Por Isabela Nascimento Edição Geórgia Gava
Encontradas dentro do Geoparque Mundial da Unesco, paleotocas cavadas por animais gigantes chegam até 340 metros de extensão
Cavernas em SC guardam rastros de preguiças e tatus gigantes – Foto: Arquivo/Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul/ND
Registros de preguiças e tatus gigantes, extintos há mais de 10 mil anos, podem ser encontrados em cavernas de pequenas cidades do Sul de Santa Catarina. Chamadas de paleotocas, mais de 40 estruturas escavadas por essa megafauna já foram identificadas na região.
Interconectadas entre si por meio de salões ou formadas por túneis isolados, a preservação desses icnofósseis é resultado da bioerosão causada por mamíferos gigantes que habitaram a Terra entre duas épocas geológicas: o Plioceno (5,33 a 2,58 milhões de anos atrás) e o Pleistoceno (2,58 milhões a 11,7 mil anos atrás).
Cavernas em SC de 10 mil anos atrás possuem extensão de 340 metros
“Quando falamos de fósseis, nos referimos a registros diretos, como ossadas, carcaças ou cartilagens. Quando não há mais o registro primário, mas temos evidências da passagem desses animais, como uma pegada, um túnel, uma estrutura de escavação, chamamos de icnofósseis”, explica o geólogo do Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul, Gustavo Simão.
Segundo ele, essas tocas podem ser localizadas no solo ou em rochas brandas, com diâmetros variando de 0,7 a 4 metros. “Alguns desses túneis encontrados no Sul do estado já alcançaram a extensão de 340 metros”, relata o especialista.
Algumas cavernas em SC, de 10 mil anos atrás, possuem extensão de 340 metros – Foto: Arquivo/Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul/ND
Tocas serviam de moradias para povos indígenas
No território do Geoparque Mundial da UNESCO — que abrange sete municípios — há registros da existência de paleotocas em cinco cidades: Morro Grande, Timbé do Sul, Jacinto Machado, Praia Grande e, nos Campos de Cima da Serra, em Cambará do Sul.
Simão afirma que muitas dessas estruturas já eram conhecidas há muito tempo pela população local, mas a compreensão sobre sua origem só foi alcançada recentemente, no início dos anos 2000.
“Antes, muitos acreditavam que os túneis haviam sido escavados por povos indígenas. Hoje, sabemos que algumas dessas estruturas foram reutilizadas por eles após a extinção dos animais escavadores, pois há registros de inscrições e desenhos nas paredes, indicando que serviram como abrigo temporário ou permanente”, explica.
Fósseis de mega animais já foram encontrados próximo à região
Atualmente, não há registros diretos sobre quais espécies construíram os abrigos, devido à ausência de fósseis no interior das paleotocas. “Não é um ambiente favorável à preservação de ossadas, pois estão situadas em áreas mais altas, elevadas e secas”, destaca o geólogo.
Apesar disso, alguns fósseis desses animais pré-históricos já foram encontrados próximos dessas regiões, como na planície litorânea, dentro de lagos e em áreas costeiras.
“Não há dúvida de que esses túneis foram feitos por animais da megafauna extinta. Existe uma série de evidências científicas que sustentam essa certeza. A identificação das paleotocas, por exemplo, é feita com base nas dimensões, nas características e nas marcas de escavação — como marcas de unhas nas paredes e no formato do túnel”, ressalta o profissional.
Preguiças-gigantes tinham tamanho de elefantes, afirma especialista
Os animais responsáveis por essas estruturas são conhecidos pelos pesquisadores como preguiças-gigantes e tatus gigantes. Essas espécies fazem parte da antiga megafauna — um conjunto de animais que viveu durante a última Era do Gelo e possuía porte semelhante ou superior ao do ser humano.
“As preguiças-gigantes tinham o tamanho de um elefante e podiam chegar a até 5 metros de altura. Já os tatus gigantes, como o Propraopus, podiam medir cerca de 1,5 metro de altura — praticamente o tamanho de um Fusca”, conta Simão.
Cavernas em SC foram escavadas por animais gigantes – Foto: Divulgação/Gustavo Simão/ND
Surgimento da Mata Atlântica ocasionou a extinção das espécies
O clima frio e seco da era pré-histórica no Sul de Santa Catarina, com vegetação aberta semelhante à das savanas, foi propício para o desenvolvimento dessas espécies. “A Mata Atlântica, como conhecemos hoje, é recente, tem cerca de 11 mil anos, e surgiu após a última glaciação. O fim da Era do Gelo trouxe mudanças climáticas significativas”, explica o geólogo.
Ainda segundo ele, a vegetação densa dificultou o deslocamento e o acesso a alimentos por parte desses animais de grande porte, o que levou à queda populacional e, consequentemente, à extinção.
Surgimento da Mata Atlântica ao redor das cavernas em SC ocasionou a extinção das espécies – Foto: Arquivo/Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul/ND
Paleotocas estão abertas à visitação
Os túneis localizados dentro dos limites do Geoparque têm grande relevância para a população local. Presentes em aspectos culturais e religiosos, as paleotocas atraem milhares de visitantes para a região Sul ao longo do ano.
“Quando falamos de geossítios do Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul, falamos de evidências visitáveis. Esses locais têm grande valor pedagógico, servem ao turismo educacional e também geram impacto econômico para as comunidades, ao atrair turistas interessados nesses registros”, destaca o geólogo.
Atualmente, três paleotocas estão abertas à visitação dentro do Geoparque Mundial da UNESCO Caminhos dos Cânions do Sul. São elas:
- Portal do Palmiro, em Cambará do Sul;
- Paleotoca das Três Barras, em Morro Grande;
- Paleotoca do Engenho Velho, em Jacinto Machado.
As visitas às cavernas precisam ser agendadas com guias turísticos credenciados, por questões de segurança.
Aos interessados, mais informações estão disponíveis no site do Geoparque ou nas páginas oficiais dos municípios, nas abas de turismo.
Foto Capa: Arquivo/Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul/ND
Fonte: https://ndmais.com.br