A pergunta deve ser respondida observando algumas nuances. A primeira verificação a ser realizada para se alcançar a resposta é: de que tipo de aposentadoria se está falando? Aposentadoria voluntária ou aposentadoria por invalidez? Sim, é necessário definir desde logo de qual tipo de aposentadoria se está tratando para poder obter a resposta correta.
No caso da aposentadoria voluntária já existem precedentes do Conselho Nacional de Justiça, onde o art. 27 da Resolução CNJ n. 135/2011 é aplicado, pois ele estabelece que o magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar terá seu pedido de aposentadoria voluntária apreciado somente após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade eventualmente aplicada.
Por outro lado, no caso da invalidez permanente do magistrado para o exercício de suas funções, não existe margem de discricionariedade à Administração Pública quanto à concessão da aposentadoria, uma vez que o parecer da junta médica oficial é vinculativo para a decisão final do órgão que irá conceder o benefício da aposentadoria.
Ora, se o agente público ou político não está apto a continuar exercendo suas funções públicas por força da doença incapacitante, esse fato biológico supera a vontade do agente público ou político e da Administração Pública. Decorre daí que a aposentadoria por invalidez vai ter a característica de compulsoriedade, ainda que possa ocorrer a reversão, com o retorno do inválido ao serviço em atividade. Se ocorrer a recuperação do aposentado por invalidez, o retorno as funções anteriormente desempenhadas é imperioso, como determina o art. 25 da Lei Federal n. 8.112/1990.
Por ser possível a reversão acima indicada, o Conselho Nacional de Justiça reconhece a possibilidade de concessão de aposentadoria por invalidez no curso do Processo Administrativo Disciplinar, mas esclarece que a sua concessão não acarreta a perda do objeto de eventual processo disciplinar, ficando somente a eventual aplicação de penalidade sobrestada até que ocorra, se for o caso, a reversão da aposentadoria por invalidez.
À título de exemplificação dos julgados do Conselho Nacional de Justiça citam-se as seguintes:
CONSULTA. RESOLUÇÃO CNJ 135/2011. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA. DISPONIBILIDADE COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONCESSÃO. POSSIBILIDADE. AVALIAÇÕES PERIÓDICAS. SOBRESTAMENTO DA PENALIDADE. CONSULTA RESPONDIDA. 1. Consulta em que se examina a possibilidade de Tribunal conceder aposentadoria por invalidez a desembargador colocado em disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. 2. O artigo 27 da Resolução CNJ 135/2011 estabelece que o magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar só terá apreciado o pedido de aposentadoria voluntaria após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade. O intuito do dispositivo é impedir a burla ao processo disciplinar, conservar a pretensão punitiva da Administração e garantir o cumprimento da pena. 3. O texto constitucional impõe a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a concessão do benefício. Insubsistentes os motivos, a reversão à atividade será imediata. 4. Há, assim, que se conciliar o ato de incapacidade para o trabalho alheio à vontade do magistrado e do Tribunal – com o poder-dever da Administração de apurar as condutas praticadas ao tempo do exercício do cargo, de impor a sanção correspondente, caso constatada a falta funcional, e de fazer cumprir a pena aplicada. 5. Não sendo a aposentadoria por invalidez ato irrevogável e eterno, a sua cessação deve ser compatibilizada com as demais regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico. 6. Consulta respondida no sentido de que: o magistrado colocado em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço pode ser aposentado por invalidez caso comprovada a incapacidade para o trabalho. Contudo, será obrigatória a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a sua concessão, devendo a penalidade ficar sobrestada até que sobrevenha ocasional reversão. (CNJ – CONS – Consulta – 0006176-24.2020.2.00.0000 – Rel. MARIA TEREZA UILLE GOMES – 78ª Sessão Virtual – julgado em 04/12/2020).
REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NO CURSO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONCESSÃO VÁLIDA. CONTINUIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR. PENALIDADE DISCIPLINAR. SUSPENSA. PROCEDENTE. […] PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE É válida a concessão de aposentadoria por invalidez no curso de processo administrativo disciplinar. É cediço que, na aposentadoria por invalidez, o tribunal não tem discricionariedade entre conceder ou não a aposentadoria. Caso constatada a moléstia que invalida o magistrado, este deve ser imediatamente aposentado, ainda que não queira. Sabe-se, de igual modo, que, nessa espécie de aposentadoria, pode ocorrer o instituto da reversão, em que o aposentado, cessando-se a situação clínica que o torna inválido, retorna aos seus serviços. Por tal motivo, essa concessão não tem o condão de impedir o prosseguimento de procedimento administrativo disciplinar, posto que o tribunal preserva a sua pretensão punitiva até que o magistrado complete 70 (setenta) anos. Assim, o decreto administrativo condenatório deve ficar sobrestado até eventual reversão do magistrado, quando lhe será aplicado. (REVDIS 0004444-86.2012.2.00.0000, Rel. Cons. Jefferson Kravchychyn, julgado em 19/02/2013).
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROCRASTINAÇÃO DA MARCHA PROCESSUAL NA ORIGEM. SUCESSIVAS ARGUIÇÕES E DECLARAÇÕES DE SUSPEIÇÃO. AVOCAÇÃO DO PAD. AVOCAÇÃO DO PROCESSO PELO PLENÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NO CURSO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONCESSÃO VÁLIDA. CONTINUIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR. PRELIMINARES REJEITADAS. DILATAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS. DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DE PORTARIA. ACÓRDÃO QUE INDICOU OS FATOS IMPUTADOS, NOS TERMOS DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. SERENDIPIDADE. ENVOLVIMENTO COM NARCOTRAFICANTE. CONDUTA INCOMPATÍVEL COM O EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. VIOLAÇÕES AOS ARTIGOS 1º, 15, 16, 17 E 19, DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, BEM COMO AOS DEVERES FUNCIONAIS INSERTOS NO ART. 35, VIII, DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. […] 3. É válida a concessão de aposentadoria por invalidez no curso do processo administrativo disciplinar. Pelo fato de existir a possibilidade de reversão da situação de aposentadoria do magistrado, conserva-se a pretensão punitiva, o que faz com que o PAD não perca o objeto ante a concessão de aposentadoria por invalidez. Concedida essa, o PAD continua o seu prosseguimento normal e a eventual penalidade fica sobrestada até casual reversão. (PAD 0006111-73.2013.2.00.0000, Rel. NORBERTO CAMPELO, julgado em 08/11/2016).
DIREITO ADMINISTRATIVO. DISCIPLINAR. PROCESSO MAGISTRADO. OMISSÃO NA CONDUÇÃO DE SESSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. EXPRESSÕES MISÓGINAS E DEPRECIATIVAS DIRIGIDAS A MULHERES DURANTE O JULGAMENTO. INOBSERVÂNCIA DO PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE CENSURA. I. CASO EM EXAME 1. Processo Administrativo Disciplinar instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça para apurar a conduta do magistrado Carlos Henrique Jardim da Silva, Juiz Presidente da 3ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus/AM, durante sessão plenária de julgamento, em que teria se omitido diante de manifestações misóginas e depreciativas proferidas pelo promotor de justiça contra a vítima do crime e a advogada de defesa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se o magistrado incorreu em omissão ao não intervir em falas ofensivas e discriminatórias durante a sessão de julgamento; e (ii) avaliar se a conduta do magistrado caracteriza descumprimento das normas éticas e legais aplicáveis à magistratura, especialmente em relação ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Questão de ordem: é válida a concessão de aposentadoria por invalidez no curso do processo administrativo disciplinar. Pelo fato de existir a possibilidade de reversão da situação de aposentadoria do magistrado, conserva-se a pretensão punitiva, o que faz com que o PAD não perca o objeto ante a concessão de aposentadoria por invalidez. Concedida essa, o PAD continua o seu prosseguimento normal e a eventual penalidade fica sobrestada até eventual reversão. 4. O magistrado tem o dever de dirigir os debates e intervir em casos de abuso e excesso de linguagem, nos termos do art. 497, III, do CPP, o que não ocorreu na sessão em questão. 5. A ausência de medidas eficazes por parte do juiz para coibir as manifestações ofensivas e misóginas do promotor de justiça resultou na revitimização da vítima e nas ofensas sofridas pela advogada de defesa, configurando violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da urbanidade. 6. O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, estabelecido pela Resolução CNJ n. 492/2023, impõe ao magistrado a obrigação de prevenir e coibir práticas processuais discriminatórias, sendo sua observância um imperativo ético e legal. 7. A omissão do magistrado compromete a integridade do julgamento, bem como a proteção das partes envolvidas, caracterizando infração disciplinar prevista no art. 35, I, da LOMAN e nos arts. 3º, 9º e 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Pedido procedente. Aplicação da sanção de censura ao magistrado. A penalidade ficará sobrestada em razão da concessão de aposentadoria por invalidez ao magistrado requerido até eventual reversão do magistrado em suas funções. Tese de julgamento: 1. O magistrado tem o dever de intervir em manifestações abusivas ou discriminatórias durante o julgamento, zelando pela dignidade e pela urbanidade do ato processual. 2. A inobservância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero configura violação dos deveres funcionais do magistrado. 3. A omissão do juiz diante de discursos ofensivos pode acarretar responsabilização disciplinar por procedimento incorreto. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, 3º, IV, e 5º; LOMAN, art. 35, I; Código de Ética da Magistratura Nacional, arts. 3º, 9º e 20; CPP, arts. 497, III, e 474-A; CPC, art. 78, §1º; Resolução CNJ n. 492/2023; Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW (Decreto n. 4.377/2002); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher Convenção de Belém do Pará (Decreto n. 1.973/1996). Jurisprudência relevante citada: CNJ – Processo Administrativo Disciplinar- 0003722-66.2023.2.00.0000, Relator Salise Sanchotene, 17ª Sessão Ordinária de 2023 – julgado em 14.11.2023; CNJ – Processo Administrativo Disciplinar 0004707-69.2022.2.00.0000 – Rel. Marcello Terto – 6ª Sessão Ordinária de 2023 – julgado em 25.04.2023. (PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO – 0002989-66.2024.2.00.0000. Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ. Requerido: CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA Relatora: CONSELHEIRA RENATA GIL).
Portanto, o Conselho Nacional de Justiça reconhece a possibilidade de ser deferida a concessão da aposentadoria por invalidez, em razão do caráter vinculativo do ato de aposentação, por haver um laudo médico do qual a autoridade concedente não pode deixar de considerar na sua decisão.
No entanto, o Conselho Nacional de Justiça ressalva a inexistência de perda do objeto do Processo Administrativo Disciplinar eventualmente aberto, uma vez que os efeitos de eventual penalidade aplicada ao magistrado permanecerão suspensos até que ocorra eventual reversão da aposentadoria, observando-se ainda o limite de tempo dos 70 (setenta) anos de idade do aposentado, conforme o art. 27, caput, da Lei Federal n. 8.112/1990.
Por fim, no caso da aposentadoria voluntária, reitera-se que o art. 27 da Resolução CNJ 135/2011 já estabeleceu que o magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar somente terá apreciado o pedido de aposentadoria voluntaria após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade, tendo em vista que o intuito deste dispositivo da citada resolução é impedir a burla ao processo disciplinar, conservar a pretensão punitiva da Administração e garantir o cumprimento da pena (CNJ – CONS – Consulta – 0006176-24.2020.2.00.0000 – Rel. MARIA TEREZA UILLE GOMES – 78ª Sessão Virtual – julgado em 04/12/2020).
Em suma, o juiz respondendo a processo administrativo disciplinar pode se aposentar em caso de invalidez, o que não faz perder a eficácia ou objeto da apuração disciplinar, pois os efeitos de eventual penalidade aplicada ao magistrado permanecerão suspensos até que ocorra eventual reversão da aposentadoria, observando-se ainda o limite de tempo dos 70 (setenta) anos de idade do aposentado, conforme o art. 27, caput, da Lei Federal n. 8.112/1990.
E o juiz que pede aposentadoria voluntária no curso do processo administrativo disciplinar somente terá apreciado o pedido de aposentadoria voluntaria após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade nos termos do art. 27 da Resolução CNJ 135/2011 para evitar a burla ao processo disciplinar, conservar a pretensão punitiva da Administração e garantir o cumprimento da pena.