Cidades

Após 15 dias internada morre menina usada em ritual

UTI do Hospital de Urgência de Teresina (Foto: Catarina Costa/G1)

 

A diretoria do Hospital de Urgência de Teresina (HUT) confirmou na manhã desta quinta-feira (28) a morte da menina de 10 anos, vítima de um possível ritual. Ela estava internada em estado grave desde o dia 14, quando deu entrada na unidade de saúde com intoxicação, o corpo cheio de cicatrizes em forma de cruz e o cabelo raspado.

O diretor do hospital, Gilberto Albuquerque, informou que a criança havia entrado em um quadro de insuficiência renal com posterior falência múltipla dos órgãos. Por volta de 9h30 desta quinta-feira (28) ela teria tido uma parada cardíaca que culminou na morte da menina. Segundo o diretor, familiares da criança foram avisados e se encontram na unidade de saúde.

Albuquerque disse ainda que o corpo de menina será encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML), onde será investigada a causa da morte.

"Caso seja comprovado que a menina faleceu após ter sido envenenada o corpo será transferido para o Instituto Médico Legal (IML), mas se ela tiver sido vítima de morte natural, o corpo será liberado para o velório" declarou.

A direção do HUT já tinha informado que a menina apresentava falência dos sistemas nervoso e renal. Disse também que os médicos aguardavam o laudo de exame pericial feito no líquido ingerido por ela para poder abrir protocolo e investigar a morte cerebral.

A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente passou a investigar o caso. Para a polícia, os pais da vítima relataram que frequentavam um salão de umbanda em Timon, no Maranhão, para tratar a asma da filha e pagariam R$ 3 mil pelo tratamento. A mãe prestou depoimento na segunda-feira (25) e confessou ter dado a bebida com ervas e açúcar para a filha.

Abuso Sexual
A menina passou por exame de corpo de delito e o liquido foi encaminhado para perícia. Na terça-feira (27), a unidade de saúde solicitou uma nova perícia para investigar a suspeita de abuso sexual na menina.

Segundo o diretor da unidade, Gilberto Albuquerque, a paciente apresenta papilomas (verrugas) nas cordas vocais, que podem ser transmitidas sexualmente através do vírus HPV.

"É um procedimento da unidade solicitar este tipo de exame a toda paciente em estado de coma, especialmente do sexo feminino. Como a menina apresentava lesões sugestivas de maus tratos, entre eles se incluem a provável violência sexual, decidimos solicitar esta nova perícia feita pela Samvis [Serviço de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência Sexual]", explicou Gilberto Albuquerque.

Ainda de acordo com o diretor, a menina passou dois processos cirúrgicos para retirada de papilomas nas cordas vocais em 2014, no Hospital Infantil, e em 2015, no HUT. Na época em que a criança esteve na mesma unidade, a direção comunicou o caso ao conselho para investigação.

"Como o problema é recorrente na paciente, isso é sugestivo do papilomas vírus, que pode ser transmitido sexualmente. Vamos esperar o resultado da perícia técnica para confirmar se houve abuso", informou o diretor.

A conselheira Socorro Arrais alegou que o IV Conselho Tutelar, por ter sido criado recentemente, não recebeu as denúncias sobre as suspeitas de abuso da criança. Ela informou que vai procurar em outros conselhos para saber detalhes do caso.

Investigação
A promotora Vera Lúcia, da 1ª Vara da Infância e Juventude de Teresina, contou ao G1 ter solicitado instauração de inquérito para apurar os maus tratos e outros tipos de violência na menina internada. Segundo ela, a mãe prestou depoimento na segunda-feira (25) e confessou ter dado a bebida com ervas e açúcar para a filha.

"A mãe será responsabilizada pela indução da criança até a morte ao tomar esta bebida, sem nenhum tipo de recomendação médica. Por isso, ela deve responder por tentativa de homicídio qualificado, por motivo fútil, que tem pena de 12 a 30 anos de reclusão. Além disso, temos a denúncia de maus tratos com pena de dois meses a um ano", comentou Vera Lúcia.

O delegado geral Riedel Batista reiterou que o caso da menina de 10 anos é acompanhado pela DPCA e os demais registros de tortura que tenham sido praticados no salão de umbanda em Timon serão investigados pela Polícia Civil do Maranhão.

Mais denúncias
A mãe de uma criança de Teresina submetida ao ritual de purificação em um salão de umbanda que fica a 20 km da cidade de Timon, no Maranhão, revelou ter sido convencida de que o filho precisava passar por um tratamento espiritual para não “virar criminoso”. O Juizado da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina recebeu do Conselho Tutelar a denúncia de que mais de 20 crianças teriam sido submetidas a torturas nesses rituais.

Os casos vieram à tona após uma menina de 10 anos ser internada em estado grave apresentando sintomas de intoxicação, cicatrizes pelo corpo em formato de cruz e a cabeça raspada. As filhas da dona do salão religioso negaram que exista qualquer tipo de tortura.

“Eu sabia que lá funcionava um terreiro, mas não sabia o que realmente acontecia por lá. A mulher de lá conversou com a avó dele dizendo que ele precisava fazer um serviço. Ela (dona do salão) disse que ele no futuro iria virar um marginal, um criminoso, e qual é a mãe que não tem medo né?”, disse a mãe do garoto, que terá a identidade preservada.

O menino, que tem 10 anos, também descreveu o ritual ao qual foi submetido. “Passamos sete dias. Era seis além de mim. Quando chegamos lá ele (pessoa do salão) passou alguma coisa na gente, mandou a gente banhar e se vestir de roupa branca. A gente comia inhame, arroz, feijão e carne e tomamos muito chá também. A mulher falava que era para a gente fazer as coisas tudo direitinho, porque se não a gente ficava mal”, falou.

Vara da Infâcia
A juíza da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina, Maria Luiza de Moura Melo, disse que autorizou o Conselho Tutelar a recolher qualquer criança desacompanhada que apareça com as mesmas características dessa vítima (cabelo raspado e cicatrizes em forma de cruz).

"Elas serão levadas para um abrigo, podendo os pais ter a suspensão da guarda ou até mesmo a destituição do poder familiar. O Conselho tem 24 horas para informar esses casos”, falou a juíza.

Na avaliação da juíza Maria Luiza, nesse caso, as crianças estão em situação de risco, sendo obrigadas a tomarem chás ou bebidas tóxicas, e cortadas com lâminas ou objetos pontiagudos. “Não acredito que isso seja religião, mas sim crime de tortura", declarou a juíza.

Maria Luiza de Moura Melo disse também que irá comunicar o juiz da comarca de Timon para punir os responsáveis pelo salão de umbanda. Segundo ela, essas pessoas podem ser punidas por lesão corporal e crime de tortura. "Cabe ao Ministério Público tipificar a responsabilidade criminal e pedir o fechamento do local onde os rituais são feitos", falou.

Filhas de dona de salão negam tortura
Em entrevista ao G1 na semana passada, duas filhas da proprietária do salão de umbanda, onde os pais levavam a menina, negaram que as pessoas que frequentam o local sejam torturadas. Sem quererem se identificar, as mulheres afirmaram que os cortes nos praticantes de umbanda são superficiais e feitos com o consentimento dos responsáveis.

“São pequenos cortes feitos no corpo, como se fossem uma raladura qualquer. A retirada de sangue do corpo da pessoa simboliza a vida. Do mesmo modo, as pessoas têm a cabeça raspada para simbolizar o renascimento, já que todos os seres nascem sem cabelos. Não praticamos tortura com ninguém, até mesmo porque quem deita santo [termo usado para quem passa pelo ritual] sabe o que está sendo feito, no caso da criança os responsáveis aceitam tudo”, relatou uma das mulheres.

Uma das filhas da proprietária do salão de umbanda afirmou que ela e seus filhos passaram pelos procedimentos várias vezes e nunca sentiram nada e negou o uso de bebidas nos rituais. De acordo com a mulher, o ritual acontece da seguinte forma: a pessoa doente fica recolhida no quarto durante sete dias, recebendo apenas orações.

“Nós temos algumas cicatrizes pelo corpo, mas quase imperceptíveis e nunca sentimos efeitos colaterais. Sempre passamos por isso quando sentimos algum problema de saúde ou de qualquer outra coisa. Além disso, não existe o uso de garrafada [mistura de ervas] para os praticantes de umbanda”, afirmou a mulher.

Sem deixar fazer o registro de foto ou vídeo, as mulheres mostraram algumas marcas pelo corpo e apresentaram os filhos com a cabeça raspada, informando que eles passaram pelos mesmos rituais. “Eu tenho marcas nos braços e no pescoço e meus filhos também. Eles também tiveram as cabeças raspadas. Isso para nós é normal, como qualquer outra religião”, disse uma das filhas.

Fonte: G1

Redação

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