Cabrera está desconectado da internet há mais de quatro meses (Foto: Douglas Pires/G1)
O estudante de jornalismo Rômulo Cabrera, de 25 anos, não checa mais seus e-mails diariamente. O morador de Suzano, na Região Metropolitana de São Paulo, também abandonou as redes sociais. O jovem ainda retomou hábitos antigos, como usar telefone público e mandar cartas para amigos distantes. O relato desta rotina de "desintoxicação" está se transformando em um livro que faz parte do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). "Me sinto como se estivesse na borda do mundo", define Cabrera que usou a internet pela última vez no dia 31 de maio deste ano. A volta ao mundo digital está prevista para o final de outubro.
A ideia surgiu no começo deste ano. Rômulo cursa o 4º ano de jornalismo, em uma universidade na capital. "Um livro que me despertou essa ideia foi o 'Um ano bíblico'. Depois disso, passei a conversar bastante com o meu professor e acabei encontrando algo onde eu pudesse contar um relato de vida. Uma coisa autoral. Então resolvi abrir mão da internet, me desconectar, e viver esse trabalho de imersão, ou seja, essa experiência de ficar cinco meses sem contato com a rede. Doei meu celular, passei a usar 'orelhões' e fui me readaptando", detalha.
A mudança exigiu bastante força de vontade. A ideia, segundo Cabrera, é se abster de toda a tecnologia que esteja ligada a algum tipo de rede. A principal é a internet. Cabrera deixou de usar, por exemplo, caixas-eletrônicos. "Eles são ligados a redes", explica.
A greve dos bancos, que começou no dia 6 de outubro, não chegou a afetar a rotina do estudante. "Não precisei ir ao banco nesse período de greve. O dinheiro que estou usando vem de um 'freela' [trabalho extra] que faço em São Paulo. É um trabalho onde eu não dependo de internet. Dou aulas de edição de imagem para um senhor. Combinamos que o meu pagamento é semanal", detalha.
Para se comunicar com os amigos distantes, Cabrera recorre aos Correios. "Também voltei a mandar cartas. É que boa parte dos amigos mora em São Paulo e como estou sem mandar e-mails e sem redes sociais, para não gastar muito com telefone, eu mando cartas. Ainda deixei de utilizar Bilhete Único, por causa dessa coisa de recarregar. Pago transporte com dinheiro, apenas".
A princípio o universitário iria permanecer desconectado até a primeira quinzena de novembro, mas por conta da entrega do TCC, que deve ocorrer no começo do mês que vem, a volta ao mundo digital está marcada para o dia 26 de outubro. Segundo ele, este será o último capítulo do livro. "Eu já tenho 80 páginas escritas dividas em alguns capítulos. O livro não segue uma ordem cronológica, mas é um livro-reportagem. Eu uso uma escrita que, em alguns momentos, acabo tirando sarro de mim mesmo", diz.
Período Sabático
O estudante de riso fácil deu nomes a essa sua reclusão do mundo digital. "Costumo dizer que estou em um período sabático ou num celibato virtual", comenta. Das facilidades proporciondas pelas tecnologias ligadas à rede mundial de computadores, Cabrera sente mais falta de obter informação de forma rápida. "Durante o dia eu só me atualizo dos acontecimentos do mundo por meio da TV ou se algum amigo comenta algo. Por isso assisto os telejornais à noite de uma maneira como nunca via. Até parece que estou assistindo uma série. É como se eu devorasse aquilo. Presto a atenção em cada palavra do apresentador", detalha. Também sinto falta de assistir minhas séries, mas alguns amigos estão passando para mim em pen drives. É até engraçado porque parece algo ilegal. Eles perguntam 'e aí, cara, quer algo hoje?'. E eu respondo: 'baixa a série 'tal' para mim'. Como se estivesse comprando algo ilegal, sabe?"
O jovem suzanense completou 25 anos no dia 16 de setembro. Não consultou as redes sociais e não recebeu nenhuma ligação de parabéns. "Ninguém me ligou, mas minha mãe entrou no meu Facebook e leu algumas mensagens de aniversário. Teve um amigo que mandou uma mensagem para minha mãe. Pediu para me avisar que era para eu comparecer à casa dele. Lá o pessoal fez um bolinho", contou.
Cabrera diz estar resistente às tentações digitais, mas, segundo ele, às vezes, acaba esbarrando na internet "por tabela". "É engraçado porque todas as pessoas estão conectadas. Dá uma olhada aqui [a entrevista foi concedida na praça de alimentação de um shopping e havia inúmeras pessoas mexendo em seus celulares]. Às vezes um amigo da faculdade diz 'olha isso' e mostra. Eu não vou fechar os olhos. Eu optei por sair da rede, mas meus amigos continuam lá. É normal", conta.
Ele percebe mudanças não só em sua rotina, mas na maneira de se comportar, por exemplo. Uma delas é que se tornou mais falante. "As redes sociais se tornaram uma válvula de escape. Nós falamos [escrevemos] coisas ali. E eu não tenho mais isso. Então falo quando estou escrevendo o livro ou quando encontro alguém para papear. Por isso estou falando tanto assim aqui nesta entrevista", diz sorrindo.
O estudante conta que também passou a prestar atenção nas pessoas conectadas. "Estava viajando de carro com amigos e eles conversavam e, ao mesmo tempo, ficavam no celular, enviado vídeos um para o outro. Quando o sinal acabou, em um trecho de serra, notei a ansiedade em um deles. Tipo o cara não sabia muito que fazer com as mãos", descreve.
O jovem apenas estuda. Por enquanto, abriu mão de procurar emprego por causa do projeto. Os 'freelances' de editorador e editor de imagem também não aparecem com tanta frequencia. Foram distanciados pela ausência do mundo digital. "Tenho consciência que não poderia estar trabalhando fixo em algum lugar, caso contrário, essa minha imersão não teria sentido. Boa parte dos locais de trabalho está ligada à internet. Por isso optei por não trabalhar nesse semestre. Faço freelances que não dependem da internet."
Experimento na Paulista
Após três meses desconectado, o estudante resolveu fazer algo inusitado. Em plena Avenida Paulista, segurando um cartaz, pedia para que as pessoas conversassem com ele, pois estava sem internet. A experiência em uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo rendeu bons resultados, na opinião do estudante: "Foi sensacional. Fiquei lá por duas horas. Boa parte das pessoas nem lia o que estava escrito, mas algumas se interessaram. Fui abordado por 12 pessoas em duas horas. Queriam saber o motivo pelo qual eu estava fazendo aquilo e eu os explicava. Teve uma senhora, no entanto, que quis falar sobre ela. Disse que assistia Os Simpsons todos os dias", conta.
Ainda na avenida, ele foi abordado por um grupo de profissionais de Marketing de uma marca esportiva. "Essa equipe foi me procurar quando soube que eu estava fazendo essa experiência. Eles ficaram conversando comigo", relembra.
Na opinião dele, as pessoas querem sim conversar, ao contrário do que muita gente acredita. "Tem gente que acha que as pessoas não querem contato, não querem interagir. Acredita-se que o contato entre as pessoas está acabando e elas só pensam em conversar pela internet, eu não senti isso na Paulista. Eu acho que as pessoas têm de ser estimuladas para isso".
Consultada pelo G1, a psicóloga Vanessa Campos diz concordar com a impressão obtida pelo estudante durante a experiência na capital. Segundo ela, a internet acabou barrando, em alguns casos, o processo de interação entre as pessoas, mas ao receber estímulos, muitas podem se sentir confortáveis e permitir mais esse contato pessoal. "Com a internet muita gente deixou de ir na casa do amigo para dar um recado ou para conversar. As pessoas têm a facilidade de fazer tudo isso de uma forma mais rápida e fácil, mas, se estimuladas, como o estudante fez na Paulista, com certeza, muitos acabam entrando nessa interação", explica.
Lembranças
De um jeito bem humorado, ele conta que os 'memes' que povoavam as redes sociais no primeiro semestre deste ano ainda estão em sua mente. "Eu não sei quais são os memes do momento. Quer dizer, vejo as pessoas falarem. Meus amigos me contaram sobre o lance do 'senhora, senhora..'. Mas eu não vi nada disso. Ficou na minha cabeça mesmo a polêmica sobre aqueles vestidos: algumas pessoas enxergavam azul outras dourado. Estou atrasado. Quando deixei de usar as redes sociais minha timeline ainda mostrava internautas fazendo dublagens por meio daquele aplicativo. Essa é a última lembrança que eu tenho das redes sociais", lembra.
Cabrera conta também que não se lembra qual foi a última vez que havia utilizado um telefone público, antes de por o projeto em prática. Agora, pelo menos três vezes por dia, faz ligações em orelhões. "Eu percebi que é possível viver assim. Eu sou dependente da internet, mas dá para ficar sem ela. Quando cheguei ao banco para sacar na boca do caixa fiquei falando desse projeto com a gerente e ela gostou. Algumas pessoas vêem com maus olhos, como se tivessem pena de mim. Eu não sou contra a tecnologia, nada disso. Trata-se, apenas, de uma experência que estou vivendo", diz.
A reportagem do G1 levou quase dois dias para conseguir marcar a entrevista com Cabrera. A ligação foi feita para um telefone fixo, na casa do estudante. "Você pode me ligar após as 16h. Acho que essa hora estarei de volta e posso confirmar", disse no primeiro contato. A reportagem retornou a ligação várias vezes na casa do jovem, depois do horário combinado, mas ele só atendeu bem mais tarde. A entrevista foi marcada. "Essa é minha rotina. Falo para as pessoas, mais ou menos, a hora que estarei em casa para que elas liguem. Passei a andar com os telefones anotados em papéis. Desde o dia 1º de junho, já gastei um cartão inteiro de 30 unidades e agora estou no segundo", completa.
No dia 22, Cabrera participará de um bate papo sobre o tema no Hospital das Clínicas de São Paulo. "Lá existem grupos de terapia para pessoas que querem se libertar do vício de internet e celular. Fui convidado para falar com eles e contar essa experiência minha. Acho que vai ser bacana. Aliás, é isso que penso. O que estou fazendo é uma contribuição para a sociedade. Sou uma pessoa muito otimista e penso que no final tudo isso irá valer a pena. Meu professor está confiante e eu estou feliz", finaliza.
Fonte: G1