O Ministério da Saúde recorreu à Justiça Federal para que a família de menina Júlia Marcheti Ferraz, de 5 anos, devolva aos cofres públicos o valor de US$ 42 mil destinados ao pagamento de uma cirurgia na medula, a qual a garota foi submetida nos Estados Unidos.
Júlia foi diagnosticada aos oito meses com leucomalácia periventricular, doença que causa rigidez muscular e compromete os movimentos dos membros. A família alega que o procedimento realizado no St. Louis Children's Hospital, no estado do Missouri, era a única esperança para que a menina voltasse a andar.
No entanto, segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, o Hospital das Clínicas em Ribeirão Preto (SP) está habilitado a fazer o mesmo tipo de tratamento pelo qual Júlia passou em janeiro deste ano. A própria unidade de saúde informou ter condições de realizar a cirurgia dias antes da viagem da família aos Estados Unidos.
Após uma briga judicial, os pais conseguiram uma liminar obrigando a União a pagar as despesas hospitalares no exterior. Mesmo diante da nova possibilidade de tratamento no Brasil, a Justiça manteve a liminar e Júlia passou pela cirurgia no exterior. Para isso, a família precisou penhorar dois carros e entregou R$ 44 mil como caução. De acordo com o advogado, eles só terão os bens de volta caso vençam o processo na Justiça Federal.
A menina se recupera em Ribeirão Preto, onde continua o tratamento com a equipe de fisioterapeutas que já a acompanhava.
Audiência
Nesta quarta-feira (16), dois médicos do Hospital das Clínicas (HC-RP) prestaram depoimento à Justiça Federal, em Ribeirão Preto. A neuropediatra Carla Caldas afirmou que os pais de Júlia tinham conhecimento de que a instituição tem condições de realizar a mesma cirurgia feita nos Estados Unidos.
“Nós fazemos toda avaliação do paciente para fazer o procedimento no Hospital das Clínicas. A Júlia foi avaliada para fazer o procedimento no Hospital das Clínicas. Quando o hospital foi convocado, ele prestou a informação que foi necessária”, disse Carla.
Segundo o Ministério da Saúde, a cirurgia chamada de rizotomia dorsal seletiva a céu aberto – a qual Júlia foi submetida – já foi realizada em 19 pacientes, desde 2010, no HC-RP. O médico assistente da instituição Marcelo Volpon afirmou, inclusive, que a técnica brasileira tem como referência a usada no St. Louis Children's Hospital.
“O hospital que fez a cirurgia é um hospital com bastante experiência, já faz há vários anos. A gente tem uma experiência um pouco menor, mas a gente tem feito com bons resultados. Eles têm muitos mais casos, milhares de casos, e a gente tem algumas dezenas. Se você pegar o percentual de bons resultados, o nosso é muito semelhante”, alegou.
Família contesta
O pai de Júlia, o analista de sistemas Alexandre Ferraz, também compareceu à audiência nesta quarta-feira e levou vídeos que, segundo ele, comprovam a evolução da garota após a cirurgia. Ferraz disse, mais uma vez, que o procedimento realizado no HC é para crianças com paralisia de nível 4 e 5, e não para o caso de Júlia, de nível 3.
“A proposta do HC, em momento nenhum, foi de passar segurança para a gente e que tinham capacidade de realizar esse procedimento, bem como em outro hospital vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, disse Ferraz, destacando que a filha já se locomove com mais facilidade, sendo que antes do tratamento nem conseguia nem se virar na cama.
Ferraz afirmou ainda que, antes da cirurgia, entrou em contato com o Ministério da Saúde por meio do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) e a própria pasta informou que o procedimento da menina não poderia ser realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“Nós tivemos a experiência de levar a Julia em outros neurologistas renomados e todos eles foram unânimes em dizer que não tinham histórico desse procedimento. Eles tinham históricos de pacientes extremamente comprometidos, praticamente em estado vegetativo, níveis 4 e 5 da doença, não para o nível 3, que é o caso da Júlia”, disse.
O processo
A briga na Justiça pelo pagamento da cirurgia de Júlia começou em 10 de dezembro do ano passado, logo após a família da menina receber o aceite do St Louis Children's Hospital para a internação da criança.
A primeira liminar que obrigou a União a pagar pelo procedimento foi proferida em dezembro. O Ministério da Saúde, no entanto, não cumpriu o prazo estipulado pela Justiça para a realização do depósito.
A família pediu a reapreciação da liminar e obteve parecer favorável. Em janeiro, os pais de Júlia participaram de uma audiência na Justiça Federal em Ribeirão Preto junto a um auditor do Sistema Único de Saúde (SUS).
A última decisão da Justiça Federal deu prazo de 24 horas, a partir de 13 de janeiro, para que o depósito fosse efetuado, mas novamente a quantia de US$ 42 mil não foi depositada. Seis dias depois, o Ministério da Saúde efetuou o pagamento, mas em uma conta em juízo.
A União recorreu, mais uma vez, e o Tribunal Regional Federal (TRF) suspendeu o repasse. Em audiência no dia 22 de janeiro, praticamente às vésperas do embarque para os Estados Unidos, a desembargadora Alda Basto reconsiderou a decisão e liberou o valor necessário à cirurgia.
Fonte: G1