Economia

Clima interfere no conforto e no mercado imobiliário

Não há um ponto em Cuiabá que dê para fugir do calor. Esta é a sensação do cuiabano durante o ano todo. Em nenhum local da área urbana da capital foram identificadas condições de bem-estar, segundo a pesquisa. Aproximadamente 80% dos que vivem na cidade sofrem um crescente e forte desconforto que, junto com o tempo quente e seco, pode levar ao deterioramento das condições físicas e psicológicas ou a um estado de emergência médica.

"Praticamente toda a cidade está em grande desconforto térmico", diz o geógrafo Aristóteles Teobaldo Neto, autor da pesquisa e analista em geotecnologias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Mato Grosso, que está se propondo a analisar o clima urbano como fator de risco para a população na capital mato-grossense em sua tese de doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Presidente Prudente – SP.

Curiosamente, as áreas do estudo que apresentam temperaturas menos desconfortáveis são as escolhidas pelas construtoras, principalmente as voltadas para condomínios classe A. É o caso do Condomínio Florais, que está no limite do perímetro urbano da região norte de Cuiabá; e do Jardim Itália, que possui um parque com um lago em seu entorno. Sua distância ou localização, bem como a renda, a infraestrutura do bairro e a vegetação ao seu redor, lhe permitem melhores índices de conforto térmico.

Procurada pela reportagem do Circuito Mato Grosso, a construtora MRV disse por meio de nota que não tinha como atender nossa demanda de informações sobre o assunto por meio de fontes.

Para a arquiteta Vanessa Bressan Koehler, conselheira no Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (CAU-MT), “o que leva para longe não é o calor, mas eles acabam sendo muito beneficiados [pela localização]”.

O principal motivo que leva os empreendimentos imobiliários para esses locais, segundo a conselheira, é o tamanho das áreas para a construção dos condomínios horizontais, e não o clima. “Não tem uma ligação direta com o calor. Não tem”, enfatiza. Ela comenta que a disponibilidade de grandes terrenos no centro urbano da capital não é tão numerosa como as que estão no limite do perímetro urbano.

Essas áreas são consideradas como de expansão urbana, ou seja, a transformação em áreas urbanas de espaços de uma cidade ainda não ocupadas e consideradas como rurais. Elas têm um valor mais barato do que numa região mais ocupada, e são revendidas a um custo mais caro, já que eles precisam levar a infraestrutura da cidade para aquele lugar.

Segundo a gerente de projetos da Ginco, a arquiteta Juliana Ippolito, uma série de fatores faz “com que o clima no interior dos condomínios seja um pouco mais ameno que no restante da cidade”. De acordo com a arquiteta, o primeiro passo para a escolha de uma nova área de condomínio é um levantamento detalhado sobre o terreno e um diagnóstico ambiental. “Conseguimos identificar a existência de áreas ambientalmente frágeis para que as mesmas sejam respeitadas pelo projeto com a garantia da manutenção de acordo com a legislação”, disse.

Ao ser questionado se antes de construir um empreendimento residencial a construtora leva em consideração e prefere espaços nas proximidades de vegetação, o gerente geral da Plaenge Empreendimentos, Rogerio Fabian Iwankiw, argumenta que este não é o fator primordial. “Primeiro é o terreno. Qual a topografia, qual a forma que interfere menos na topografia do terreno e na movimentação de menos terra e corte”, afirmou.

O gerente destaca que em Cuiabá a população deseja sempre imóveis que recebem o sol da manhã.  No caso de prédios residenciais, sua construção é feita de forma estratégica, e o mais natural é que o edifício fique paralelo à rua. “Se no almoço eu conseguir deixar a pessoa em um ambiente que tem apenas incidido sol na parte da manhã, vai ser melhor, se à tarde, onde bate o sol escaldante, eu conseguir fazer que esses raios batam na cozinha e não nos quartos, melhor ainda, tomamos este cuidado”, explica.

Já os pontos de lazer na área torre, uma quadra de esporte é pensada em um espaço onde a própria sobra do prédio evite incidência de sol no espaço, proporcionando uma melhor sensação térmica. No caso de uma piscina, a busca é sempre pelo sol, a ideia de haver sobra neste espaço é totalmente descartada. Diante desta situação, os trabalhos estratégicos requerem muita atenção das construtoras neste processo de revezamento; em determinados pontos, o sol é indispensável, já em outros pontos sua incidência precisa ser descartada em partes do empreendimento. 

Apesar de dizer que não há preferência pelas áreas verdes, o líder da construtora destaca os pontos intitulados “pulmões verdes” de Cuiabá como pontos preferidos para os prédios residenciais. O Parque Mãe Bonifácia, o campus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o Parque Tia Nair e demais locais com concentração de vegetação abundante.

Quanto mais pobre, mais quente a residência

Apesar de o forte desconforto se impor sobre quase toda Cuiabá, nem todos vão senti-lo da mesma maneira. Outro ponto analisado pelo pesquisador Aristóteles é entender a desigualdade do sentir o clima na capital mato-grossense. Logo, o grau de bem-estar com a temperatura ambiente pode conter uma variável ainda mais grave – a vulnerabilidade socioeconômica.

A renda, por exemplo, "pode definir as condições de conforto ou desconforto térmico. É uma condição forte de redução do desconforto térmico provocado pela ilha de calor". Segundo Aristóteles, "quem é menos vulnerável geralmente tem uma renda alta. Então aí você tem a dimensão da vulnerabilidade que aumenta o risco [as ilhas de calor]", pontua.

"Há muitas residências em Cuiabá que não dispõem de ar-condicionado pela falta de condições financeiras de adquirir ou manter, os moradores destas residências estão sujeitos a todo tipo de risco pela exposição a altas temperaturas", explica.

Como se define conforto térmico

Para classificar o grau de conforto térmico, Aristóteles se baseou em um índice desenvolvido por Earl C. Thom e J. Francis Bosen em 1959. Apesar de ser bastante utilizado no Brasil, o método foi pensado para avaliar o clima temperado de regiões do Hemisfério Norte, que têm estações bem definidas ao longo do ano. Pesquisas, no entanto, estão sendo realizadas no país para adaptar o índice da realidade do clima tropical brasileiro.

A metodologia se baseia no conceito de temperatura efetiva, que é uma fórmula matemática que calcula a velocidade do vento, a temperatura e a umidade relativa do ar. O resultado desta equação pode fornecer dados para avaliar o conforto térmico tanto em espaços abertos quanto fechados. O objetivo, além de medir o desconforto, é verificar a necessidade de resfriamento de um ambiente para um convívio humano aceitável.

O grau de incômodo é uma medida. Ele dá uma ideia do quanto o indivíduo se desgasta psicológica e fisicamente para regular a temperatura do seu corpo ao ambiente. Em climas frios, por exemplo, o corpo estreita as artérias dos vasos sanguíneos para aquecer o corpo. Já em climas quentes, o organismo começa a produzir mais suor para se resfriar.

A sensação de desconforto é só uma das consequências das ilhas de calor. O período seco e quente favorece doenças respiratórias, como bronquite, tosse alérgica, pneumonias, entre outras. Mortes, impactos na saúde e contribuições para a mudança do clima local são outros efeitos causados por esse fenômeno climático que atinge os aglomerados urbanos.

O que são “ilhas de calor”

Quando a área urbana fica mais quente que a área rural, configura-se o fenômeno denominado ilha de calor. Por conta da ausência de vegetação e da grande presença de materiais construtivos, como cimento, asfalto e telhados, as cidades absorvem essa energia contribuindo para a elevação das temperaturas.

“À noite, quando cessa a radiação solar, toda a energia acumulada ao longo do dia nos materiais construtivos da cidade começa a ser liberada. Aí você vai ter um contraste por que na área rural, que geralmente tem um maior índice de vegetação, ela se resfria mais rápido. E a cidade começa a se resfriar mais lentamente", explica Aristóteles.

A ilha de calor identificada por Aristóteles em 2016 pode ser comparada ao que a geógrafa Magda Lombardo encontrou em São Paulo em 1985. Nessa época, a pesquisadora encontrou temperaturas acima de 10º. “Cuiabá não é uma megalópole. Uma cidade de 600 mil habitantes resultou num total significativo que figura entre as maiores intensidades que eu pesquisei até hoje e das pesquisas feitas em cidades aqui do Brasil”, disse Aristóteles.

Por causa da ação humana, o estudo revelou ainda que, no ano de 2016, a ilha de calor chegou a 11º C em meados do mês de setembro em Cuiabá – ápice do período de estiagem na cidade. O fenômeno agrava o desconforto térmico, causando a deterioração da saúde física e psicológica.

Em 1994, a Dra. Gilda Tomasini Maitelli, professora da UFMT, estudou também o clima urbano de Cuiabá em sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Na época, ela encontrou uma ilha de calor de até 5º graus utilizando metodologia semelhante à que Aristóteles está usando em seu estudo.

Além dos fatores naturais, a ação humana é o principal agente que contribui para o tempo quente na cidade criando as ilhas de calor. “Temos as condições naturais que são responsáveis pelas altas temperaturas, mas nós temos a forma como que a cidade foi e é produzida. A retirada da vegetação por substituição aos materiais construtivos da cidade contribui para o agravamento da Ilha de calor e, consequentemente, do desconforto térmico”, explica Aristóteles.

O carro de medir o clima

Aristóteles mediu a ilha de calor por meio de transectos móveis. Uma metodologia que consiste em registrar a temperatura e a umidade relativa do ar por meio de miniestações meteorológicas instaladas em automóveis que devem percorrer um determinado trajeto que tenha “a maior diversidade de paisagens possível”.

Aristóteles fez o registro a partir das principais avenidas de Cuiabá. O pesquisador então percorreu 80 km da capital divididos em quatro trajetos de 20 km cada, conforme mostra o mapa abaixo, entre as 21h e 22h de domingo do dia 17 de setembro de 2016. Foram feitos 417 registros de temperatura em que 68% variou entre 30º e 35º nesse horário.

O geógrafo ainda tinha que obedecer a alguns critérios da teoria metodológica para validar os seus achados. Ele não podia fazer os registros em um dia de chuva. Ele não podia fazer os registros em um dia de muito vento. Ele não podia também andar com os carros a mais do que 30 km por hora, pois o resultado depende da velocidade recomendada pelos especialistas de sua referência metodológica.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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