O ano de 2017 deve ser igualmente ruim ou ainda mais complicado para as negociações salariais das diversas categorias de trabalhadores do que 2016, que já é o pior ano para os reajustes desde 2002, inclusive para os sindicatos mais fortes.
Após um ano marcado por reajustes abaixo da inflação, a avaliação dos economistas e até mesmo das categorias consultadas pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, é de que no ano que vem os acordos salariais serão mais uma vez dificultados pelo ambiente econômico recessivo.
Além disso, há a expectativa de pico do desemprego e da continuidade da crise política e institucional. Diante desse cenário complicado, algumas categorias já se anteciparam e fecharam acordos neste ano que contemplassem a recomposição salarial em 2017, sem aumento real na renda.
"O desemprego atingirá o ápice em março, com 12,7%, mas essa projeção pode ser pior, uma vez que os dados fracos de atividade podem atrasar ainda mais a retomada da economia. Além disso, a crise política alimenta a crise econômica, fazendo com que a recuperação seja mais lenta do que a esperada, o que também atrasa a retomada do emprego", resumiu o analista econômico da RC Consultores Everton Carneiro.
Em 2016, ano em que a taxa de desemprego alcançou os dois dígitos pela primeira vez na série histórica iniciada em 2012 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (Pnad – Contínua), a parcela de reajustes abaixo da inflação atingiu 50% das negociações no acumulado do ano até outubro. O dado é do projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que também mostra que, em outubro de 2015, essa proporção estava em 20% e, no mesmo mês de 2014, a fatia era de cerca de 5%.
Em 2016, até mesmo os bancários, que têm um sindicato forte, tiveram os salários achatados pela primeira vez desde 2004, sem nem mesmo conseguir repor a inflação. Após 31 dias de greve, no início de outubro, a categoria aceitou a proposta de reajuste de 8% nos vencimentos em 2016. Neste período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC-IBGE), que é o indicador de inflação usado como base para os reajustes salariais, alcançou 9,2%.
"Desde 2004, tínhamos reposição salarial e reajuste real. A campanha de 2016 foi a mais difícil que eu já enfrentei na minha vida de sindicalista. E, em 2017, esse cenário ruim vai se intensificar, porque a recessão deve continuar, assim como a crise política e institucional. E, no nosso caso, ainda tem a questão tecnológica", disse o presidente da Confederação Nacional de Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-Cut), Roberto Von der Osten.
A negociação salarial de 2016 dos petroleiros ainda não foi finalizada e talvez se arraste até o ano que vem, quando normalmente é fechada até novembro. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) está pleiteando a reposição da inflação no período e ganho real de 5%. Mas a Petrobras propôs reajuste de 6% no fechamento do acordo e de mais 2,98% em fevereiro, com retroativo apenas sobre a primeira parcela. "A avaliação que fazemos é que é muito difícil aprovar o nosso pleito, nenhuma categoria conseguiu esse aumento real ao longo do ano", disse o coordenador geral da FUP, José Maria Rangel.
De acordo com o Balanço das Negociações dos Reajustes Salariais do 1º semestre de 2016 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), apenas 24% das unidades de negociação analisadas conquistaram ganhos reais nos salários, sendo que somente 0,7% dos reajustes reais foram acima de 1%.
Projeções. Para 2017, a expectativa do DIEESE também não é otimista. "O mais certo é que a economia não se recupere em 2017. E, mesmo que o PIB cresça 1%, será sobre uma base deprimida. E ainda tem toda incerteza em relação ao governo que pode deteriorar esse quadro. Assim, é difícil imaginar reajustes acima da inflação em 2017", afirmou José Silvestre, diretor de relações sindicais do DIEESE.
Com as recentes revisões de expectativas para o PIB – mercado já prevê dado abaixo de 1% -, o Bradesco também já vê atraso na retomada do emprego. Em relatório recente, o banco mudou sua projeção para taxa de desemprego média em 2017 de 12,50% para 12,90%. Até outubro, a taxa estava em 11,80%, com cerca de 12 milhões de brasileiros desempregados, segundo a Pnad Contínua.
Nem mesmo a inflação mais baixa deve impedir o ano ruim para as negociações salariais. Para o economista e coordenador do projeto Salariômetro, Hélio Zylberstajn, a inflação menor vai ser anulada pelo desemprego maior e a recessão ainda alta. O INPC fechou 2015 em 11,28% e deve terminar este ano cerca de 4 pontos porcentuais abaixo, próximo dos 7%, segundo Zylberstajn. Até novembro, o INPC acumulava alta em 12 meses de 7,39%.
"A inflação alta em 2016 foi outro complicador para os acordos salariais, se já é difícil de repor inflação alta em um período normal, na recessão é pior ainda. Mas, mesmo com a expectativa de inflação em níveis bem menores no ano que vem, deve continuar difícil para os trabalhadores conseguirem reajuste real, porque em um cenário de desemprego alto as categorias vão preferir a manutenção dos postos de trabalho", disse Zylberstajn.
Nem mesmo as categorias estão confiantes em conquistar aumentos reais nos vencimentos no ano que vem, conforme José Maria Rangel, da FUP. "O ano que vem será pior. Terá arrocho salarial brutal, cenário recessivo e desemprego nas alturas. Será um ano de muitas greves."
Algumas categorias, como os bancários e os metalúrgicos do ABC paulista, já acomodaram nas negociações salariais de 2016, os acordos para o ano seguinte. Os bancários garantiram reajuste pelo INPC de 2017. Já a preocupação principal dos metalúrgicos é garantir a estabilidade do emprego, por isso, os acordos assinados com as montadoras protegem as vagas até pelo menos dezembro de 2017, explicou o Wagner Santana, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
"Ninguém sabe como será 2017 para o setor automotivo, por isso, as negociações salariais tiveram como objetivo nos permitir atravessar os próximos 12 meses", disse Santana ao afirmar que todos os acordos preveem um volume mínimo de produção.
Carneiro, da RC Consultores, no entanto, vê dois cenários diferentes para os reajustes no ano que vem. "As categorias que têm data-base no início do ano, dificilmente conseguirão reajustes reais, mas à medida que a virada econômica aconteça, o cenário começa a ficar melhor", disse ao estimar 1% para o PIB de 2017.
Hélio Zylberstajn ponderou que talvez os cortes mais agressivos da Selic capitaneados pelo Banco Central e a aprovação da reforma da Previdência podem dar novo fôlego ao crescimento, pois muda a percepção do empresário e destrava investimentos. Ainda assim, reforçou: "2017 deve ser o pior ano para o desemprego, então seguramente continuará difícil para os reajustes salariais", disse.
Fonte: Estadão