, assim como a refrigeração do veículo tem que se adaptar ao tipo de produto transportado.

No momento do carregamento também é preciso cuidado, assim como no transporte para evitar pancadas em alimentos mais frágeis, como frutas e legumes.  Na fase final, o descarregamento também exige zelo da parte do produtor ou funcionário terceirizado. Segundo levantamento das Organizações Unidas, o transporte é a fase que mais desperdiça alimentos, sendo responsável por cerca de 50% do descarte de hortifrútis.

Clientes não gostam de ‘fruta feia’

Na comercialização, o exigente padrão estético dos consumidores de supermercados faz com que grande parte das frutas, verduras e legumes seja descartada antes de chegar às prateleiras. Essa preocupação pela beleza do produto incentiva o desperdício, já que nenhuma “falha” do alimento é perdoada durante a etapa de comercialização e a aparência deformada do produto não é sinônimo de má qualidade.

“Tempos atrás um assentado produziu 20 caixas de bananas, mas, dessas, conseguiu vender só quatro para os mercados. São pormenores como uma picada de abelha que deixa a pele da banana feia, uma praga lá no começo do plantio que deforma a fruta. Essas coisas são detalhes que não prejudicam a qualidade do alimento, mas não conseguimos vender por causa desse padrão de beleza inalcançável”, contou Reginaldo Gonçalves.

No Brasil, cerca de sete milhões de toneladas de frutas e aproximadamente seis milhões de toneladas de hortaliças são desperdiçados por ano. O volume seria equivalente a 30% e 35% do total produzido, respectivamente. 

Portugal criou um programa modelo nesse sentido e tem influenciado toda a comunidade internacional. O projeto da cooperativa de consumo fruta feia seleciona a produção que não consegue ser escoada para os supermercados, como frutas pequenas, grandes demais, disformes ou com algumas imperfeições. Estes alimentos são vendidos para famílias de baixa renda, previamente cadastradas, a preços abaixo do mercado. Dessa maneira, o projeto Fruta Feia chega a evitar o desperdício semanal de duas toneladas de alimentos e conta com 500 consumidores.

Descontos

A rede de supermercados Atacadão faz algo parecido e algumas de suas unidades comercializam “frutas feias” por um preço até 40% abaixo da média. Além disso, a rede tem uma parceria com o projeto Mesa Brasil, que direciona os hortifrúti fora do padrão estético para creches e escolas. A organização retirada esses alimentos diariamente das unidades e se responsabiliza pelo transporte e manuseio até chegar ao consumidor. Esta ação abrange todo o território nacional.

Em Mato Grosso, a Associação de Supermercados de Mato Grosso (Asmat) não tem uma política para evitar o desperdício. Então, exceto àquelas unidades que são de origem nacional e já têm sua própria política para evitar o desperdício, cada uma se vira como pode. O supermercado Compre Mais, localizado no Bairro Dom Aquino, doa a produção de hortifrúti não comercializada para a clínica de reabilitação Arca de Siloé.

Buscar onde sobra, entregar onde falta

Em relação aos restaurantes, Mato Grosso também não conta com uma política ou projeto do governo para a destinação das sobras. E assim como os supermercadistas, os proprietários de bares e restaurantes tentam de maneira improvisada evitar o desperdício.

Nas churrascarias e nos restaurantes a quilo, por exemplo, além da alimentação dada no começo do turno, os funcionários fazem um lanche depois do horário de trabalho com o restante da comida servida. Ainda assim, a maioria é jogada fora devido à dificuldade dos proprietários de realizar doações.

Segundo João Couto, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Mato Grosso (Abrasel-MT), a situação é complicada porque os alimentos são de responsabilidade do dono do restaurante mesmo depois que ela já tenha saído de seu estabelecimento. Ou seja, caso haja a doação e o indivíduo passe mal por conta dessa comida, o restaurante será responsabilidade.

“É complicado porque nós temos controle até a saída do restaurante, depois não temos e mesmo assim somos responsáveis. Mesmo não tendo conhecimento de como o alimento vai chegar lá, como vai ser manuseado depois, então não tem como doar”, declarou.

Atualmente a Abrasel está construindo um projeto em parceria com a Polícia Militar para a destinação dessas sobras para pessoas em situação de vulnerabilidade. “A nossa ideia é nos juntarmos com a polícia, para que a polícia tire o usuário de drogas da rua, leve para um local e a gente sirva esses alimentos no café da manhã, almoço e jantar. Ainda estamos analisando como iremos fazer, se vamos utilizar casas que já existem ou se vamos fazer em algum outro lugar”.

João complementa que é necessário que o poder público assuma o compromisso com a destinação desses alimentos, pois deixar recair toda a responsabilidade para os restaurantes só faz com que aumente o desperdício.  O diretor executivo da Abrasel sugere que o governo estabeleça um ponto de coleta ou recebimento dessa comida e, a partir daí, tome a responsabilidade de distribuí-la e garantir que seja servida em condições adequadas de consumo.

Confira mais na edição 589 do jornal impresso 

Bruna Gomes

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