O Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa básica de juro, a Selic, a 2% ao ano, menor patamar da história, nesta quarta-feira, 27. A decisão, tomada por unanimidade, não surpreendeu o mercado financeiro, que esperava a manutenção, pela segunda vez consecutiva, do índice fixado na reunião de agosto. O que os analistas mais aguardavam era o comunicado, que mostrou uma postura de atenção em relação ao risco fiscal e ao aumento da inflação, sem expectativa de mudanças de curto prazo na Selic.
O Copom sinalizou que o cenário atual, com inflação crescente, embora mereça atenção, não é projetado para o longo prazo. “Apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o Comitê mantém o diagnóstico de que esse choque é temporário, mas monitora sua evolução com atenção”, diz o comunicado. “O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”, considera o colegiado.
O Comitê retirou o trecho que dizia que “eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal”, previsão contida no comunicado anterior. No de hoje, afirma “entender que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno”.
A interpretação de analistas é que a retirada do trecho anterior passa a mensagem de que a chance de cortes na Selic nos próximos meses ficou ainda menor. “Um eventual corte aparece como opção remota, não como viés que pode exercer no curto prazo. Na reunião anterior, a possibilidade era distante, mas parecia mais concreta”, avalia o economista-chefe da BlueLine, Fábio Akira. Na visão dele, o risco fiscal e o choque inflacionário não fizeram com que o Copom passasse a ver o cenário futuro como drástico, com quebra do regime fiscal. “O BC não considera os riscos permanentes, mas diz acompanhar todos os fatores, inclusive externos”, observou.
“O Copom avalia que essas condições seguem satisfeitas: as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, encontram-se significativamente abaixo da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária; o regime fiscal não foi alterado; e as expectativas de inflação de longo prazo permanecem ancoradas”, concluiu o comunicado.
Inflação
O Copom, no entanto, reconheceu que as “últimas leituras de inflação foram acima do esperado” e, por isso, elevou a projeção para os meses restantes de 2020. No cenário básico, com a taxa de juro a 2% ao ano em 2020, 2,75% ao ano em 2021 e 4,50% ao ano em 2022, e o dólar a 5,60 reais, a inflação deve ficar em 3,1% neste ano, 3,1% em 2021 e 3,3% em 2022. Já se a taxa de juro se mantiver em 2% ao ano, e taxa de câmbio a 5,60 reais, a projeção é de inflação de 3,1% em 2020, 3,2% em 2021 e 3,8% em 2022.
“Contribuem para essa revisão a continuidade da alta nos preços dos alimentos e de bens industriais, consequência da depreciação persistente do real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda”, listou o Copom. A inflação tem disparado, puxada pelo aumento no preço dos alimentos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) atingiu 0,64% em setembro, maior patamar para o mês desde 2003. A prévia da inflação oficial, o IPCA-15, mostrou que, no início de outubro, o índice continuou crescendo e chegou a 0,94%, o maior para o período em 25 anos.
Apesar do aumento, os bancos projetam que 2020 terminará com inflação a 2,99%, dentro, portanto, da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4%. “Boa parte dessa pressão dos alimentos no IPCA tem a ver com a desvalorização cambial. Se tiver um acordo que consiga colocar o Renda Cidadã dentro do teto de gastos e fazer com que o Orçamento de 2021 fique equilibrado, o câmbio vai para 5 reais rapidamente. Do mesmo jeito que, se tiver algum tipo de burla do teto, 6 reais será o piso”, prevê o economista Luis Otávio de Souza Leal.
Segundo Leal, a tendência é que a taxa de juro seja mantida em 2% ao ano na próxima reunião do Copom, em 8 e 9 de dezembro, já que não deve haver mudanças significativas na condução de reformas ou do teto de gastos até lá. O que vai definir a política monetária daqui para a frente é a política fiscal, e ainda não há elementos suficientes para antecipar que o teto será quebrado. “Apesar da piora de expectativa em relação à manutenção do teto de gastos desde a última reunião, o BC não tem elementos ainda para dizer que há deterioração no regime fiscal, uma vez que não existe nenhuma medida concreta nesse sentido”, acredita o economista.
“O forward guidance foi mantido e o balanço de riscos evoluiu, mas a combinação de ambos reforça a percepção da necessidade de atuação do Banco Central somente no caso de os riscos fiscais se materializem“, considera o estrategista-chefe do banco digital Modalmais, Felipe Sichel, em nota. Para ele, mesmo com o alerta para o aumento dos riscos fiscais, “o tom foi mais ameno do que o antecipado”.
Em setembro, o Copom interrompeu uma série de nove reduções consecutivas na Selic. Agora, o mercado acredita que a taxa de juro será mantida em 2% ao ano pelo menos até setembro de 2021, de acordo com pesquisa realizada pelo BC na semana passada. A estimativa é que, a partir de outubro do ano que vem, comece a subir aos poucos, até chegar a 3,25%, em março de 2022.