A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) teme os efeitos da crise política do governo Jair Bolsonaro nas reformas econômicas. As recentes denúncias de corrupção, a CPI da Covid e a aproximação da eleição colocam o time em alerta.
Assessores do ministro já calculam o risco de o cenário atual de escândalos afetar não só o andamento das reformas tidas como estruturais, como o formato final dos textos em discussão no Congresso.
O jornal Folha de S.Paulo mostrou que empresários e investidores brasileiros começaram a ficar preocupados com a série de escândalos na compra de vacinas. Isso poderia, para eles, comprometer as principais propostas de Guedes.
Haveria eventual aumento do risco-país e fuga de capital, em especial em caso de impedimento de Bolsonaro. Nesta quarta-feira (30), foi apresentado na Câmara um superpedido de impeachment do presidente.
Integrantes do time de Guedes afirmam que as denúncias devem ser apuradas. No entanto, eles apostam na manutenção da base parlamentar e no insucesso dos pedidos de impeachment.
Mesmo assim, parte dos membros relata o receio de que as suspeitas de corrupção no Ministério da Saúde não parem por aí e cresçam a ponto de prejudicar a articulação em projetos prioritários.
Os casos vêm se avolumando. A Folha de S.Paulo mostrou que representante de uma vendedora de vacinas diz ter recebido de um diretor da pasta da Saúde pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar um contrato.
A Folha de S.Paulo revelou ainda, no dia 18 de junho, o teor do depoimento sigiloso do servidor Luis Ricardo Miranda ao MPF (Ministério Público Federal), no qual relatou pressão atípica para liberar a importação da Covaxin. Desde então, o caso está no foco da CPI.
Além de intensificar as críticas que as reformas apresentadas já vêm recebendo, o cenário político tumultuado pode ter como efeito colateral, na visão da equipe de Guedes, o desequilíbrio orçamentário em uma das principais iniciativas do governo para o ano eleitoral: a reformulação do Bolsa Família.
Isso porque o novo programa social a ser lançado por Bolsonaro em meio à queda de popularidade e às vésperas de ano eleitoral depende de até R$ 20 bilhões a serem obtidos com as mudanças no Imposto de Renda em 2022, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Caso o projeto de lei do governo enviado na semana passada seja alterado demais, com a classe política buscando maior apoio da opinião pública em meio a um enfraquecimento da articulação, a margem de manobra para o programa pode diminuir.
Apesar de usarem o argumento de que a reforma tributária deve ser fiscalmente neutra, não há garantia que o Congresso seguirá tal premissa durante a tramitação.
Também tem sido considerado na equipe o risco de as discussões da reforma se prolongarem em meio às vésperas do calendário eleitoral a ponto de não haver aprovação em 2021, impedindo as novas receitas no próximo ano e forçando a busca por alternativas.
Para parte dos integrantes ouvidos, a janela de aprovação de projetos pode, inclusive, se encerrar antes do previsto por causa do contexto político. Hoje, esse prazo é estimado até setembro ou outubro.
A Constituição proíbe a cobrança de mais impostos no mesmo exercício em que as regras foram alteradas, baseada no princípio de que os contribuintes precisam de tempo para se adaptar. Para valer em 2022, portanto, a parte do projeto que gera aumento de tributação precisa ser aprovada neste ano.
A situação é monitorada enquanto o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinaliza mudanças na proposta.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele disse que a tributação apresentada para os dividendos (20%) ficou elevada. Diante de reclamações sobre o texto, até mesmo Guedes tem falado em mudanças no projeto.
Nesta quinta-feira (1º), o ministro afirmou que a alíquota de 15% do Imposto de Renda para empresas pode cair 10 pontos percentuais em vez de 5.
Se a desidratação no Congresso se ampliar e não ter as devidas compensações, as contas para o programa social podem ficar em xeque.
Já é mencionada até mesmo a possibilidade de voltar a serem estudadas saídas como a do corte no abono salarial. A medida chegou a ser vetada pelo presidente em 2020 por "tirar dos pobres para dar aos paupérrimos".
Já a reforma administrativa, que é alvo de críticas de servidores, também pode ter ataques intensificados em meio ao cenário caótico, de acordo com o entendimento de integrantes da equipe.
Nesse caso, tem influência o interesse de congressistas de diferentes partidos em usar as críticas à proposta como palanque eleitoral -agradando categorias que vão de professores a policiais.
Pela ala política, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), citado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) na CPI da Covid, tentou nesta quinta transmitir a mensagem de normalidade. No Planalto, promoveu reunião com líderes para tratar da reforma administrativa.
Os auxiliares de Bolsonaro viram com desconfiança o encontro. A reunião contou com a presença de apenas uma ministra, Flávia Arruda (Secretaria de Governo), que fez uma fala inicial e abordou a importância da reforma.
Para assessores do presidente, a reunião foi uma forma de Barros expressar para seus pares que tem poder no governo mesmo diante das acusações que pesam contra ele.
Em meio às preocupações, pessoas próximas a Guedes pretendem reforçar o contato com congressistas da base aliada. A ideia é manter um ambiente favorável e fazer a pauta econômica caminhar em paralelo às investigações.
Reservadamente, membros do ministério aproveitam as conversas para criticar a atuação da CPI da Covid. O colegiado agora mergulhou no caso do suposto pedido de propina para a compra de vacinas.
Entre as críticas, uma fonte argumenta que congressistas que no passado se diziam contra a espetacularização de denúncias de corrupção, quando autoridades eram publicamente expostas antes de julgamento, estão fazendo o mesmo hoje na CPI.
Também é mencionada na equipe uma chamada hipocrisia dos trabalhos da comissão, comandados por senadores associados no passado a supostos crimes de corrupção.