O som alto de pancadões nas ruas de uma comunidade na Vila Alba, zona oeste de São Paulo, vem atormentando o sono e a tranquilidade de moradores do bairro Vila Butantã, que fica a menos de 300 metros de onde as festas são realizadas.
O volume intenso das batidas – geralmente de funk, disparadas de caixas de som instaladas em carros – acontece na Rua Ramon Bayeu, e costuma atravessar as madrugadas de sábado e domingo, com o horário de início variando entre 20h e 23h.
O barulho cessa normalmente entre 5h e 6h, segundo os moradores. Só depois disso que eles conseguem, enfim, descansar. No entanto, a reportagem ouviu relatos de que algumas festas chegaram a passar por quase toda a manhã e terminar às 10h.
Para sentir menos os efeitos do pancadão, os moradores adotam algumas estratégias, como instalação de janelas antirruído e até dormir em outras casas.
Contam também que já alertaram a Subprefeitura do Butantã sobre a situação, e que se articulam até com moradores de outros condomínios da região para denunciar o caso nos canais da Polícia Militar, ao mesmo tempo. No entanto, as reclamações não surtem o efeito desejado, dizem.
Questionada, a Prefeitura de São Paulo disse que fará uma fiscalização no local com a Polícia Militar para apurar as denúncias de perturbação e a desordem urbana. A data não foi informada para não atrapalhar a eficácia da ação.
“É impossível dormir. A gente não consegue ter paz em um dia de descanso porque o pancadão vai até as 6h da manhã. É um inferno”, desabafa o gerente de produtos Tiago, que preferiu se identificar apenas pelo primeiro nome.
Atualmente à frente do conselho administrativo do condomínio, ele conta que festas do tipo já aconteciam em anos anteriores e até com apresentações de música ao vivo. Mas, depois de uma pausa, voltaram de forma mais intensa e frequente neste ano.
“Há idosos, casais com bebês recém-nascidos no prédio… É impossível receber uma visita, ter uma conversa na sala ou assistir a uma televisão”, acrescenta.
A moradora Isadora Ramalho, de 28 anos, precisou instalar janelas antirruído no seu quarto no mês passado para conter as perturbações. O seu apartamento fica bem de frente para a comunidade onde as festas são organizadas.
Ela diz se incomodar não apenas com o volume dos pancadões, mas também com o teor erotizado das músicas. “São muito pesadas e explícitas. Ouvir isso por horas é muito desagradável”, diz Isadora, que é formada em Relações Públicas e atua como gerente de experiência do cliente.
Ela conta à reportagem que, em um domingo de abril, não suportou o barulho e teve que sair da própria casa para dormir no apartamento do namorado. A “fuga” aconteceu antes de ela instalar a janela que abafa o som. “Os dias de pancadões eu não consigo ficar no quarto. Não é apenas alto. O som é realmente muito alto”, frisa.
A engenheira civil Jessica, que também optou por se identificar com seu primeiro nome, mora no 22° andar e, mesmo estando em um dos andares mais altos do edifício, diz ter a casa invadida pelo barulho dos pancadões. “O som é tão intenso que parece estar dentro do meu apartamento”.
A engenheira lembra que um dos episódios mais críticos aconteceu em fevereiro, quando sua sogra a visitou e elas tiveram de passar a noite em claro porque a música persistiu alta até as 10h. “Diversas ligações foram feitas à Polícia Militar e registros foram encaminhados pelo aplicativo, mas infelizmente, sem qualquer resultado prático”, diz.
A Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-SP) informou que o 23º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) foi acionado para atender ocorrências relacionadas à perturbação do sossego público na última segunda-feira, 16, na Rua Ramon Bayeu, na zona oeste de São Paulo.
Afirma que, no local, os agentes “intensificaram o policiamento” e que posteriormente foi registrado um boletim de ocorrência sobre o caso. A secretaria diz ainda que a Polícia Militar atua contra a formação dos “pancadões” nas vias públicas e que monitora a realização de eventos do tipo.
“Quando acionada com os eventos já iniciados, as equipes de policiamento são posicionadas no entorno do local de forma a combater a prática de crimes e garantir a segurança dos moradores das imediações”.
Jessica afirma que a situação tem gerado estresse e cansaço extremos aos moradores, tanto físico quanto emocional. “Moradores com bebês, crianças pequenas ou idosos estão especialmente vulneráveis. Trabalhamos a semana inteira e temos direito ao mínimo de paz e descanso nos finais de semana”, desabafa a engenheira.
O que diz a lei?
Em São Paulo, existe um limite de decibéis permitido em cada área da cidade, e que varia de acordo com os horários do dia.
Em áreas como as Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU), que são vizinhas de metrô, trem e corredores de ônibus, o máximo de ruído varia entre 50 decibéis (das 22h até 7h) e 60 decibéis (das 7h às 19h).
Já nas Zonas Predominantemente Residenciais (ZPR) e Exclusivamente Residenciais (ZER), o máximo de ruído pode chegar a volumes que variam de 40 decibéis (das 22h às 7h) e 50 decibéis (das 7h às 19h).
Essa divisão é determinada pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, também conhecida como Lei de Zoneamento. O cumprimento das diretrizes depende da atuação do Programa Silêncio Urbano (PSIU).
O PSIU é uma iniciativa da gestão municipal que busca minimizar os impactos sonoros na vida urbana e fiscalizar os ruídos provenientes de estabelecimentos comerciais, indústrias, instituições de ensino, templos religiosos e outras atividades não residenciais.
Tanto no endereço dos moradores, como nos locais onde acontecem os pancadões, o limite de volume permitido durante a noite varia de 40 a 50 decibéis. De acordo com os moradores, as festas descumprem a Lei do PSIU, que prevê penalizações para os estabelecimentos responsáveis pelos ruídos.
O advogado Rodrigo Forlani, que atua na área de contencioso cível, afirma também que as festas com volume alto e que duram toda a madrugada descumprem outras leis, como a Lei de Contravenções Penais, cujo Artigo 42 prevê a punição para quem perturbar o sossego das pessoas com abusos sonoro.
A Lei Estadual nº 16.049/2015, que estabelece limites e diretrizes para o controle da poluição sonora, também é descumprida nestes casos, diz o advogado.
Forlani afirma ainda que os moradores podem impedir a continuidade das festas por meio liminar, e até conseguir uma indenização por perturbações com uma ação de indenização por danos morais, em razão da “violação ao direito ao sossego, à saúde e à dignidade dos moradores afetados”.
“É importante lembrar que a proteção ao sossego público e à integridade do meio ambiente urbano é também um dever constitucional do Poder Público, que pode ser instado a agir mediante provocação do Judiciário ou do Ministério Público, inclusive por meio de ações civis públicas”, afirma o advogado.
A Prefeitura de São Paulo informou que terá ajuda da Polícia Militar para fazer a fiscalização no endereço onde as festas são organizadas, e que a atuação isolada das Subprefeituras e do PSIU “não é viável por questões de segurança dos agentes”.
“Em geral, esses eventos são de grande porte feitos em áreas urbanas abertas, o que demanda planejamento e atuação conjunta entre os órgãos de fiscalização e segurança pública, como a GCM e a PM”, diz a administração municipal, em nota.