Economia

‘Acabou a recessão, mas solte bombinha, não um foguete’, diz economista

O avanço de 0,2% no PIB no segundo trimestre marca que o Brasil saiu, depois de dois anos e meio, da chamada recessão econômica. No entanto, segundo o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, “não é para sair comemorando como se o País tivesse conquistado a Copa do Mundo”.

Para o economista, membro do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV – que estabeleceu oficialmente o início da crise econômica no segundo trimestre de 2014 –, a alta do consumo das famílias sinaliza uma retomada consistente, mas as incertezas políticas e o agravamento das contas públicas travam o avanço dos investimentos, ainda em queda. A seguir, os principais trechos da entrevista.

São dois semestres consecutivos de crescimento, que é o critério adotado. Isso, do meu ponto de vista, marca o fim daquela recessão que se iniciou em 2014. Não estamos mais em recessão. Além disso, existem sinais de que esse crescimento, apesar de pequeno, é consistente.

Por quê?

Do ponto de vista da demanda agregada, houve um crescimento importante do consumo das famílias, além de alta no setor de serviços. A queda de taxa de juros em termos reais estimula o consumo. A segunda razão é a melhora na situação do emprego: há uma redução da taxa de desemprego e um aumento da população ocupada, embora esse aumento não venha do mercado formal. O que está subindo é a população ocupada sem carteira, indicando que o mercado ficou mais precário – o que significa que isso ajuda o consumo, mas ajuda menos do que se não houvesse a precarização do mercado. Além disso, há o início de aumento de novas concessões de crédito às famílias, o que também impulsiona o consumo. Portanto, esse crescimento não é episódico.

++ Entenda o que é o PIB

Já os investimentos permanecem em queda…

A formação bruta de capital fixo, que é fundamental para o crescimento econômico sustentável, ainda caiu no segundo trimestre. As informações vindas de todos os outros indicadores da economia mostram que, quando os investimentos se recuperarem, vão se recuperar muito devagar – mesmo com a queda da taxa de juros. Isso porque a economia tem muitas incertezas ainda, como as de natureza política sobre a aprovação de reforma da Previdência e de outras reformas que são fundamentais para o crescimento econômico. Diante disso, seria uma ilusão pensar que o investimento em capital fixo voltaria mais forte. É possível que haja uma pequena recuperação na segunda metade desse ano, mas os indicadores disponíveis até agora não são otimistas.

Qual o impacto de ter uma recuperação calcada no consumo e não no investimento?

De fato há uma recuperação, acabou a recessão – só que as perspectivas não são de um crescimento acelerado. Do lado da demanda, só o consumo está avançando. Isso significa que, em vez de soltar foguete porque acabou a recessão, é bom soltar uma bombinha. Não é para sair comemorando como se o Brasil tivesse conquistado a Copa do Mundo.

A indústria ficou no vermelho mais uma vez. Quando o setor vai voltar a crescer?

O resultado da indústria não foi bom. Isso também não é novidade, porque os dados da produção industrial bruta do IBGE já vinham mostrando um crescimento muito pequeno e muito concentrado na produção de veículos – que em grande parte vem do aumento das exportações para a Argentina – e na produção extrativa mineral. Os outros segmentos ainda estão andando de lado. Porém, eu diria que, com o juro real mais baixo, devemos ver essa produção industrial lentamente começar a reagir – mas é uma reação lenta. No próximo trimestre podemos até ter um crescimento, mas não é um crescimento forte, não.

++ Confiança da indústria sobe 1,4 ponto em agosto ante julho, para 92,2 pontos

Após a divulgação, muitas instituições revisaram as projeções de PIB para 2017. Na sua avaliação, o dado foi suficiente para essa mudança de patamar?

Tínhamos até ontem de manhã uma projeção de crescimento de 0,5% pra este ano. Com o resultado do segundo trimestre, só o carry over (espécie de herança estatística) para o resto do ano já dá 0,5%. Ou seja: se crescer qualquer coisa no terceiro e no quarto, a alta já será maior que 0,5%. Portanto, concordo com a ideia de que a ideia de que a projeção do crescimento de 2017 melhorou depois desse dado.

Parte do mercado já fala em alta de até 1%. Porém, ainda há incertezas políticas e agrava-se a situação fiscal. Como esse imbróglio afetará o resultado?

O problema não é a avaliação da economia; é o que pode acontecer no campo político. O Brasil tem um problema fiscal muito grave. Para começar a colocar toda a casa em ordem, é preciso trocar o crescimento de uma despesa que é muito grande nos gastos primários do governo: os benefícios da Previdência. Precisamos de uma reforma da Previdência, sendo que o ponto-chave é a fixação da idade mínima. Porém, tenho a impressão de que aprovar hoje no Congresso uma idade mínima ou uma reforma que dê segurança de que estamos prosseguindo no ajuste fiscal é muito difícil. A probabilidade é muito pequena, próxima de zero. Se a reforma não for aprovada, essas dúvidas terão de ser respondidas no próximo governo. Agora, coloque-se na situação de empresários que estão decidindo se vão fazer investimentos, para os quais precisam de um cenário econômico à frente com poucos riscos. Quando eles se deparam com esse tipo de dúvida e veem baixa probabilidade de as reformas passarem, isso interfere na decisão de investir em capital fixo.

Para além da dívida de longo prazo, o governo tem encontrado dificuldade para fechar as contas deste ano e do próximo. O sr. acredita que as novas metas fiscais serão cumpridas?

O problema de longo prazo do País só se resolve com a reforma da Previdência. O segundo problema é a meta do déficit. O governo precisa de receita – e não tem. Segurou a despesa, perdeu arrecadação por causa da recessão e continua lutando no curto prazo com tentativa de obtenção de receita. Não será fácil cumprir a meta de rombo de 159 bilhões, nem neste ano e nem no próximo, já que a recuperação da atividade econômica será pequena. Talvez em 2018 seja até mais difícil. O governo anunciou um monte de medidas que precisa aprovar para cumprir a meta, dentre as quais o congelamento dos funcionários públicos – o que é um atestado da dificuldade que vem pela frente.

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Economia

Projeto estabelece teto para pagamento de dívida previdenciária

Em 2005, a Lei 11.196/05, que estabeleceu condições especiais (isenção de multas e redução de 50% dos juros de mora)
Economia

Representação Brasileira vota criação do Banco do Sul

Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além do Brasil, assinaram o Convênio Constitutivo do Banco do Sul em 26