Textos foram encontrados pela filha na casa do escritor, morto em 2020
Rafael Cardoso – Repórter da Agência Brasil
Dois homens solitários, alheios aos protocolos sociais, constrangidos a serem parte de um mundo que lhes é estranho. Um tenta simular pertencimento, o outro aprofunda fuga e introspecção. Paulo e Jonas são os protagonistas de dois contos inéditos de Rubem Fonseca, que serão publicados em maio na comemoração do centenário de nascimento do escritor.
Um box especial, com três volumes, será lançado pela editora Nova Fronteira, e reunirá todos os contos já publicados do autor. Rubem Fonseca nasceu em 11 de maio de 1925 e morreu em 15 de abril de 2020 aos 94 anos. Deixou um legado literário que inclui trinta livros, entre os quais romances, novelas e coletâneas de contos.

Capa do livro de Rubem Fonseca com contos inéditos – Nova Fronteira/Divulgação
Um dos textos inéditos que chega ao leitor chama-se Natal. No enredo, um homem chamado Paulo percebe-se envelhecendo e fica angustiado por não ter companhia para comemorar a data.
“Percebeu que todos, ou quase todos, levavam embrulhos, sentindo-se subitamente mal com as mãos vazias, como se não fosse daquele mundo de pessoas apressadas, com um objetivo”, diz um trecho do livro.
O outro texto, chamado Arinda, traz Jonas, escritor que mergulha na própria ficção a ponto de afastar-se da realidade e passar a misturar as duas.
“Pouco importava a Jonas a sujeira do mundo em que vivia, o rosto magro e precocemente marcado das crianças que afagava, os homens cheios de rancor e desgosto, desesperadamente agarrados a uma vida que tudo lhes negava. Nada tinha que esquecer ou lembrar. Mágoas ou gozos, infância, adolescência, carinhos, mãe”, diz um trecho.
Bia Corrêa do Lago, escritora e filha de Rubem Fonseca, encontrou os textos inéditos em um armário na casa do pai, pouco tempo depois do falecimento. O móvel estava lotado de papéis que ela desconhecia, sobre os quais o pai nunca tinha comentado. Entre eles, contos escritos em 1948, aos 23 anos de idade, cerca de 15 anos antes do primeiro lançamento oficial como escritor.
“Escolhi esses contos porque me pareceram muito diferentes em estilo entre si. Ao mesmo tempo, estão muito relacionados com o que ele veio a desenvolver como escritor, como contista depois. Achei muito interessante ver que já estava ali o germe, a semente do escritor que ele viria a ser e que publicou o primeiro livro em 1963”, disse Bia, em entrevista à Agência Brasil.
“Para mim chama muito a atenção a originalidade dos contos e a maneira de escrever. Os temas também eram muito caros a ele, voltados para a solidão humana”.
Novidades
Cada um dos três volumes da edição especial terá um prefácio assinado por estudiosos da obra de Rubem Fonseca. O primeiro fica a cargo de Vera Lúcia Follain de Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela analisa os textos iniciais e os contos inéditos.
Maria Antonieta Pereira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresenta um estudo sobre a produção das décadas de 1990 e 2000 do escritor. E, no terceiro volume, Miguel Sanches Neto, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Paraná, traz uma leitura sobre o estilo do autor em seus últimos anos.

Rubem Fonseca e a filha Bia Corrêa do Lago. Foto: Bia Corrêa do Lago/Arquivo Pessoal
A caixa que abriga os volumes também tem um texto do ensaísta e poeta Silviano Santiago, que analisa a importância de Rubem Fonseca para a literatura brasileira.
“Estou realmente muito feliz de comemorar o centenário com esse box. Porque tem gente que se perde, não sabe nem o que procurar do meu pai. A coleção de contos é uma maneira de você ter tudo junto e conhecer a obra completa contística dele. Além de ter os inéditos, há estudiosos que comentam cada fase da obra dele. Acho que isso vai atrair muitas pessoas e novos leitores”, disse Bia Corrêa do Lago.
Outra novidade é que alguns textos do escritor foram revisados de acordo com as próprias anotações. A família cedeu anotações e correções do autor feitas nos exemplares pessoais dele. Há questões de pontuação e de grafia, e até palavras que ele julgou melhor substituir.
Considerado um “mestre do conto”, Rubem Fonseca ficou conhecido pelo estilo direto e escrita moderna. Entre as principais obras estão O caso Morel (1973), Feliz Ano Novo (1975), O Cobrador (1979), A grande arte (1983) e Agosto (1990). Venceu o Prêmio Jabuti seis vezes, os prêmios Juan Rulfo e Camões, e o Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Edição: Aline Leal
Foto Capa: Zeca Fonseca/Divulgação