Notícias falsas e mentiras políticas não são novidade para a Justiça Eleitoral, que, ao menos até 2018, precisava julgar inverdades ditas sobre candidatos e partidos, parte quase essencial da disputa eleitoral.
No juridiquês eleitoral, as fake news -e qualquer informação errada ou ato ilícito abarcados por esse termo- são chamadas de "fatos sabidamente inverídicos" e costumam aparecer em embates entre rivais.
A profusão de conteúdo pelas redes sociais e as alegações de fraude sobre as urnas eletrônicas, insufladas sem provas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), levaram a Justiça a atuar não só na disputa entre candidatos, mas na briga contra o sistema eleitoral.
No pleito de 2022, o TSE tem regras que deixaram explícitas a possibilidade de punição contra inverdades ou fatos "gravemente descontextualizados" sobre a integridade das urnas e do processo de votação.
Veja essa e outras regras para o pleito de outubro.
Quais fake news podem ser alvo de remoção por ordem judicial?
A Justiça Eleitoral possui ampla margem para determinar a remoção de conteúdo das redes sociais. De acordo com as regras, a livre manifestação dos eleitores é passível de limitação "quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos".
Divulgar fake news é crime?
Na legislação eleitoral, sim. Ela diz que é crime divulgar "fatos que sabe inverídicos", na propaganda eleitoral ou durante o período de campanha, sobre partidos ou candidatos e que possam exercer influência perante os eleitores.
Uma novidade nesta eleição é que a regra agora tem redação que permite uma aplicação mais ampla, ao abranger o que for divulgado "durante o período de campanha". Antes, a aplicação estava atrelada à interpretação dos juízes do que estaria ou não abarcado no conceito de propaganda eleitoral, o que parte deles entende, por exemplo, que está restrito a conteúdos de candidatos e partidos.
As regras sobre propaganda eleitoral ainda deixam claro que candidatos têm responsabilidade sobre uso de conteúdos que sejam compartilhados, não necessariamente produzidos, por eles. O que for publicado ou endossado pelas campanhas deve passar por verificação da "fidedignidade da informação".
Qual a punição para fake news eleitoral?
Além da possibilidade de remoção do conteúdo, quem divulgar "fatos que sabe inverídicos" sobre partidos ou candidatos e que possam "exercer influência" perante os eleitores pode ser punido com dois meses a um ano de detenção ou pagamento de multa.
Quando o crime é cometido na internet, na imprensa, no rádio ou na TV, ou é transmitido em tempo real, a pena de prisão pode sem ampliada em um terço ou até a metade do seu prazo; por exemplo, se a pena for de um ano, pode ser ser acrescida de quatro ou seis meses. A pena também aumenta quando a fato inverídico envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia -já que a eleição deste ano tem o novo crime de violência política de gênero.
Qual a responsabilidade das redes sociais?
A responsabilidade por danos causados por uma publicação é atribuída ao autor, mas as redes sociais têm obrigação de remover conteúdo mediante ordem judicial.
As plataformas também têm regras próprias de moderação, podendo eliminar textos, imagens e vídeos que infrinjam suas diretrizes. A maioria delas tem políticas que proíbem mentiras que visem suprimir votos, como divulgação de datas, horários e locais errados da eleição. Conteúdos dedicados a minar a confiança das urnas são excluídos apenas por algumas redes e dependem de denúncias de usuários.
O que a Justiça diz sobre mentiras associadas às urnas eletrônicas?
A chamada propaganda negativa -briga política entre candidatos que pode incluir mentiras- há tempos é regulada pela Justiça.
Uma novidade deste pleito é que o TSE evidenciou que a divulgação e o compartilhamento de mentiras ou fatos "gravemente descontextualizados" sobre o sistema eleitoral também podem ser removidos. Entram no escopo inverdades sobre as urnas eletrônicas, o sistema de apuração e a totalização dos votos.
"O que passou a ser regulado de forma mais ampla é a mentira a respeito do processo eleitoral em si. O TSE passa a olhar com cuidado o que extrapola a relação particular entre os candidatos e mira, digamos, a esfera mais pública", diz André Giacchetta, advogado do escritório Pinheiro Neto.
Qual a punição para candidatos que divulgam mentira sobre o pleito?
Além da possibilidade de terem os eventuais conteúdos removidos, candidatos que divulgarem mentiras sobre o sistema eleitoral brasileiro podem ter o mandato cassado ou serem declarados inelegíveis.
Isso ocorre se houver entendimento de que a conduta do político em questão está enquadrada como abuso de poder político ou econômico, além de uso indevido de meios de comunicação social. Um dos critérios avaliados nesses casos é se a ação teve impacto suficiente para desestabilizar o pleito.
A depender do caso concreto, é possível que haja a apuração de outros ilícitos ou crimes em conjunto.
Já houve punição por divulgação de fake news sobre urna?
O parlamentar Fernando Francischini (União Brasil-PR) foi o primeiro a ter a candidatura cassada por divulgar fake news sobre o sistema eleitoral. No dia da votação em 2018, a menos de uma hora para o fechamento das urnas, ele fez uma transmissão ao vivo em sua conta no Facebook para divulgar mentiras sobre o pleito.
Em 2021, o TSE decidiu cassá-lo por entender que houve abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social para promover ataques à democracia. Houve críticas à decisão devido ao debate em torno do impacto da transmissão para desestabilizar o pleito. O entendimento levou à anulação de seus votos de 2018. Na época, ele era deputado federal e concorria a um assento de deputado estadual.
Que outros crimes estão ligados à propaganda eleitoral?
A legislação eleitoral também traz tipos penais similares a crimes contra honra previstos no Código Penal. Ao ingressar com ações sobre discurso de ódio e desinformação, por exemplo, os candidatos em geral citam ilícitos como ofensa para pedir a remoção de conteúdos.
Caluniar alguém (imputar falsamente um crime) na propaganda eleitoral é crime com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa. Também pode ser punido quem, sabendo que é falsa, divulga a informação. Já difamação (imputar fato ofensivo à reputação) tem pena de detenção de três meses a um ano e multa, e o crime de injúria (ofender a dignidade ou o decoro), prisão até seis meses ou multa.
É possível ter direito de resposta?
A concessão de direito de resposta pressupõe ofensa ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa e inverídica inserida no contexto de propaganda eleitoral, portanto não cabe em qualquer comentário de usuários de internet. Ele também pode ser exercido em perfis de redes sociais, embora a operacionalização seja mais difícil.