“Luca” é um longa-metragem conta a história de Luca Paguro, um garoto monstro marinho com a capacidade de assumir a forma humana em terra, que explora uma cidade litorânea na Riviera Italiana com seu amigo Alberto Scorfano, vivenciando um verão transformador.
À primeira vista, pode parecer uma simples narrativa infantil sobre dois meninos que descobrem o mundo durante um verão luminoso na Riviera italiana. Mas, nas entrelinhas desse conto aparentemente ingênuo, pulsa uma poesia sobre identidade, amizade e coragem: uma delicada metáfora sobre o ato de emergir da própria sombra para encontrar a luz.
Luca vive nas profundezas do mar, um universo de silêncio e medo. A ele foi ensinado que o mundo acima da superfície é perigoso, cheio de ameaças e rejeição. Assim, o mar se torna o símbolo do inconsciente, lugar das origens, daquilo que ainda não ousamos revelar. As águas guardam segredos, mas também limitam. É nesse espaço de segurança e clausura que o menino cresce, até que a curiosidade — essa força que empurra a alma para fora da concha — o leva a atravessar o limite entre o conhecido e o novo. Quando emerge na superfície, Luca descobre que o medo dos outros muitas vezes é o reflexo do medo que temos de nós mesmos.
A amizade com Alberto é o ponto de virada da narrativa. Alberto é o oposto do medo: é a voz da aventura, o impulso da liberdade. Representa o lado solar que habita cada um de nós, aquele que grita “vá!” quando o coração hesita. Com ele, Luca aprende a andar, a cair, a rir e, sobretudo, a sonhar. Juntos, os dois constroem um universo de pequenas descobertas que lembram a essência da infância — um tempo em que o olhar é novo e o mundo ainda é vasto. Mas há algo mais profundo ali: Alberto é o espelho no qual Luca se reconhece. É através dessa amizade que ele entende que ser diferente não é um defeito, é uma forma de existir no mundo com verdade.
Quando a história chega ao seu desfecho, o vilarejo que temia o desconhecido aprende a enxergar além das aparências. A aceitação vem não como um gesto grandioso, mas como uma transformação silenciosa — a mesma que ocorre dentro de Luca. O menino do mar compreende que sua identidade é feita de ambas as partes: da água que o protegeu e da terra que o libertou. O mar, símbolo do inconsciente e da emoção, une-se à terra, símbolo da razão e da convivência. Nessa fusão, nasce o ser completo, aquele que não teme mais se mostrar como é.
O filme fala de autodescoberta e de coragem, mas com a delicadeza das marés. Cada cor, cada trilha, cada cena ensolarada é uma metáfora do despertar interior. O azul do mar é a lembrança do lar, o amarelo do sol é a promessa de um futuro. E entre um e outro, Luca aprende a viver com leveza, a compreender que ser quem se é não exige permissão, apenas amor próprio.
No fim, Luca é uma ode à autenticidade. Uma celebração da infância, da curiosidade e da amizade como caminhos para a liberdade. É o retrato de um verão que nunca termina, porque fala das estações da alma: aquelas em que o medo dá lugar à confiança, e a vergonha se transforma em coragem.
Quando Luca olha para o horizonte e decide seguir em frente, levando consigo tudo o que aprendeu, sentimos que também nós, espectadores, somos convidados a mergulhar fundo em nossas águas interiores e emergir dizendo, com serenidade e orgulho: “Eu sou assim, e é belo ser como sou.”
As diferenças não nos diminuem; ao contrário, são o sopro divino que nos torna únicos. Cada ser carrega em si um modo singular de existir, e é nesse mosaico de contrastes que a humanidade revela sua verdadeira beleza. Que o respeito à diferença seja, então, o nosso maior gesto de amor.
Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial!



