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Ajuste fiscal: O remédio pode matar o doente?

Para 2015, a meta foi reduzida de 1,1% para 0,15% do PIB – o que significa que, em vez de economizar R$ 66,3 bilhões, o governo deve economizar apenas R$ 8,7 bilhões este ano.

Além disso, a equipe econômica também anunciou cortes de gastos de R$ 8,6 bilhões e já alertou que o setor público pode até ter um déficit de R$ 17,7 bilhões (0,3% do PIB) se iniciativas como o projeto para a repatriação de recursos de brasileiros no exterior não renderem os recursos esperados.

Segundo os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, a revisão teve de ser feita principalmente porque a desaceleração da economia derrubou a arrecadação do governo. Ou seja, com a economia em dificuldade, empresas e pessoas físicas acabaram pagando menos impostos.

O problema reabriu o debate sobre o ajuste fiscal no Brasil.
Para alguns, um ajuste muito duro pode empurrar o país para uma ciclo vicioso em que os cortes causam recessão, que acaba por estimular mais cortes.

Outros, acreditam que sem um ajuste contundente, o país tende a perder a confiança dos investidores.

Mas, afinal, quando o tema é ajuste fiscal, o remédio pode matar o doente? Confira duas visões opostas sobre o tema:

SIM
André Biancarelli, professor de Economia da Unicamp
"O ajuste está sendo feito para recuperar as contas e reduzir o tamanho da dívida pública. O problema é que um ajuste fiscal muito duro em uma economia em recessão costuma ter como resultado uma redução ainda maior da atividade produtiva – principalmente se houver corte no investimento do setor público, como é o caso do Brasil.

Se a economia desacelera, as empresas e contribuintes pagam menos imposto, a arrecadação cai e você não só não consegue retomar o crescimento como ainda acaba com uma dívida ainda maior do que quando começou a fazer o ajuste. Ou seja, no final acaba 'enxugando gelo', como mostra a experiência recente de países europeus.

É claro que não dá para culpar apenas o corte no orçamento pela freada recente na economia e (pela) a queda na arrecadação que contribuiu para que o governo tivesse de revisar suas metas para o superávit primário nesta quarta-feira. Há a crise política, a Lava Jato e etc. Mas também não há como negar que os cortes pioraram a situação, que são pró-cíclicos.

A revisão dessas metas, na realidade, é um reconhecimento do governo de que o ajuste precisava ser mais gradual.

A atual gestão cometeu ao menos três erros no ajuste. O primeiro, foi não ter adotado esse gradualismo desde o começo, com metas menos ambiciosas, mais realistas para um contexto de economia estagnada. O segundo, ter demorado para começar a discutir medidas para aumentar a arrecadação, como esse projeto de repatriação de recursos de brasileiros no exterior. Um imposto sobre herança ou sobre grandes fortunas também poderia ser interessante.

Por último, o governo poderia ter evitado cortar investimentos. Eles são as primeiras vítimas da tesoura porque são discricionários e boa parte das despesas são engessadas, mas era preciso ter encontrado formas de preservá-los, ou mesmo ampliá-los.

Para sair da crise o ideal seria que o governo desse sinais de que irá agir na contramão do atual ciclo econômico, que irá tomar medidas que ajudem a destravar a economia. O programa de concessões é um exemplo do que pode ser feito, mas seria preciso estudar outras medidas."

NÃO
João Luiz Mascolo, Professor de Finanças do Insper
"O que está matando o doente, na realidade, é a falta de remédio. Para manter a dívida pública estável precisávamos de um superávit de, no mínimo 2,5% do PIB. O 1,1% que o governo prometia fazer já era pouco mas o atual 0,15% é insignificante. Não é ajuste, é desajuste.

A questão é que a falta de confiança dos investidores é hoje um dos principais problemas da economia brasileira e isso só pode ser resolvido com um ajuste fiscal duro e sério.

Os cortes nos investimentos do governo de fato podem ter um efeito negativo na economia. Mas o argumento de que tal efeito é suficiente para minar o ajuste é uma falácia porque, com o tempo, ele pode ser compensado por um aumento do investimento privado, que certamente ocorrerá se o país conseguir trazer a inflação para o centro da meta (estabelecida pelo Banco Central, de 4,5%), colocar em dia as contas públicas e reconquistar a confiança dos empresários.

Sem um ajuste sério, corremos o risco de ter nossa nota rebaixada pelas agências de classificação de risco internacionais, perder acesso a mercados de crédito e investimentos – o que pode complicar ainda mais a situação da economia brasileira.

Nessa linha, acredito que o governo errou ao revisar sua meta fiscal, de 1,1% para 0,15% porque perdeu credibilidade.

Se houve uma revisão de meta dessa magnitude em questão de meses, por que os investidores vão acreditar que as atuais metas serão cumpridas? O governo agora promete 2% de superávit em 2018, por exemplo. Em ano de eleição? Acho difícil acreditar que isso será alcançado.

O ideal seria que a equipe econômica mantivesse o comprometimento com a meta antiga e fizesse um esforço fiscal maior para poder alcançá-la. Se você não tem receita, precisa cortar mais as despesas. É claro que não é fácil fazer isso, mas muitas das despesas obrigatórias poderiam ser revisadas, por exemplo. E se o problema é que a lei não permite mexer nesses gastos, precisamos mudar a lei".

Fonte: BBC BRASIL

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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