Economia

Como o setor de jogos online está saindo da pandemia maior do que entrou

Quando sua escola fechou em março, Garvey Mortley parou de ir ao treino de lacrosse (jogo com taco, popular nos Estados Unidos) e de tocar bateria na banda da escola. Com tanto tempo livre em casa, ela se voltou para outro interesse: o Roblox, um site de jogos on-line e aplicativo com personagens semelhantes a bonequinhos do Lego e milhões de mundos virtuais para explorar.

Espalhada no chão de sua sala de estar em Bethesda, Maryland, Garvey começou a passar mais horas no universo on-line, construindo casas virtuais, adotando animais de estimação digitais e competindo com outros jogadores em corridas de obstáculos. Ela disse que agora joga Roblox em seu laptop por até cinco horas diárias, enquanto conversa com amigos pelo telefone, tempo que, antes da pandemia, era de uma ou duas horas por dia.

“É tipo minha paixão principal. É bastante diversificado, e você pode conhecer pessoas de todo o mundo”, comentou Garvey, de 12 anos.

O coronavírus criou alguns vencedores da pandemia, à medida que as pessoas compram em massa na Amazon, adquirem bicicletas da Peloton para se exercitar em casa e assistem a filmes em drive-in. Para as crianças, há vitoriosos da pandemia também – e o principal deles, o Roblox, que tem 14 anos, já era popular, mas cresceu descontroladamente desde que as pessoas foram obrigadas a ficar em casa.

Desde fevereiro, o número de jogadores ativos no Roblox aumentou cerca de 35 por cento, chegando a 164 milhões em julho, de acordo com o RTrack, um site que rastreia dados do Roblox. Cerca de três quartos das crianças americanas de 9 a 12 anos estão agora na plataforma, segundo o próprio site. E a empresa informou que os jogadores passaram três bilhões de horas no site e no aplicativo em julho, o dobro do tempo em comparação com fevereiro.

Dentro do Roblox, que é gratuito, os jogadores criam um avatar. Eles podem jogar os milhões de jogos do site, levando seu personagem para ambientes que vão de ilhas tropicais a castelos assombrados e cidades movimentadas.

Seus avatares podem se envolver em combate em primeira pessoa, decifrar quebra-cabeças ou participar de uma caça ao tesouro enquanto conversam e interagem com outros jogadores.

Os jogadores pagam dinheiro real – muitas vezes US$ 5 ou US$ 10 por vez – para se tornar membros premium e adquirir a moeda do jogo, chamada Robux, que permite que comprem roupas, armas e até balões de ar quente para seus personagens.

“Num momento como este, em que as pessoas estão em casa, ser capaz de escapar para o mundo digital e ter esses tipos de experiências divertidas e imaginativas com um amigo é muito, muito relevante”, disse Craig Donato, diretor de negócios do Roblox.

Para os jogadores, o Roblox tem um elemento de descoberta interminável, porque desenvolvedores independentes criam mais de 20 milhões de novos jogos por ano para a plataforma. E para esses desenvolvedores – que são em sua maioria adolescentes, estudantes universitários e jovens adultos operando sozinhos ou com uma pequena equipe – o recente aumento na popularidade do Roblox significa tempos de crescimento também, uma vez que recebem uma parte do dinheiro que os usuários gastam em seus jogos.

Uma das beneficiárias é Anne Shoemaker, de 20 anos, que contou ter se mudado de Palm Coast, na Flórida, para o Vale do Silício há dois anos com US$ 100 no bolso para viver perto de outros desenvolvedores enquanto codificava jogos para o Roblox. Ela disse que, por um tempo, não ganhou o suficiente com a plataforma para justificar transformar o que fazia em um trabalho em tempo integral.

Mas, depois do sucesso durante a pandemia, Shoemaker viu uma onda de interesse em seus dois jogos no Roblox, o Mermaid Life, um jogo de RPG focado na moda, e My Droplets, jogo de simulação de animais de estimação. Os jogadores pagaram por conteúdo extra nesses jogos e pelos chapéus que ela fez para os avatares dos usuários, vendidos em todo o site.

Shoemaker revelou que já ganhou cerca de US$ 500 mil com o Roblox, a maior parte desde março. Antes da pandemia, ela podia pagar apenas uma ou duas pessoas para ajudá-la. Agora seu estúdio, o Fullflower Studio, emprega 14 pessoas e está desenvolvendo novos jogos.

“É uma sensação incrível. As pessoas costumavam dizer à minha mãe: ‘Pare de deixá-la jogar esse videogame; isso não vai levá-la a lugar nenhum.’ E isso está me levando a algum lugar”, comentou Shoemaker.

O Roblox disse que tem mais de dois milhões de desenvolvedores, 345 mil dos quais ganham dinheiro e dividem seus lucros com a empresa. Dezenas dos principais desenvolvedores ganham milhões de dólares, segundo a empresa, e os melhores jogos do passado geraram uma média de US$ 2 milhões a US$ 3 milhões por ano.

A receita do aplicativo móvel do Roblox, que a maioria dos jogadores usa, totalizou US$ 493 milhões no primeiro semestre do ano, contra US$ 228 milhões no mesmo período do ano anterior, de acordo com a SensorTower, uma empresa de análise. O Roblox não quis divulgar suas finanças, exceto para dizer que tinha um fluxo de caixa positivo.

O Roblox, que tem sede em San Mateo, na Califórnia, foi fundado em 2006 por Erik Cassel e David Baszucki, que eram engenheiros e empresários. Baszucki é o executivo-chefe; Cassel morreu de câncer em 2013. A startup levantou US$ 335 milhões de investidores, inclusive da Meritech Capital Partners e da gigante chinesa da internet Tencent. Em fevereiro, quando levantou novos financiamentos de investidores, incluindo Andreessen Horowitz, foi avaliada em US$ 4 bilhões.

Nos primeiros anos do site, seu crescimento foi lento. Mas a atividade começou a aumentar em 2015 e 2016, à medida que ajustes tecnológicos facilitaram a reprodução em celulares e no Xbox da Microsoft. O Roblox hoje é quase tão popular quanto o Minecraft, um de seus principais concorrentes, disse Craig Sherman, capitalista de risco da Meritech.

Mesmo com seu recente aumento na atividade, afirmou Sherman, o site está “à beira” de mais crescimento. Ele afirmou que a plataforma se tornou uma base para as pessoas iniciarem negócios, nos moldes do YouTube.

“Para esta geração, o Roblox está se tornando a versão de ir ao shopping ou ao centro com os amigos, e a Covid provavelmente ajuda a acelerar isso”, resumiu ele.

Algumas crianças que cresceram com o Roblox nunca saíram. Alex Balfanz, de 21 anos, começou a codificar jogos para o site quando tinha 9. Em 2017, quando estava no último ano do ensino médio em Orlando, na Flórida, ele lançou um jogo chamado Jailbreak, no qual os avatares das pessoas são prisioneiros tentando escapar da prisão ou policiais que tentam mantê-los presos.

Balfanz contou ter se espantado quando Jailbreak atraiu mais de 70 mil jogadores de uma vez em seu primeiro dia. O jogo já foi jogado mais de quatro bilhões de vezes e ganha vários milhões de dólares por ano, quantia que Balfanz afirmou dividir com seu parceiro de negócios.

Na pandemia, Jailbreak atingiu patamares ainda maiores. Balfanz relatou que, nos melhores dias, o jogo tem de 80 mil a 90 mil pessoas jogando de uma só vez, em comparação com 40 mil a 60 mil antes.

“Foi uma surpresa agradável, algo que realmente não pensei que pudesse acontecer no meio de todas as circunstâncias infelizes trazidas pela pandemia”, comemorou.

Com seus ganhos, Balfanz, agora um veterano da Universidade Duke, disse que tirou algumas férias, pagou sua mensalidade da faculdade (a anuidade da Duke é de quase US$ 60 mil) e comprou um Tesla. Ele alcançou o status de celebridade no Roblox, e contou que é assediado por jogadores sempre que faz logon.

Mas os perigos do mundo off-line às vezes se infiltram no Roblox, incluindo relatos de grupos extremistas tentando recrutar crianças e o aparecimento de conteúdo sexualmente explícito nos jogos.

Donato afirmou que a segurança era a prioridade máxima do Roblox. Segundo ele, a empresa analisa o conteúdo do jogo, tem extensos controles parentais e filtra palavrões e informações pessoalmente identificáveis fora dos chats.

“Vemos todos os tipos de grandes ocorrências da vida real, desde a Covid-19 até a discriminação racial, que impactam nossa plataforma de alguma forma”, disse ele.

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Redação

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