Nesta segunda-feira (03), a urna eletrônica completou 20 anos da primeira vez em que foi utilizada nas eleições municipais de 3 de outubro de 1996. A partir daí os eleitores das capitais e dos municípios com mais de 200 mil eleitores puderam escolher seus representantes por esse moderno sistema de votação.
O primeiro protótipo do equipamento foi desenvolvido no início dos anos 90 pela equipe técnica do Tribunal Regional de Mato Grosso (TRE-MT) já com o objetivo de combater as fraudes na votação e na apuração, que de acordo com o Tribunal, ocorriam intensamente naquela época.
Segundo o TRE, a projeto foi liderado pelo servidor Luiz Roberto da Fonseca que buscava “transformar a vontade do eleitor manifestada livremente na urna em verdade eleitoral”, mas alcançou objetivos ainda maiores, o “sufrágio universal”, ou seja, o direito do voto. Os eleitores com deficiência e baixa escolaridade puderam pela primeira vez ter a certeza de que o candidato escolhido receberia seu voto.
A urna eletrônica e seus avanços tecnológicos e culturais permitiram que esses e todos os demais cidadãos conseguissem votar com muito mais facilidade. Por exemplo, para os não alfabetizados, eles conseguem ter a certeza que estão votando no seu candidato através da confirmação visual por meio da fotografia que é mostrada. O deficiente visual tem a na urna a existência do código braile na identificação da tecla.
O equipamento eletrônico também permite aos cegos ou pessoas com baixa visão a instalação de um fone de ouvido para que o usuário possa ouvir o número que consta das teclas, facilitando a certeza de que o candidato foi escolhido corretamente. No final fica a garantia de que a urna eletrônica possibilitou o exercício da cidadania a esses importantes grupos de eleitores.
Dados estatísticos
Muitas dessas pessoas que tinham dificuldade de votar antes do surgimento da urna eletrônica compareciam até a mesa receptora de votos e entregavam o voto em branco ou tentavam votar e tinham a infelicidade de ter seu voto anulado pela dificuldade na identificação de sua vontade que era expressa por meio da escrita.
Essa triste realidade pode facilmente ser verificada num simples comparativo entre os votos brancos e nulos para o cargo de deputado federal nas eleições de 1994 (última eleição antes do advento da urna eletrônica) e 2014 (última eleição para o mesmo cargo).
Em Mato Grosso no ano de 1994 foram contabilizados 17,67% de votos brancos e 26,57% de votos nulos totalizando 44,24% de votos não aproveitados para candidatos ou partidos, enquanto que em 2014 esses números caíram para 8,74% e 5,03% respectivamente representando 13,77% do total de votos, o que significa uma redução de 30,47%.
Assim, se ainda utilizássemos em 2014 o sistema de votação por cédulas de papel teríamos 666.785 eleitores que deixariam de ter seus votos contabilizados como válidos, além dos 147.354 que o fizeram para o cargo de deputado federal, ou seja, mais de 800 mil votos simplesmente seriam desprezados.
O caso Dante de Oliveira em 1990
Anteriormente a edição da Lei nº 9.504, no ano de 1997, os votos brancos eram contabilizados como votos válidos para fins de cálculo do quociente eleitoral e, pelas dificuldades de votação, esse tipo de voto representava um grande quantitativo nas eleições proporcionais, onde o voto devia ser escrito, aumentando de forma substancial o quociente eleitoral, que é quantidade mínima de votos que um partido ou coligação deve alcançar para eleger ao menos um representante para o cargo de deputado federal, deputado estadual ou vereador.
Desse modo, nas eleições de 1990 em Mato Grosso ocorreu o absurdo do candidato mais votado para o cargo de deputado federal – Dante de Oliveira – não ter sido eleito porque sua coligação não alcançou o quociente eleitoral. Aliás, naquela eleição, apenas uma coligação alcançou esse patamar e, portanto, elegeu todos os 8 deputados federais.
Os números demonstram que se naquelas eleições a votação ocorresse por meio da urna eletrônica o candidato Dante de Oliveira teria sido eleito, mesmo os votos brancos sendo contabilizados como válidos.
Como era o voto dos eleitores com deficiência visual antes das urnas eletrônicas?
Antes do surgimento da urna eletrônica, as pessoas cegas podiam votar de duas maneiras: em tinta ou em braille (apenas nas poucas seções preparadas). Para votar em tinta, o eleitor cego colocava a cédula dentro de um gabarito, que nada mais era do que uma capinha de cartolina com alguns buracos, que deixavam descobertas exatamente as partes da cédula onde o eleitor deveria escrever. Por exemplo, numa eleição para prefeito e vereador, como esta, uma parte da cédula teria todos os nomes e números dos candidatos a prefeito, cada um com um quadradinho na frente, como numa múltipla escolha. O gabarito para votar em tinta tinha os nomes em braille e um buraco em cada quadradinho, para o eleitor colocar o X no lugar certo do candidato. Na outra parte da cédula, o gabarito tinha uma janelinha retangular, exatamente na linha onde o eleitor deveria escrever o número do candidato a vereador.
Os problemas eram vários. Muitas seções não recebiam os gabaritos e muitas pessoas cegas não conseguiam pegá-los antecipadamente em alguma escola ou instituição da sua cidade. As vezes, no caminho da mesa até a cabine, a cédula saía de dentro do gabarito, obrigando o eleitor a voltar à mesa, para que alguém a recolocasse no lugar certo. Ou então, após exercer o seu voto, o pobre do eleitor era acometido por uma angústia atroz, em relação à fidelidade da caneta que estivera usando…
Para as pessoas cegas que não sabiam escrever os algarismos com uma caneta, existia o voto em braille, desde que alfabetizadas por esse sistema. A cédula era colocada numa reglete (que é uma máquina manual de escrever em braille) e o eleitor escrevia o seu voto na cédula, não importando o lugar onde isto iria ficar. As complicações geradas por este processo arcaico eram muitas: grandes filas, mesários despreparados, sem falar das dificuldades na apuração! O brailledas cédulas costumava amassar e, às vezes, dava margem à dúvida. Cada cédula em braille tinha que ser lida por dois apuradores cegos e, se houvesse discordância, por um terceiro.
Como era o voto do analfabeto antes das urnas eletrônicas?
Durante o Brasil colônia, os analfabetos votavam por meio de uma pessoa que ouvia a sua vontade e transcrevia na cédula de papel – era o chamado voto “cochichado”. Do século XVI até o início do século XIX, o voto dos analfabetos sofreu algumas restrições em determinadas ocasiões, mas foi, de certa maneira, preservado.
Oito anos antes da instituição da República no Brasil, os analfabetos perderam o direito de votar e de participar da vida política do país. O possibilidade de voto dos analfabetos foi retirada no chamado “censo literário”, proposto por Rui Barbosa, que exigiu do eleitor o saber ler e escrever corretamente.
A exclusão dos analfabetos do exercício do voto foi consignada também na primeira Constituição republicana, de 1891. Superada a Velha República, a Constituição de 1934, a primeira da Era Vargas (1930-1945), manteve os analfabetos excluídos do direito de escolher os representantes do povo.
Com a criação do Código Eleitoral e da Justiça Eleitoral no país em 1932, começa nova batalha dos analfabetos para reconquistar o exercício do voto. No entanto, sucederam-se governos e regimes, vieram novas Constituições (1937, 1946, 1967) e o voto permaneceu proibido às pessoas analfabetas.
Foi somente com a promulgação da Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, que os analfabetos recuperaram o direito de votar, agora em caráter facultativo. E, como nas constituições republicanas anteriores, a Constituição Cidadã de 1988 manteve inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Mas assegurou às pessoas analfabetas, definitivamente, o direito ao voto, em caráter facultativo.
Apesar disso, esse direito não era garantido em sua plenitude pelas dificuldades de conseguir registrar sua “vontade eleitoral” em cédulas de papel.
Com Assessoria