Economia

Crise econômica faz comércio facilitar crédito aos consumidores

A crise econômica tem feito o comércio baixar a barreira de liberação de crédito. Para atrair clientes, parte do mercado do varejo em Mato Grosso, que tem sofrido quedas seguidas no número de vendas desde começo do ano passado, tem afrouxado as medidas para a liberação de crédito com suspensão de alguns dados na consulta de nomes junto a instituições de monitoramento de crédito, como Serasa e SPC (Serviço de Proteção ao Crédito).

Conforme o vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Cuiabá, Célio Fernandes, essas medidas têm sido tomadas principalmente por comerciantes de micro e pequenas empresas, que sentem mais o desaquecimento nas vendas, cujas quedas ficaram na média mensal 4% em 2016, mesmo em datas comemorativas (Dia das Mães, dos Namorados e Natal, por exemplo) se comparadas à movimentação do anterior. Informações são da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Mato Grosso (Fecomércio-MT).

Segundo Célio, empresários têm optado pelo afrouxamento de avaliação de pagamento tanto para reduzir o filtro para compras quanto para a redução de custos administrativos.

“Essas medidas estão sendo tomadas em ação de desespero por pequenos empresários que tentam sair da crise e acabam se expondo a maiores riscos. E acabam acumulando maior volume de compras sem pagamento”.

Consulta feita pelo Circuito Mato Grosso identificou que lojistas têm oferecido a liberação de compra parcelada em crédito da casa com apenas apresentação de um número reduzido de documentação, com exigência, em alguns casos, de apenas RG e CPF. Em outros casos, quiosques de lojas conveniadas a operadores de cartão, em shopping centers, liberam o crédito com limites variáveis, para compra imediata.

“Meu filho, maior de idade, foi a um shopping outro dia e voltou com um tênis que tinha comprado com cartão de crédito, que foi aprovado para ele na hora. Ele apresentou alguns documentos e fez a compra”, conta a secretária Carla M. Costa.

Célio Fernandes explica que os serviços de consulta de nome negativa geram custos periódicos ao empresário conforme a demanda de cruzamento de dados. Quanto maior o número de documentos listados para avaliação do consumidor, mais alto é o custo.

“Se há maior quantidade de documentos para ser avaliada na liberação do crédito, logicamente, o alcance da análise será mais ampla. No entanto, o comércio está em situação tão crítica, com necessidade de corte de gastos, e os serviços de monitoramento têm entrado na redução de custo. E como consequência, o crédito é liberado. Mas ressalto que é uma medida de risco de desespero, que não representa a maioria do comércio”.

Segundo ele, somente no ano passado mais 3 mil empresas foram fechadas em Mato Grosso por causa da queda de vendas, ocasionada pela crise econômica, que deve gerar efeitos até o terceiro trimestre deste ano.

“Apesar das medidas anunciadas pelo governo para reaquecer o comércio, a nossa projeção é que o cenário tenha leves melhoras ao longo do ano, chegando a um Natal diferente do de 2016”.

O afrouxamento também está sendo feito por grandes empresas. Uma imobiliária de padrão A e B recentemente deu início a processos de concessão de crédito próprio para financiamento. Um consultor de vendas, que preferiu não se identificar, informou à reportagem que a empresa deixou de buscar instituições financeiras e de monitoramento de crédito para fechar negócio.

“Você apresenta documentos, a empresa faz análise própria, você sai com financiamento fechado na hora. Isso tem ajudado a retomar as vendas”, disse.

Quase 70% dos cuiabanos estão endividados

Balanço da Fecomércio-MT aponta que desde janeiro de 2016 a quantidade de endividados em Cuiabá está acima de 60% da população, com variação que chegou à casa de 70% em dezembro passado. A Peic (Pesquisa de endividamento e Inadimplência do Consumidor) mais recente, referente a março deste ano, aponta que 68,5% dos cuiabanos têm dívidas.

Desse total, 38,3% são de pessoas com dívidas atrasadas há mais de 90 dias, mas com alguma previsão de pagamento. Outros 13,4% estão um pouco pior, pois disseram não ter condições de pagar. O número representa 130.432 famílias que se endividaram com cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimo pessoal, compra de imóvel e prestações de carro e de seguros, contra 113.291 registrados no mesmo período de 2016 – 17 mil a mais.

Atrasos de mensalidade do cartão de crédito são o principal tipo de dívida dos cuiabanos, com 59,1% do total; o item carnês aparece em (39,5%), em terceiro pelo financiamento de carros (12,3%) e financiamento de casas (8,9%). Para as famílias com renda acima de dez salários mínimos (a partir de R$ 9,3 mil/mês), a maior facilidade de acesso ao cartão de crédito eleva esse número para 72,8%, contra 27,2% do financiamento de carros e 24,7% dos carnês.

Em Mato Grosso, a quantidade de endividados subiu 3,5% na passagem de fevereiro para março. As contas de água e luz apresentaram maior variação no aumento de endividados (42,34%).

Em março de 2017, cada consumidor inadimplente em Mato Grosso tinha em média 2,228 dívidas em atraso. O número ficou acima da média da região Centro-Oeste (2,153) e acima da média nacional registrada no mês (2,001 dívidas). Esta média está abaixo das 2,229 dívidas verificadas no estado em fevereiro.

Redução de juros pode impulsionar renegociação

Neste mês, novas regras para cartão de crédito começaram a valer no Brasil, e atinge principalmente os créditos rotativos. Consumidores que não conseguirem pagar integralmente a tarifa do cartão de crédito só poderão ficar no crédito rotativo por 30 dias; antes, não havia prazo estabelecido. A nova regra foi fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em janeiro.

“Até março deste ano, o cliente poderia pagar o valor mínimo do cartão de crédito e continuar com o crédito, acumulando dívidas. Mas isso estava gerando superendividamento, com juros muito altos, que no ano passado ficou acima 400% na consideração da variação anual”, explica o conciliador do Procon-MT, José Diego Rachid Jaudy.

A medida consta da reforma microeconômica anunciada pelo governo no fim do ano passado. Os bancos tiveram pouco mais de dois meses para se adaptarem à nova regra, que obrigou as instituições financeiras a transferirem para o crédito parcelado, que cobra taxas menores, os clientes que não conseguirem quitar o rotativo do cartão de crédito nos primeiros 30 dias.

Durante esse período de quase dois meses, os bancos definiram as novas taxas para o crédito parcelado. De acordo com a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), a medida tem o potencial de reduzir pela metade os gastos com juros em 12 meses.

O conciliador afirma que o objetivo do governo é estancar o crescimento de superendividamento com a redução de juros sobre as dívidas e parcelamentos. Ele explica que após o vencimento da fatura os bancos estão obrigados a transferir a dívida para outra linha de financiamento para gerar uma nova negociação. A mudança terá efeito para servidores públicos e aposentados para quem a taxa de juros caiu de 2,5% para 2,2% e de 2,34% para 2,14% respectivamente.

“O cliente poderá negociar a dívida dele em outra linha de financiamento com desconto sobre os juros. Para se ter uma ideia, antes da mudança uma dívida R$ 5 mil poderia subir para até R$ 12 mil; agora, o valor pode variar entre R$ 8,5 mil e R$ 6,5 mil”.

Com base em dados mais recentes da Anefac, de fevereiro, a taxa média de 15,16% ao mês no crédito rotativo equivale a 444,03% ao ano. Ao fim de três meses, uma dívida de R$ 1 mil na fatura do cartão subiria para R$ 1.527,23. Ao fim de 12 meses, equivaleria a R$ 5.440,26.

Com a nova regra, pela qual a taxa mais alta – de 15,16% ao mês – incidirá nos primeiros 30 dias e a taxa de 8,3% ao mês incide nos meses restantes, a dívida aumenta para R$ 1.350,70 em três meses e para R$ 2.768,31 em 12 meses. A diferença chega a 11,6% em 90 dias e a 49,1% em um ano.

Governo quer receber R$ 2,2 bilhões via protesto em cartório

A queda na arrecadação do Estado também levou o governo Pedro Taques a abrir uma série de protestos para cobrança de R$ 2,2 bilhões de contribuintes inadimplentes. Os protestos começaram a ser executados pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) em fevereiro deste ano, e uma leva de 2,2 mil pessoas compõe a primeira etapa de cobranças judiciais.

Conforme o a Subprocuradoria Geral Fiscal, os protestos foram encaminhados para cartórios de Cuiabá e municípios no interior de Mato Grosso. A soma total das dívidas desse grupo chega a R$ 1,8 bilhão.

A Subprocuradoria informou que caso o contribuinte não pague seu nome é inserido no cadastro de devedores em nível estadual e nacional, passando a ter restrições para obter créditos junto ao sistema financeiro.

O procurador-geral do Estado, Rogério Gallo, afirma que até o fim do ano 30 mil protestos devem ser oficializados.  “Vamos apertar o cerco contra os devedores do Estado e combater uma das causas da sonegação, que é a sensação de que não há cobrança efetiva”.

No fim do ano passado, a Secretaria de Fazenda (Sefaz) lançara um novo Refis (Programa de Recuperação de Créditos de Mato Grosso) para renegociar dívidas de contribuintes, antes cobertos pelo Funeds (Fundo de Desenvolvimento Social de Mato Grosso), extinto em 2013 pelo Tribunal de Justiça por vício em origem de dispositivo.

A Fecomércio-MT estima que o volume da dívida de contribuintes que participavam do Funeds esteja na casa de R$ 1 bilhão.

Tributarista diz que cobrança é ilegítima e desnecessária

O advogado tributarista Darius Canavarros, membro do Conselho Nacional de Direito Tributário da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma ser “desnecessária” a cobrança via protestos judiciais a contribuintes de devedores. Ele classifica a decisão do governo como medida coercitiva, que pode causar efeito reverso.

“O governo tem nas mãos título executivo extrajudicial dos contribuintes devedores que pode ser usado para executar a cobrança. No entanto, decidir agir com excesso de zelo, levando a cobrança para situação coercitiva, significa que está chamando os contribuintes para a guerra”, comentou.

Canavarros explica que os protestos do governo estão amparados em lei provisória do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que possibilita a cobrança de arrecadação via cartórios.

“No entanto, o governo está fazendo essas cobranças sem regra. Existe um valor mínimo indicado para essas cobranças, até mesmo para não gerar custo alto para o Poder Público na hora de protocolar o protesto”.

O tributarista também criticou a falta de conciliação pelo Estado para quitação dos débitos. Ele afirma que a abertura do novo Refis, no último trimestre de 2016, torna desnecessária a cobrança via protesto.

“Esse ato de coerção pode ser entendido como um forçamento para os empresários aderirem ao Refis, que teve baixa adesão até o momento. É um ato ilegítimo do governo, apesar de ser constitucional”.

Reinaldo Fernandes

About Author

Você também pode se interessar

Economia

Projeto estabelece teto para pagamento de dívida previdenciária

Em 2005, a Lei 11.196/05, que estabeleceu condições especiais (isenção de multas e redução de 50% dos juros de mora)
Economia

Representação Brasileira vota criação do Banco do Sul

Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além do Brasil, assinaram o Convênio Constitutivo do Banco do Sul em 26