Cobrança indevida, dificuldade de resolver problemas com o SAC e má prestação de serviço são as reclamações mais frequentes registradas nos Procons contra os aplicativos de transportes. Após um período de encantamento com as facilidades da tecnologia e os preços, parece que a lua de mel entre usuários e apps chegou ao fim. O número de queixas aos órgãos de defesa do consumidor aumentou 54% comparando os registros feitos entre janeiro e agosto de 2018 e o mesmo período deste ano. No Judiciário, o salto foi ainda maior, de 61%. Foram 884 ações contabilizadas nos sete primeiros meses de 2019 só no Tribunal de Justiça do Rio. Na lista dos mais reclamados estão Uber, 99 e Cabify.
— Com o crescimento do uso, vêm as lesões. E, embora não haja uma regulamentação específica, o aplicativo é um fornecedor de serviço e, sendo assim, se submete ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo solidário aos atos praticados pelos motoristas. Essa conscientização aumenta a busca dos usuários por seus direitos — avalia o desembargador Marco Aurélio Bezerra de Mello.
Segundo o desembargador, chegam ao tribunal desde questões relacionadas ao trato com os motoristas até a duplicidade de cobrança, justamente a queixa de Paula Foit, de 29 anos, usuária da 99. Em abril, após uma corrida paga em dinheiro, ela foi cobrada também no cartão de crédito.
— Só quando fiz uma publicação na minha rede social, a 99 resolveu minha reclamação e ressarciu o valor pago em duplicidade— queixa-se.
Destinos preteridos
Outra reclamação frequente e que foi parar no Ministério Público do Rio é o aumento de casos de motoristas do Uber que, ao visualizarem o destino da corrida, retardam a chegada ao local do embarque até que o usuário cancele o chamado, o que acarreta pagamento da taxa de cancelamento.
— Instauramos um inquérito para apurar, pois o fato de um motorista poder evitar ou cancelar uma corrida por ser curta demais, por exemplo, se enquadra como uma prática abusiva — explica o promotor Rodrigo Terra.
A designer Simone Nascimento, de 51 anos, desconfia que o procedimento também vem sendo adotado no Cabify:
— Em abril, pedi um carro de Vila Isabel para o Grajaú, uma corrida curta. O motorista aceitou, mas quando estava a 5 minutos do local de embarque, desviou o caminho para outra rua e deu a corrida como iniciada. Recebi a notificação e a cobrança. Mandei uma reclamação e até hoje estou sem resposta. O mesmo aconteceu em maio, num novo chamado para o mesmo trajeto. Mais uma vez não tive retorno.
Segundo Cássio Coelho, presidente do Procon-RJ, já chegaram ao órgão denúncias de que motoristas estariam inclusive contatando os usuários para se informar sobre o destino para avaliar se aceitariam a corrida. O que é irregular, afirma:
— Recomendamos que o consumidor faça print da tela no momento da contratação e de qualquer alteração. É preciso estar atento à finalização do serviço, pois também há muitas divergências em cobranças, trajeto, tempo da corrida.
Já no portal de intermediação de conflitos do governo federal, o Consumidor.gov.br, 34% das reclamações contra o Uber — único app do segmento cadastrado na ferramenta — são relativas a bloqueio ou suspensão indevida do serviço. O estudante Caio Righy, de 17 anos, uma das vítimas do problema, foi impedido de usar o app, sem explicação.
— O que causa indignação é a falta de respeito de sequer informarem o motivo — queixa-se Fabrício Righy, pai do estudante, acrescentando que após o contato do GLOBO, o Uber reativou a conta.
Luciano Timm, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, diz que a preocupação é que a qualidade dos serviços seja mantida:
— Os apps devem investir na prevenção de ilícitos. Gostaríamos que todos ingressassem no Consumidor.gov.
Na avaliação do advogado Rafael Calabria, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), é fundamental melhorar a comunicação:
— Na maioria dos casos, o que falta é clareza nas regras tanto para motoristas, quanto para consumidores. É preciso que os apps tenham um canal de reclamação mais direto.