Segundo o Ministério das Relações Exteriores, 90 brasileiros foram detidos só em 2015 nas Bahamas ao tentar chegar à costa dos Estados Unidos sem a documentação adequada.
Não foram divulgados detalhes sobre as circunstâncias em que eles foram detidos, mas sabe-se que eles tentavam entrar ilegalmente nos EUA.
O número – divulgado após uma consulta da BBC Brasil – já supera o total de detenções em todo o ano passado (80).
País arquipélago a 80 quilômetros do litoral da Flórida, as Bahamas são um popular destino turístico no mar caribenho.
O ministério diz que a maior parte dos detidos tentava alcançar os Estados Unidos em navios turísticos.
Segundo especialistas em assuntos migratórios, os detidos podem ter tido a entrada negada nos Estados Unidos e sido entregues a autoridades das Bahamas ou, se viajavam em barcos independentes, interceptados no meio do caminho e obrigados a voltar ao arquipélago. Alguns podem ainda ter sido detidos antes de embarcar, se as autoridades suspeitavam que planejavam chegar ilegalmente à Flórida.
Também não há dados sobre brasileiros que conseguiram entrar ilegalmente no país com essas embarcações.
O governo brasileiro estima que 1,2 milhão de brasileiros morem nos Estados Unidos, 730 mil dos quais irregularmente. A maioria ingressou no país de avião, com vistos de turistas, ou atravessando a fronteira com o México.
Riscos e desinformação
O desânimo sobre a situação no Brasil e a falta de informações sobre os riscos da travessia marítima estão por trás do aumento nas tentativas de migração pelo mar, diz o advogado brasileiro Alexandre Piquet, que atende imigrantes na Flórida há 16 anos.
Segundo ele, pequenos grupos de brasileiros têm migrado aos Estados Unidos em embarcações que partem das Bahamas há muito tempo, mas desde o fim do ano passado o fluxo se intensificou.
"O pessoal acha que, como os navios são turísticos, o controle migratório é mais frouxo e eles não correm riscos de serem barrados."
Segundo Piquet, a rota é usada por dois tipos de passageiros. Um é composto por pessoas que viajam de avião até as Bahamas e, de lá, tentam chegar aos Estados Unidos em navios ou barcos clandestinos. As Bahamas não exigem vistos de brasileiros para viagens de turismo de até 15 dias.
O outro grupo é formado por brasileiros que já estão nos Estados Unidos com vistos de turista e viajam às Bahamas em cruzeiros achando que, ao regressar, terão o prazo de permanência renovado.
Segundo o advogado, quando notam que o passageiro deixou os Estados Unidos apenas para renovar o prazo de estadia, os agentes migratórios podem rejeitar a entrada e ordenar que ele seja devolvido ao ponto de embarque.
No caso dos que partem das Bahamas, eles têm de voltar ao arquipélago e, de lá, são obrigados a retornar ao Brasil.
Em outros casos, os migrantes podem ficar detidos nos Estados Unidos e deportados por ordem de um juiz de imigração.
A agência americana de alfândega e proteção de fronteiras diz que 25 brasileiros foram detidos no litoral sul da Flórida no atual ano fiscal, que vai de outubro de 2014 a 30 de setembro de 2015.
O dado, que contabiliza casos de brasileiros que chegaram a entrar em território americano até o fim de junho, já iguala o total de detenções em todo o ano fiscal de 2014.
Em 2012, houve 22 detenções de brasileiros e, em 2013, 20.
O número de detenções de pessoas de todas as nacionalidades também está em alta: passou de 4.478, em 2012, a 6.588, em 2014. A agência não diz quantos dos detidos viajavam em cruzeiros e quantos estavam em barcos clandestinos.
Responsabilidade das empresas
Carey Davis, diretor da agência americana de alfândega e proteção de fronteiras, afirma que cabe às empresas que operam os cruzeiros impedir que passageiros sem documentos embarquem para os Estados Unidos.
A legislação americana prevê multa de US$ 3.300 (R$ 11 mil) às companhias por cada passageiro embarcado que não cumpra os requisitos para entrar no país.
Segundo Davis, autoridades migratórias americanas checam os documentos de todos os passageiros no porto de chegada.
Dois brasileiros que viajaram em cruzeiros das Bahamas a Miami nos últimos anos, porém, disseram à BBC Brasil que só tiveram os documentos checados por funcionários do próprio navio, ainda nas Bahamas.
A BBC Brasil questionou três das principais empresas que operam rotas entre a Flórida e o arquipélago – a Royal Caribbean, a Carnival e a Disney Cruise Lines – sobre o que faziam para evitar que passageiros usassem seus navios para migrar ilegalmente aos Estados Unidos.
Apesar de repetidas cobranças por e-mail e telefone, nenhuma delas respondeu os questionamentos. Procurado, o governo das Bahamas tampouco se expressou sobre a detenção de brasileiros.
Falhas de segurança
Há relatos antigos sobre o uso de navios de cruzeiro por pessoas que buscavam migrar aos Estados Unidos.
Em 1994, uma reportagem do The New York Times denunciou falhas no controle migratório nessas embarcações.
"Para imigrantes ilegais, entrar nos Estados Unidos pode ser tão simples quanto se agarrar às escadas de um navio de cruzeiro nas Bahamas e descer no sul da Flórida algumas horas depois – sem nem mostrar qualquer prova de cidadania ou trocar uma só palavra com um inspetor da imigração", dizia a reportagem.
Há ainda relatos de brasileiros detidos ao tentar viajar das Bahamas aos Estados Unidos em barcos clandestinos, um dos principais métodos usados por cubanos que migram ao país.
Em 2012, uma embarcação que levava 15 brasileiros para a Flórida foi interceptada e obrigada a retornar a Nassau, capital das Bahamas. O grupo foi deportado para o Brasil.
Também há registros de brasileiros mortos em naufrágios no trajeto.
Fuga de cérebros
O advogado Alexandre Piquet diz que, desde novembro de 2014, seu escritório em Miami têm atendido um grande número de brasileiros que desejam migrar legalmente aos Estados Unidos. O aumento coincidiu com a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
"Existe um sentimento generalizado de frustração e de descrença nas instituições", diz. "São pessoas que jogaram a toalha e não veem a luz no fim do túnel".
Piquet aponta uma diferença entre o fluxo atual de migrantes e o que chama de "grande êxodo da década de 1990".
"Antes vinha uma mão de obra menos qualificada, gente que chegava para ralar na construção civil, construir a vida do zero. Agora vêm profissionais liberais com grande qualificação, pessoas com nível superior, empresários."
Segundo Piquet, "o Brasil está perdendo talentos" para um país que sabe recebê-los.
"São pessoas competentes e honestas que vão usar sua força e sucesso em outro país. Será um grande rombo para o Brasil".
Fonte: BBC BRASIL