Nesta semana o Governo, por meio do secretário de Desenvolvimento Econômico, Seneri Paludo, deve entregar à Assembleia Legislativa de Mato Grosso um novo Projeto de Lei que irá regulamentar a concessão de incentivos fiscais no Estado. A proposta que foi enviada pelo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga indícios de sonegação e renúncia fiscal, José Carlos do Pátio (SD), foi entregue ao Executivo na sexta-feira (06.04).
O novo modelo foi redigido após as constatações de falhas graves na concessão dos benefícios fiscais dados nas gestões passadas. “A CPI, que já realizou mais de 90 reuniões, deverá arrecadar aos cofres públicos do estado – caso seja aprovada – em torno de R$ 2 bilhões por ano, pois o Governo estava dando esses incentivos de forma irregular e as empresas que recebiam não apresentavam a contrapartida social na geração de empregos e renda. Esse projeto deverá ser aprovado pela equipe do governador em uma semana e já irá para a Assembleia para ser votado pelos deputados”, disse o presidente da AL, deputado Guilherme Maluf (PSDB).
O presidente da CPI, após o encontro com o Executivo, disse que foram feitas sugestões para perfeiçoar a lei de incentivos fiscais e recomendações para tentar evitar desvios, fraudes e injustiças econômicas. “Nós sugerimos no documento que não se tenha incentivos no comércio varejista, nos serviços e em outras áreas que não agregam valores, pois precisamos focar em setores que verticalizam a economia e que vão fomentar o desenvolvimento econômico de determinada região. Pedimos para acabar com o regime especial, porque todas as empresas investigadas nesta área são ‘laranjas’, de fachada, que vivem sob liminares judiciais e são mulas das trading. Nós oferecemos um projeto de lei inovador e que vai trazer inúmeros investimentos para Mato Grosso”, pontuou Zé do Pátio.
Para o secretário da Sedec, o governo irá fazer um projeto a ‘quatro mãos’, pois já havia estudos e análises de novos métodos pela equipe governamental desde o ano passado. “O governador nos deu um prazo de sete dias para analisarmos as propostas da CPI e nós faremos isso. Porém muito do que foi apresentado hoje, pelos deputados, nós já estávamos discutindo ao longo de 2015 e desenvolvendo para enviar à Assembleia. Vamos fazer esses ajustes finos para que o Executivo possa encaminhar o mais rápido possível a nova proposta de lei de incentivos de MT”.
O secretário disse também que o novo modelo deverá atrair renda e emprego, mesmo em tempos de crise. “Precisamos de um projeto que dê segurança para o empresário, que seja transparente para com o poder Executivo e que cumpra as regras previstas para a concessão dos incentivos – que é a atração de empregos para Mato Grosso. Setores da indústria de produtos do agronegócio, indústria de produtos de base florestal (plantio de madeira), indústria do setor de metal, que são áreas em que faz sentido investir, serão as áreas que trarão investimentos e movimentarão a economia de fato”.
A questão dos incentivos
Assim como o jornal Circuito Mato Grosso já havia noticiado na edição 577, o estado de Mato Grosso renunciou em impostos mais de R$ 1 bilhão em 2016. A informação que consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, publicada pela Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ-MT), R$ 1.060.663.897,84 está previsto a título de renúncia fiscal para este exercício. Entre os setores mais beneficiados se encontram a fabricação de produtos alimentícios e bebidas, que receberá R$ 559.358.342,19. Só os empreendimentos que utilizam carne como matéria-prima (frigoríficos, granjas etc.) deixaram de repassar aos cofres públicos R$ 189.978.322,07 – pouco mais do que as bebidas, que terão “anistia” de R$ 175.196.161,17.
Os empresários que utilizam a soja como matéria-prima, transformando-a em derivados na indústria, também possuem um “incentivo a mais” para se instalarem no território mato-grossense. Segundo a LDO 2016, R$ 183.877.065,49 será o montante que o Governo Estadual deixará de arrecadar do setor. O grão de soja, após beneficiamento, pode dar origem a óleos, antibióticos e outros produtos farmacêuticos, desinfetantes sanitários, tecidos e tintas para impressão e até mesmo cimento.
Já os empreendedores do setor terciário (comércio e serviços) parecem ter ficado marginalizados na distribuição desse bolo, a despeito de responderem por 76% dos empregos com carteira assinada, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Os comerciantes e pequenos empresários da área deixaram de repassar R$ 13.197.743,06 ao Estado. Confira uma tabela que resume a renúncia fiscal em Mato Grosso.
A farra fiscal
Após a ‘farra dos incentivos fiscais’ e a constatação de que 100% dos benefícios fiscais concedidos apresentaram falhas formais e 40% falhas legais, o Estado de Mato Grosso sinalizou, ainda no início de 2015, que os critérios para a concessão dos benefícios teriam novos eixos norteadores. A falta de delimitações numéricas e bem delineadas levou prejuízo ao Estado e aos empreendedores que não recebem incentivos no Estado.
No passado, como denunciou o Circuito Mato Grosso (edição 498), a política fiscal praticada pela Secretaria de Fazenda de Mato Grosso (Sefaz) vinha usando parâmetros bastante questionáveis, que tinham como pano de fundo um dado alarmante: a concessão de incentivos fiscais era muito superior à arrecadação de impostos. E enquanto empresas beneficiadas com os incentivos deixam de recolher milhões em impostos aos cofres públicos, sem comprovar o devido retorno ao desenvolvimento do Estado, empresários, em geral menores, eram massacrados com pesados impostos e multas que chegam a até 100%.
Graves problemas identificados
A confusão e falta de critérios para a concessão dos benefícios fiscais e até da renúncia fiscal foi identificada, por exemplo, na concessão de incentivos do ICMS. Não havia um estudo de impacto das renúncias de receita sobre as finanças públicas para embasar a decisão do Conselho Estadual de Desenvolvimento Empresarial – Cedem (formado por titulares da então Sicme, Seplan, Sefaz, Sedraf, Sema e PGE) de conceder ou não os incentivos ou mesmo a falta de demonstrativo acerca do montante a ser renunciado.
A Controladoria Geral do Estado (CGE) identificou também irregularidades formais e materiais na concessão e no acompanhamento de incentivos fiscais pelo Governo, por meio do Prodeic, no ano de 2014. Nos últimos dez anos, o Governo praticamente perdeu o controle sobre os incentivos, que somente em 2013 atingiram a casa dos R$ 1,3 bilhão, muito mais que o valor arrecadado em Imposto sobre Circulação de Mercadorias.
Os incentivos fiscais concedidos pelo Governo de Mato Grosso em 2013, por meio de programas geridos pela Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Scime), tiveram incremento de 16,18%, enquanto a receita corrente líquida registrou crescimento de apenas 6,77%. Foi concedido R$ 1,1 bilhão de incentivos em 2012 contra R$ 1,3 bilhão em 2013. Isso representa aumento de 20% em relação aos incentivos concedidos em 2012. Deste valor R$ 775,968 milhões foram destinados apenas a 20 grandes grupos econômicos (citados na edição 498).
Guerra fiscal
Para atrair investimentos e consequentemente mais riqueza e geração de renda para sua região, os governadores dos estados brasileiros promovem incentivos variados para as empresas. Isso vai desde isenção de impostos e infraestrutura até a própria construção das instalações da empresa com dinheiro público. Contudo isso gera a chamada ‘guerra fiscal’, que é a disputa, entre cidades e estados, para ver quem ‘vende’ melhores incentivos para que as empresas se instalem em seus territórios.
As desvantagens da guerra fiscal é que isso faz com que o Brasil em geral deixe de arrecadar volumosos recursos, em virtude da disputa, sendo que de qualquer forma a empresa se instalaria no Brasil. Além disso, quem adquire bens ou serviços de outro estado, quando usufrui de incentivos fiscais no seu estado de origem, pode sofrer sanções, como restrições ao crédito do ICMS. “Na verdade isso sempre aconteceu, mas no mandato passado isso veio realmente à tona, pois o governo passado instituiu uma política de incentivos. Ele abusou demais na concessão de benefícios”, explicou a professora de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Giseli Alves Silvente, especialista na legislação fazendária estadual.
Segundo a professora, isso provoca um desequilíbrio muito grande no mercado, “pois se a empresa X recebe benefícios e a minha não, certamente meu produto será mais caro, ou eu ganharei menos com sua venda. Pois ele precisa recolher na íntegra o ICMS, e isso torna a concorrência desleal”, denotou.
Para a especialista da UFMT a ‘guerra fiscal’ naturalmente acontece para que o estado retenha o contribuinte para pagar os tributos. “Então cada estado tenta facilitar a entrada das empresas em seu território, atrai contribuintes, para que essa empresa possa pagar o ICMS e o estado recolher. Ela existe no sentido de que o estado dá mais benefícios, ou menos benefícios para determinada área”, comentou.
Contudo, esses benefícios deveriam ser regulados de forma prática e não subjetiva, conforme sugere Giseli Alves. “Acontece que a lei que trata dos incentivos fiscais não tem critérios pontuais para definir quais empresas merecem a concessão desses benefícios. Fica à mercê de o comitê definir, aí é questão de opinião. Cada um tem a sua e isso gera alguns absurdos no estado. Porque a decisão de conceder ou não o incentivo fica à mercê das pessoas e é muito subjetivo. Ou seja, critérios como: a empresa precisa ter tantos empregados, possuir ‘X’ de recolhimento por mês, metas de construção de ‘n’ unidades em dez anos…”, completou.