Além da seca, mercado de castanha também sofre impacto com a crise financeira (Foto: Anderson Barbosa/G1)
A pior seca dos últimos 100 anos no Rio Grande do Norte está devastando as plantações de caju, uma das principais atividades econômicas do estado. No município de Serra do Mel, um dos maiores produtores de castanha de caju do país, a estiagem também tem sido implacável. Sem água, as plantas desidratam e morrem. E sem ter o que colher, a solução para o sertanejo é aproveitar o que resta: a madeira seca. Hoje, cortar galhos e vender a lenha para fábricas de tijolos e telhas é o único jeito de se conseguir dinheiro e botar comida na mesa.
“Uma carrada, que é um caminhão cheio, sai daqui com 40 metros cúbicos de madeira cortada. Rende R$ 400. É isso o que conseguimos faturar por semana. No final do mês, são R$ 1.600 no bolso, dinheiro que vai sustentar a família”, explicou o agricultor Pedro Gomes, de 72 anos.
Dono de 15 hectares de terra, Pedro disse que em 2011 chegou a ter 4 mil pés de caju produtivos. "Naquele ano, vendi 30 toneladas de castanha para a cooperativa dos produtores de caju do município, que exportou tudo para a Suíça. Foi uma época de fartura para todos nós. Era tanto caju que chegou a fazer lama", brincou. De acordo com a Cooperativa dos Beneficiários Artesanais de Castanha de Caju de Serra do Mel (Coopercaju), uma tonelada de castanha beneficiada, pronta para o consumo, era exportada em 2011 a R$ 36 mil.
Mas, ainda de acordo com o próprio agricultor, nestes últimos quatro anos a seca tomou conta de tudo e o tempo de boas safras chegou ao fim. "Ano passado, para vocês terem uma ideia, colhi apenas 189 quilos. A castanha bruta (in natura) ainda consegui vender a R$ 3 o quilo. Este ano, o pouco que deu meus netos comeram numa torrada só", contou.
Hoje, ainda de acordo com Pedro Gomes, dos 4 mil cajueiros que foram plantados em suas terras, pouco mais de 40% ainda têm folhas nos galhos. “O restante morreu. Estamos queimando, derrubando e cortando os pés. Dói no coração ter que fazer isso, mas precisamos de dinheiro para comer”, ressaltou.
“O pior é que a seca não é o único problema”, frisou o agricultor. Ele lembra que os cajueiros que restaram ainda precisam conviver com a mosca-branca, uma praga que aparece no período da floração. Como o Rio Grande do Norte já está no quarto ano seguido de estiagem, a incidência do inseto é ainda maior. E quanto maior a incidência da praga, menor a produtividade. “É como se diz por aqui: depois da queda, o coice”, lamentou.
João Duarte também perdeu boa parte da plantação. Presidente da Coopercaju, ele disse que o município possui 1.196 produtores em um total de 35 mil hectares de área plantada. "Mais da metade deste território, cerca de 20 mil hectares, está improdutivo atualmente. Morreu tudo. E cerca de 90% dos produtores estão sendo obrigados a vender lenha para sobreviver. É uma realidade muito triste, mas é a mais pura verdade. Eu já cheguei a colher 25 toneladas de castanha. Nestes últimos quatro anos, porém, não consegui produzir sequer 2 mil quilos”, afirmou.
Produção em baixa, exportações em queda e prejuízos
O governo do estado renovou por mais seis meses o estado de emergência em razão da seca histórica que assola o interior potiguar. Segundo o decreto, publicado em setembro, os prejuízos com a estiagem somam mais de R$ 4,6 bilhões. Nestes últimos quatro anos, ainda de acordo com o documento, a produção agropecuária acumula uma queda de 57,54%. Quando o assunto é a cultura de subsistência, como o algodão e a produção de castanha de caju, a queda foi ainda maior: 60%.
O Rio Grande do Norte é o principal exportador de castanha de caju do país. Em 2011, último ano que se registrou boas chuvas no estado, 5,7 mil toneladas de castanha de caju fresca e sem casca foram vendidas para o exterior, o que representou um ganho de cerca de 50 milhões de dólares. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. No ano passado, já em emergência por causa da seca, o RN mandou para fora do país pouco mais de 3,3 mil toneladas. O retorno financeiro foi de U$ 20 milhões, também segundo o MDIC. Este ano, de janeiro a outubro, pouco mais de 1,7 mil toneladas foram exportadas, com faturamento de aproximadamente U$ 13 milhões até então.
Para tentar minimizar os efeitos da estiagem e os prejuízos com a redução da safra, o Governo do Estado anunciou que serão investidos, até o próximo ano, R$ 186 milhões em projetos para melhorar as cadeias produtivas da agricultura irrigada, incluindo a cajucultura.
Além disso, a Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Pesca (SAPE) informou que o objetivo também é beneficiar, por meio do programa ‘RN Sustentável’, 330 famílias de agricultores produtores de castanha de caju e mel nos municípios de Apodi, Caraúbas e Severiano Melo.
“Os investimentos são de R$ 3,63 milhões, recursos que estão sendo utilizado para adequar as cadeias produtivas em todos os seus processos, desde a produção em si até a distribuição dos produtos. Questões sobre como recuperar os pomares, enxame de abelhas, recuperação e adequação de estruturas, corte da castanha, estufas de armazenamento, entre outros, estão sendo abordadas pelo programa. Os técnicos realizam um estudo completo do negócio, elaboram um diagnóstico e a partir daí montam um plano de negócios para cada organização”, ressaltou.
O processo
Para conhecer todo o processo, passando pelo beneficiamento e seleção da amêndoa, o G1 foi a Mossoró, onde fica a Usibras, a maior fábrica de castanha de caju do Brasil.
Apesar dos prejuízos com os efeitos da seca, o Brasil ainda se mantém como o terceiro maior produtor de castanha de caju do mundo. "Perdemos apenas para o Vietnã e para um conjunto de países da África. E nós somos o maior exportador e o maior comprador de castanha de caju in natura do país", afirmou Edson Júnior, gerente industrial da Usibras.
Segundo o gerente, a Usibras também fabrica dois subprodutos da castanha de caju. Um deles é o LCC – Líquido da Castanha de Caju, que é utilizado como matéria-prima na indústria de tintas; o outro é a casca da castanha, que vira combustível para caldeiras.
Edson Júnior disse que o quilo da castanha in natura varia, em média, de R$ 3,30 a R$ 3,50. A compra da castanha bruta é o primeiro passo da linha de produção. "Vem pra gente em sacas, transportadas por caminhões. Depois são classificadas por tamanho. De cada 100 quilos, somente 20 deles são aprovados pelo processo de seleção e viram amêndoas de qualidade para exportação", ressaltou o gerente. "No final de todo o processo, uma caixa com 22 quilos de castanha de caju pode chegar a R$ 500", afirmou.
O gerente acrescenta que a crise econômica que afeta o país também atinge o setor. "Existe um lado bom, que é a alta do dólar. Como nós exportamos em moeda americana, o preço final aumenta e faz o faturamento crescer. Contudo, também temos que conviver com a seca. Como a estiagem acaba com as plantações de caju, temos que importá-la, e isso também faz aumentar os nossos gastos. Compramos castanhas de Gana, Costa do Marfim, Benim e Burkina Faso", disse.
Ainda de acordo com o gerente da Usibras, o momento atual é de preocupação. "Temos duas unidades de produção aqui no Brasil (uma em Mossoró e outra na cidade cearense de Aquiraz) e uma de beneficiamento de nozes em Nova Jersey, nos Estados Unidos, além de uma fábrica de castanha de caju que estamos construindo em Gana. Juntas, elas somam mais de 1.400 funcionários. Mas, já tivemos muito mais empregados. Somente por causa da estiagem, tivemos que demitir mais de 600 funcionários nestes últimos dois anos aqui no país. Nosso alerta amarelo está ligado. Pode ser que mais gente tenha que ser dispensada", revelou.
Fonte: G1