Um caso que chamou a atenção em Cuiabá-MT, essa semana, foram as ossadas humanas encontradas em uma residência no bairro Nova Conquista na Capital. As vítimas, Talissa Oliveira Ormond e Benildes Batista de Almeida, estavam desaparecidas desde o ano de 2013, onde Adilson Pinto Da Fonseca, 48, confessou a autoria do duplo homicídio. Diante de um exímio trabalho, os restos mortais foram encontrados pelo Grupo de Atuação em Perícias Especiais (Gape) da Perícia Oficial de Identificação Técnica (Politec).
O Circuito Mato Grosso ouviu peritos que participaram das buscas e também as equipes que agora atuarão na identificação dos restos mortais encontrados. O cenário era uma casa com partes em construção em um bairro periférico da capital onde corre um esgoto a céu aberto em frente ao imóvel. Lá ocorreria uma operação onde seria necessária a atuação do Gape para localizar os corpos enterrados há mais de seis anos.
Para compor a equipe também foram selecionados um perito de local de crime, uma técnica em necropsia e uma perita em engenharia legal. “Como haveria uma escavação, além do perito encaminhados uma engenheira civil para análise de solo e estrutura do local e uma técnica em necropsia para identificar se era ossada humana ou não”, explicou Luis Paoli Gomez, coordenador do Gape.
A técnica em necropsia Luciana Machado da Silva, que atuou nas buscas pelas ossadas de Talissa e Benildes, detalhou o trabalho de busca que repercutiu nos noticiários estaduais e nacionais.
“Ali foi um trabalho de parceria. A Águas Cuiabá forneceu um scanner de solo e o Corpo de Bombeiros levou cães farejadores para auxiliar nas buscas. Depois de uma denúncia anônima que informou que os corpos provavelmente estariam na fossa do imóvel, foi iniciado o trabalho com uma retroescavadeira para localizar as ossadas”.
Luis Paoli detalhou a importância do trabalho de reprodução simulada, onde é feita uma acareação do ocorrido para buscar detalhes que possam ficar em aberto e gerar dúvida.
“Na reprodução simulada, pegamos os atores (vítimas e/ou suspeitos) envolvidos na situação, e perguntamos como ocorreu o crime, e detalhes para ver se eram compatíveis ou não, com o que temos. Usando a lógica dedutiva, filtramos toda a informação, e isso é importante, porque no caso em questão, quando falaram que o corpo estava enterrado do lado de fora e não se sabia onde, chegou a informação de que o corpo estaria na fossa, e o suspeito disse que não tinha fossa no local”.
“Essa afirmação do suspeito foi o start para deduzirmos que os corpos estariam enterrados ali, pois houve o fator contradição, já que uma casa daquele tamanho teria que ter fossa, e a partir daquela informação começamos as buscas no local”, detalhou Paoli.
Lá também havia uma diferença de solo, evidenciando alguma movimentação recente no local, por isso as buscas se iniciaram naquela região. As buscas minuciosas duraram por mais de seis horas, tempo que os peritos do Gape levaram para conseguir localizar o máximo de ossos possível.
“Nós colhemos o máximo de ossada possível já que pelo tempo que se passou, partes foram se fragmentando, tanto que o crânio da segunda vítima não estava completo, mas estamos fazendo um trabalhao o mais minuscioso possível para que o material entregue a antropologia seja mais fácil de ser identificado”, informou Luciana.
O delegado Fausto José de Freitas, da Delegacia de Homicídio e Proteção Pessoa (DHPP), informou que os corpos passariam pelo processo de identificação para ter certeza absoluta se as vítimas são, de fato, Benildes e Talissa.
Posterior ao trabalho do Gape, a ossada foi encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) para o setor de antropologia.
“A condição dos dois cadáveres era de esqueletização, que é um estágio transformativo muito avançado e por isso não seria mais possível fazer uma necropsia ordinária (comum). Por esse motivo foram entregues para a gerência de antropologia”, pontuou Eduardo Andraus Filho, diretor do IML.
A antropologia, segundo Eduardo Andraus, é uma das partes da medicina legal que tem como papel identificar o cadáver e determinar a causa morte. “Os objetos de perícia da antropologia forense humana são cadáveres em avançado estado de decomposição intenso, carbonizados, que perderam a conformação original de corpo humano, mutilados, e qualquer tipo de alteração de morfologia do corpo humano que impeça uma necropsia comum De chegar as necessidades primordiais de uma necropsia”, explicou.
No caso das vítimas encontradas enterradas na residência no bairro Nova Conquista, o diretor do IML relatou que só terá certeza se são de Talissa e Benildes após a conclusão das duas perícias na gerência de antropologia forense.
No setor, o cadáver é tratado para conseguir fazer uma observação do material, nas melhores condições possíveis, já que o corpo não apresentará mais ligamentos, faces, músculos entre outros.
“O esqueleto é montado na posição anatômica para definir se há necessidade de fazer ou não uma radiografia, e a partir da análise da ossada tentar chegar ao diagnóstico, buscando identificar fraturas, alterações no esqueleto que possam sugerir a causa morte”, detalhou o diretor.
Na medicina legal existem três métodos considerados primários para a identificação de uma pessoa. O primeiro, o mais comum, rápido e barato, é por meio da papiloscopia, e há ainda a identificação pela arcada dentária e o exame de DNA.
No caso das ossadas encontradas essa semana, a identificação pelas impressões digitais estão descartadas, tendo os peritos que realizá-la por arcada dentária ou exame de DNA.
O diretor deixou claro que qualquer método legal de identificação precisa de um confronto, pois não há como identificar sem fazer um confronto com algum tipo de material colhido previamente.
A gerente de antropologia forense, Silmara Pereira Alves, detalhou que se perde muito a capacidade de identificar a causa morte quando há somente uma ossada, pois as condições de um cadáver recente são diferentes.
Silmara conversou com as famílias das vítimas, e os parentes de uma das mulheres relatou que não ter conhecimento se ela havia passado por um tratamento dentário pouco antes do desaparecimento. Já a outra família sabe que foi realizado algum procedimento, mas não o local exato e vai tentar buscar a pasta ortodôntica.
“Se a família conseguir esse prontuário teremos um meio mais rápido para identificar a vítima. Caso contrário somente por exame de DNA”.
Mesmo com o passar do tempo, Silmara explicou que é possível se extrair material genético do osso, principalmente de partes como, fêmur, clavícula, costela, externa e dentes também, onde se é possível retirar medula.
O trabalho é bem complexo, segundo os peritos, pois existem duas tarefas em análise que é estabelecer a causa morte e a identificação com condições desafiadoras de esqueleto.
“É um estudo bem minucioso para analisar o sexo, estatura, idade aproximada, entre outros. É feita uma análise por simetria, pois nenhum osso é igual ao outro. A análise sempre feita por ossos largos é realizado um cálculo, principalmente no caso em questão, pois houve perca de osso pelo tempo”, finalizou Silmara.
Odontologia Legal
É na odontologia legal que ocorre a conformação da mandíbula, maxilar superior, a distribuição dos dentes, todos os trabalhos realizados por odontólogos na dentição, fraturas e outras alterações que foram documentadas anteriormente.
Todo tipo de documentação dentária é coletado e aí a análise é feita fazendo a comparação, seja por radiografia ou exames anteriores. Sendo positivo o confronto, a vítima é identificada.
DNA
Já quando é necessário fazer a identificação por exame de DNA, é colhido o material genético do indivíduo que esteja disponível no meio ou em alguma roupa íntima, escova de dente, copo, escova de cabelo e com o material é reralizado o confronto de material genético.
No caso de Talissa e Benildes, será feita pela forma possível, que é o DNA. Será colhdio material genético de algum familiar, de preferência de primeiro grau, seja mãe, pai ou filhos, para que o perfil de DNA do familiar na análise das combinações compatíveis.
A perita criminal Ana Cristina Lepinsk Romio, contou ao Circuito Mato Grosso como é o processo de DNA no laboratório e como se dá a identificação. O material, ao chegar ao laboratório de DNA, é cadastrado e distribuído para os peritos que realizarão os exames.
No caso de ossada, o material é levado para um espaço chamado Sala de Ossos, onde é separado e deixado para secar, e em seguida um pedaço do osso é cortado para extrair o DNA da célula.
“Às vezes isso demora bastante e depende de como o material chega. Se estava na água, muito úmido, tem que ter o tempo necessária para conseguir serrar o osso. Além disso, nem sempre é possível extrair o DNA na primeira tentativa e nem na segunda tentativa, e por isso não há um tempo certo”.
Em seguida o osso é colocado em uma solução de EDTA, que é um ácido que atua como ligante hexadentado, ou seja, pode complexar o íon metálico através de seis posições de coordenação.
“Esse EDTA vai tirar a maior parte do cálcio do osso, e isso vai facilitar para a gente selecionar e cortar em pedacinhos menores e fazer a extração, onde tem uma série de enzimas que vão separar e quebrar as proteínas na extração, deixando somente o DNA em suspensão na solução”.
A partir daí, é feita a etapa de quantificação que é onde feita a análise se há DNA em quantidade, e na qualidade suficiente para trabalhar.
“Algumas vezes, na etapa de quantificação, você nota que não há número suficiente para trabalhar, e então é preciso pegar outro pedaço de osso e refazer todo o processo. Já quando os resultados se mostram que há um número suficiente com qualidade para trabalhar, vem a fase de clonar os pedaços, chamados marcadores e enviados para a PCR”.
O PCR é uma técnica de laboratório baseada no princípio da reação em cadeia da polimerase (PCR) para multiplicar ácidos nucleicos e quantificar o DNA obtido, onde o material genético inicial na reação de PCR é RNA, que é transcrito no reverso em seu complemento de DNA por enzima transcriptase reversa.
Depois de terminar a PCR, a próxima fase é chamada de eletroforese capilar, que é uma técnica muito eficiente para separar macromoléculas o que é de interesse da indústria biotecnológica, e para a biologia e bioquímica.
“É o lugar onde a ‘mágica’ acontece que é onde enxerga que a carga elétrica passou pelo capilar, você nota aquele gráfico colorido, onde cada região é um desses marcadores aparecem, onde o importante são os alelos”.
Com isso, é feito o trabalho de comparação, onde a amostra do osso é comparada com a amostra referência que é retirada de algum membro da família.
A coleta do material genético das famílias de Benilze e Talissa já foram rfeitas, e agora passará pelo processo de análise. Vele lembrar, que somente no ano de 2019 o laboratório de DNA da Politec concluiu 41 exames de DNA.
O Grupo de Atuação em Perícias Especiais (Gape) é uma iniciativa que toda instituição tem segundo Luis Paoli Gomez, só que de forma institucional é pioneira.
“Desde que o diretor anterior (Reginaldo Rossi) participou da queda do avião da Gol, surgiu a ideia de ter algo mais profissional e engajado para atender desastres, e essa ideia foi materializada no final de 2017. Oo Reginaldo me chamou e perguntou se eu topava o desafio de montar a equipe, e ai idealizamos e criamos uma equipe multidisciplinar com vários setores do IML e laboratorial”.
A a proposta de trabalhar em situações de Disaster Victim Identification (DVI) evoluiu para crimes de altas complexidade no estado, como por exemplo um acidente de trânsito com 12 vítimas, crime organizado, múltiplo homicídio como o caso recentemente de Colniza, entre outros.
“Eu escolhi a equipe que no meu ver possui engajamento, disponibilidade, que queria auxiliar a aceleração dos processos, e realmente colocar a mão na massa. É tudo muito novo para gente também, eu coordeno algo, novo, é uma equipe pioneira”.
Hoje o GAPE atua com 16 profissionais, como peritos de local de crime que atuam em mortes violentas, trânsito, engenharia legal, meio ambiente, além de técnicos em necropsia, médicos legistas, ondotolegista e papiloscopista.
“Por ser uma equipe multidisciplinar, cada ocorrência analiso o tipo de profissional que vamos precisar, aciono, passo o nivelamento das informações, pois normalmente as ocorrências do Gapesão sigilosas, quando não é desastre é sigiloso, e ai partimos para busca de materiais, cada um na sua área e no organizamos”, detalha Luis.
Quem aciona a equipe do Gape segundo o coordenador, é o diretor da Politec, que filtra qual situação é realmente de alta complexidade e que necessita da equipe especial da Politec no caso.
O grupo especial da Politec que ganhou evidência essa semana, de acordo com Luis Paoli, vive em constante treinamento e qualificação, como rapel, resgate de vítimas, noções de crime organizado, cursos com Ciopaer, Corpo de Bombeiros, escavações entre outros.
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