"Você acha que a Lava Jato vai mudar o país?", disparou o procurador da República Deltan Dallagnol aos ouvintes de sua palestra na noite da última terça-feira (15). Sob um tablado de uma das salas no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá, ele olhou para as centenas de acadêmicos que o ouviam naquelas salas e, em outras, onde a conferência era transmitida simultaneamente. Em seguida, ele pediu que cada palestrante conversasse com o palestrante ao seu lado para discutir a pergunta por alguns minutos.
Coordenador da força-tarefa que conduziu as investigações da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal de Curitiba, Dallagnol foi um dos procuradores da República mais jovens a entrar na função. Com atuais 38 anos, o procurador possui uma especialização em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro, além de um mestrado na Universidade de Havard (EUA). Poucos minutos após soltar a pergunta, ele deu sua visão sobre o assunto.
“A ideia de estarmos conversando com a sociedade sobre esse problema que a Lava Jato identificou, é para que nós, juntos, como sociedade, possamos buscar soluções, possamos buscar caminhos que possa diminuir de modo efetivo os índices de corrupção e impunidade. E, para isso, a Lava Jato por si só não é suficiente. Nós precisamos ir além da Lava Jato”, apontou.
O procurador foi um dos convidados para palestrar no 1º Encontro Mato-Grossense de Estudantes e Profissionais das Áreas de Direito, Administração, Contabilidade, Economia e Marketing (Ecomep). Sob o tema Corrupção e Ética, ele palestrou sobre a sua participação numa das nas investigações que já denunciou políticos, empresários e agentes públicos do alto poder nacional. Dallagnol acredita que, por a corrupção ser um problema estrutural no Brasil, a mudança deve vir da sociedade.
Após quase uma hora de exposição, ele conversou com jornalistas. Nas perguntas que se seguiram, o procurador expôs sua visão sobre alguns dos temas atuais do mundo jurídico.
Questionado sobre o que achava dos denunciados pela Lava Jato disputarem as eleições neste ano, Dallagnol respondeu que o ponto da questão foca no tipo de país que os brasileiros querem construir. “E quem nós entendemos que nos representa como brasileiros. Nosso desejo, do ponto de vista da cidadania, é que possamos eleger candidatos, independentemente das preferências ou das orientações ideológicas, que tenham simultaneamente um passado limpo, um compromisso com a democracia e apoiem a agenda anticorrupção”, comentou.
Dallagnol também comentou sobre a restrição do foro privilegiado aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há duas semanas. Para o procurador, a prerrogativa dos representantes fere o principio republicano de que todos são iguais perante a lei. Com base em uma recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas sobre o assunto, ele acredita que o benefício funciona “como uma espécie de escudo de proteção contra criminosos” pela demora com que os processos são julgados nos tribunais superiores.
“Isso não é por má vontade dos ministros e dos desembargadores, mas é em razão do modo que funciona a estrutura dos tribunais. Tribunais não são feitos para instruir ou julgar processos criminais como se fossem a primeira instância. Não tem como as coisas funcionaram realmente”, comentou.
Segundo a FGV, se os casos fossem para a primeira instância, a conclusão do julgamento seria mais rápida do que em instâncias superiores. Atualmente, são quase 55 mil pessoas que possuem a prerrogativa do foro perante a Justiça. “O Supremo Tribunal Federal […] normalmente não consegue analisar o mérito das investigações ou acusações apresentadas pela PGR”, concluiu.
“Então, trazer os casos que estão sendo tratados por tribunais sobre a proteção do foro privilegiado para a primeira instância, na minha perspectiva, é um questão de igualdade de todos perante a lei e é uma questão de maior celeridade na responsabilização das pessoas que mais deveriam cuidar da coisa pública que são os representantes eleitos”, concluiu.
Questionado se os juízes de primeira instância também não podem se corromper por influência financeira ou política de acusados em operações, por exemplo, o procurador contra-atacou. “Tem gente que vai fazer uma interpretação inversa. Que ministros de tribunais superiores, em razão de eles terem uma indicação política, podem estar mais suscetíveis a ter uma visão alinhada com aquela visão ideológica do partido do governante que o indicou. Isso é uma leitura que muitos fazem e que não é feita em relação às decisões de primeira instância. São feitas por magistrados aprovados por concursos públicos”, disse.