A história da cerveja se confunde com o próprio alvorecer da humanidade, que 7.000 a. C. já produzia a bebida. Milênios se passaram e o líquido feito a partir de grãos como malte e cevada se adaptou a diferentes culturas e momentos históricos com o desenvolvimento do comércio durante os séculos, o que exigiu uma produção em larga escala para atender as crescentes demandas. No entanto, um tipo bem específico dela ainda sobrevive entre microprodutores que optam pela qualidade ao invés de quantidade, num mercado bilionário.
De acordo com a Associação Brasileira de Micro Cervejarias (Abracerva), existem no Brasil 300 empresas no segmento — crescimento de 50% em relação a 2013 — com faturamento de cerca de R$ 2 bilhões ao ano. E o mercado tem espaço para crescer. Dados do Sistema de Controle de Produção de Bebidas da Receita Federal (Sicobe) apontam que nos últimos 10 anos a produção de cervejas no Brasil cresceu nada menos do que 64%, passando de 8,2 bilhões de litros para 13,4 bilhões, ao ano.
O consumo dessas bebidas não é restrito a pessoas de maior poder aquisitivo, como alguns devem pensar. Para o produtor artesanal de Cuiabá Juan Pagnussat, há uma escolha que deve ser feita, mesmo que seus custos sejam um pouco maiores na comparação com marcas tradicionais e populares. Ele explica que a qualidade maior do produto exige também outro tipo de comportamento, de experimentar as sensações e sabores únicos que essas cervejas especiais podem proporcionar.
“A escolha deve ser pela qualidade. Eventualmente, podemos consumir três cervejas artesanais a dez cervejas populares. É possível adquirir uma garrafa dessas bebidas por um preço que varia, em média, entre R$ 10 e R$ 15. É um custo que podemos administrar”, diz ele.
Cuiabá, uma das capitais mais quentes do país, não faz feio quando o assunto é cerveja artesanal. Criada pelos jornalistas Anselmo Carvalho Pinto e Rodrigo Vargas, a Benedita Furrundu Stout, cerveja artesanal genuinamente cuiabana, foi agraciada com a medalha de bronze no Concurso Brasileiro de Cervejas, realizado em 9 de março no município de Blumenau (SC). A competição reúne os melhores produtores do país e faz parte do Festival Brasileiro de Cerveja, considerado o principal evento nacional do ramo.
Anselmo comemora a conquista. Os dois colegas iniciaram a produção para consumo próprio em 2012, pois sempre discutiram a possibilidade de produzir a própria cerveja. Há pouco mais de um mês no mercado, o jornalista cervejeiro, que batizou a bebida em homenagem a São Benedito, afirma que a recepção do público, que pode encontrar a Benedita nas principais cidades do Estado, está muito boa.
“Vamos vender em um mês e meio o que esperávamos vender em seis meses”.
Uma cerveja artesanal numa tarde cuiabana
Segunda-feira brava em Cuiabá. Trinta graus de temperatura que se transformaram em quarenta com a falta de vento e chuva, e duas pautas para cobrir debaixo do sol fustigante de Mato Grosso. A caminho do apartamento de Juan Pagnussat, cervejeiro artesanal que reside na capital, aproveito os últimos momento do ar-condicionado do carro da empresa até chegar à portaria do prédio.
Toco a campainha e me protejo como posso na sombra minguada que a guarita consegue oferecer. Logo que minha entrada é autorizada, aciono o elevador agradecendo a trégua que terei do sol e subo até a residência de Juan, que me recebe à porta.
O rapaz de 26 anos, farmacêutico e estudante de medicina, é um tipo boa-praça. Humilde e solicito, responde pacientemente a todas as perguntas, demonstrando um vasto conhecimento acerca de produção, ingredientes, tipos de cerveja, receitas e tudo mais que possa se relacionar com o assunto. Anoto rapidamente em meu caderno as palavras e jargões utilizados pelo microprodutor.
Mas o calor era implacável, e nem mesmo o décimo primeiro andar do apartamento era páreo ao clima, abandonado até pela brisa. Eis que Juan, anfitrião cujo lema é “cerveja é um importante componente social, feita para celebrar”, me oferece a bebida.
Meio sem jeito, aceito a cerveja artesanal: “Visita não faz desfeita”, disse minha mãe uns 20 anos atrás.
Depois de sair por uns instantes, o mestre cervejeiro retorna com uma Black Rye Ipa, cerveja amarga e escura, feita de centeio. “O correto é colocar aos poucos, sem movimentos bruscos”, disse ele, e o líquido parecia deslizar do recipiente para o copo como um mel escorrido direto do favo, um néctar que espanta até mesmo o calor cuiabano.
Sentindo a explosão de sabores na minha boca – cevada, malte, chocolate, o que mais? –, a cerveja desce na garganta como um elixir que revigora o cansaço provocado pelo sol que antecede a chuva. Até uma segunda-feira pode ter seu charme secreto.