Iniciada no ano passado, a discussão que irá provocar alvoroço entre os setores econômicos de Mato Grosso foi retomada pelo deputado estadual Wilson Santos (PSDB), na última semana. A polêmica tem a ver com um projeto de lei que quer taxar as commodities como soja, milho, sorgo e algodão. Essa é uma forma de ‘driblar’ a Lei Kandir, que desonera os produtos primários destinados à exportação, e cobrar 3% do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) sobre os produtos.
Essa seria, segundo defende o parlamentar tucano, uma das saídas encontradas para tirar o Estado da crise econômica e impulsionar a sua industrialização. Conforme ele explicou já está na hora de os produtores de soja, milho e demais produtos ajudarem Mato Grosso. “Muitos dos produtores chegaram aqui com dificuldades e sem nada no bolso, mas hoje enriqueceram muito – honestamente e de sol a sol – contudo, conquistaram grandes patrimônios e têm seus nomes até na revista Forbes. Hoje é a hora de contribuir para que o Estado atravesse essa dificuldade financeira”, apontou Wilson Santos.
Além disso, o deputado defendeu que os produtores receberam grande ajuda do Estado e que a produção mato-grossense desses produtos, ao longo de 20 anos, cresceu mais de 500%. “O Estado brasileiro e o Estado mato-grossense são extremamente justos com os produtores ao desonerar completamente os produtos primários, os semielaborados e os serviços ligados a eles quando são para exportação. Isso permitiu um upgrade nos estados agricultores, principalmente Mato Grosso. Houve o enriquecimento do Estado, dos produtores e da economia. Porém, nesse momento de crise, algo raro nos últimos 50 anos no Estado, é preciso que o agricultor seja o parceiro de que o Estado precisa”, argumentou.
A proposta de Santos prevê a taxação do milho e do algodão, sorgo, carne e madeira in natura por um período fixo – de cinco a sete anos, até que o Estado consiga superar a crise. Contudo, o parlamentar já sabe que a sua posição irá despertar contrapontos e inimizades dos representantes do setor. “Sei que essa proposta sofrerá muita resistência, mas não estou aqui para agradar ninguém. Só vejo o interesse da sociedade e do Estado. Vou receber muitos contrapontos, incompreensões, mas será preciso ter coragem para fazer isso. O governo é reticente a essa proposta minha”, reconheceu.
Taques é contra taxação das commodities em Mato Grosso
Depois de passar por um período de avaliação da proposta, como declarou na semana passada, o governo Pedro Taques (PSDB) descartou, que esteja apoiando a construção de um projeto de Lei para taxação das commodities como Soja, milho e sorgo.
Ele parece ter se sensibilizado com a visita ao interior do Estado, para a 9ª edição da Parecis SuperAgro, na cidade de Campo Novo do Parecis (380 km de Cuiabá), onde realizou a declaração sobre o assunto.
Alguns dias antes da feira Taques chegou a falar sobre o assunto, mas não quis aprofundar o debate. “O deputado Wilson Santos é líder do governo, mas isso não significa que ele não tenha liberdade e independência para ser parlamentar. Temos que definir e separar quando ele fala como líder e como parlamentar. Isso é uma ideia dele e eu preciso analisar. Goiás fez isso, Mato Grosso do Sul fez isso, mas não estou pensando na proposta por enquanto”, disse, então, o governador.
Em Goiás
Diante da polêmica que girou em torno da cobrança de ICMS sobre as exportações de soja e milho, o Governo de Goiás revogou os efeitos do decreto nº 8.548, de 29 de janeiro de 2016. Segundo nota oficial da Secretaria de Fazenda do Estado, o principal objetivo da fixação de tal proporção era garantir o abastecimento do mercado interno goiano e impedir a aquisição de soja e milho de outros Estados e, com isso, a vinda de créditos tributários. No estado de Mato Grosso do Sul a medida já é adotada há uma década.
A tributação dos produtos primários chegou a ser publicada em Goiás, mas a medida impopular gerou a insatisfação dos setores afetados do agronegócio. A pressão foi tanta que a Secretaria de Fazenda de Goiás revogou o Decreto nº 8.548, de 29 de janeiro de 2016, que alterava o Regulamento do Código Tributário de Goiás no que diz respeito à substituição tributária nas operações com milho e soja.
Segundo nota da assessoria de imprensa da pasta goiana, a ação foi uma medida para atender a demanda dos produtores rurais do estado. “Atendendo a uma demanda dos produtores rurais do Estado e buscando aprofundar o debate em torno da medida, a Secretaria da Fazenda revogou as três portarias que definiam a proporção entre a quantidade de produtos agrícolas objeto de operação tributária e a quantidade de produtos objeto de operação destinada ao exterior. As normas se referiam ao Decreto nº 8.548, de 29 de janeiro de 2016, que alterava o Regulamento do Código Tributário de Goiás no que diz respeito à substituição tributária nas operações com milho e soja”, diz trecho da nota.
A seguir a secretaria explica que o objetivo da medida era “garantir o abastecimento do mercado interno goiano e impedir a aquisição de soja e milho de outros Estados e, com isso, a vinda de créditos tributários. Um exemplo dessa dinâmica que prejudica a indústria e onera o Estado é que, para cada 100 mil toneladas de soja que faltam no mercado goiano, o Estado tem de reconhecer R$ 12 milhões de crédito para outro Estado produtor. Indústria e setor produtivo ficaram de trabalhar, junto ao governo, para evitar essa perda de arrecadação”.
Polêmica nacional
A intenção dos governos de Tocantins, Goiás e Mato Grosso de cobrar ICMS para exportações do milho e da soja, foi alvo de uma reunião da Câmara Setorial da Soja do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no fim do ano passado, em Brasília.
Para representantes do agronegócio nesses segmentos, o objetivo dos três Estados é burlar a Lei Kandir, que desde 1996 zerou tal taxação sobre as vendas externas de ambos os grãos, com único objetivo de aumentar suas arrecadações. “É inegável o benefício que a Lei Kandir trouxe para o setor do agronegócio. Até 1996, o Brasil era o maior exportador mundial de proteína vegetal (farelo de soja). Hoje, é o maior exportador mundial de soja. Essa mudança se deve a esta lei”, comenta o vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura Hélio Sirimarco, que participou da reunião. Ele também é membro-titular e representante da SNA na Câmara Setorial da Soja.
Em sua opinião, a cobrança pode prejudicar os produtores de soja e de milho, que já estão sofrendo com o aumento dos custos de cultivo dos grãos, principalmente por causa da alta do dólar. Para ele, a soja, principal commodity da balança comercial brasileira, é o principal alvo dos governos que, em crise financeira, pretendem elevar suas arrecadações.
Repasse de fundos
O vice-presidente da SNA ainda ressalta que “além disso, os governos estaduais se queixam de que a União não repassa ou atrasa os repasses dos Fundos de Exportação (Fex), criados para compensar as perdas dos Estados com as desonerações da Lei Kandir”. A ideia dos representantes dos produtores de soja e milho é promover uma campanha para fazer com que os governadores desistam da intenção de cobrar o ICMS sobre as exportações de ambos os grãos. Eles devem levar o caso aos ministros Kátia Abreu (Agricultura) e Joaquim Levy (Fazenda).
“Segundo Glauber Silveira, presidente da Câmara Setorial da Soja do Mapa, em entrevista ao Valor Econômico, existem estudos que mostram que a cobrança de ICMS sobre 50% da soja colhida nos Estados produtores tornaria o plantio inviável para os pequenos agricultores, já que elevaria os custos de produção, que já subiram de forma expressiva em 2015.
Caso de Mato Grosso do Sul
Em Mato Grosso do Sul, um decreto estadual (nº 11.803) criou um regime especial de controle e fiscalização da exportação da soja e do milho, tributando o ICMS em 12% sobre as vendas externas, desde 2005. Ele é que tem servido, no momento, de incentivo para que os Estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso adotem a mesma cobrança.
“Mesmo o governo sul-mato-grossense argumentando que o objetivo do decreto foi e é garantir a oferta de soja, milho, sorgo e algodão para o mercado interno, existe uma clara divisão de opiniões no setor produtivo. Conforme o decreto, o modelo facultativo é voltado apenas para as tradings, propriedades rurais e outras empresas exportadoras e armazéns, que precisam comprovar que atuam no Estado há mais de dois anos e que tenham capacidade de armazenar, no mínimo, 10 mil toneladas”, explicou Sirimarco.
Reação do agronegócio
O ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Ricardo Tomczyk, já havia alertado aos deputados que a taxação sobre as commodities iria inviabilizar a produção de soja, milho e algodão. A declaração foi dada após a divulgação de um estudo do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) sobre a proposta de retomada da cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre produtos voltados para o comércio exterior.
O Imea calculou que, se a taxação fosse adotada neste ciclo 2015/16, o agricultor de soja teria prejuízo: seu lucro líquido seria negativo em (-) R$ 436,90/ ha. No caso do milho, o prejuízo também seria negativo em (-) R$ 1.301,80/ha. Já os cotonicultores registrariam prejuízo de (-) R$ 769,2/ha com a volta do imposto.
A análise mostra ainda que, considerando o desempenho de exportação registrado em 2014, a taxação sobre soja, milho e algodão em 2015 somaria R$ 2,1 bilhões – dos quais R$ 1,5 bilhão viria do complexo soja. “A grande pergunta é saber se o agricultor continuará na atividade com um cenário desse. Sem lucratividade e sem perspectiva de melhoria no ambiente internacional, será comum que muitos produtores reduzam a área plantada”, observou Ricardo Tomczyk.
De 2002 até 2014, houve um crescimento de 112% no Estado, que passou de 379,2 mil empregos para 804,5 mil. Enquanto isso, no mesmo período, o País apresentou de forma geral uma evolução de 73% no número de empregos.