A Justiça Estadual determinou que a Confederação Nacional das Cooperativas Médicas se limite a cobrar até o percentual de 30% de coparticipação dos clientes de Campo Verde (134 km de Cuiabá) em tratamentos e terapias contínuas para melhorar capacidades cognitivas e comportamentais. A decisão liminar atende à ação civil pública movida pela Defensoria Pública de Mato Grosso em favor de mais de 100 famílias que integram a Associação de Deficientes de Campo Verde (AME). No entanto, o pedido abrange todas as famílias do município que vivem o mesmo problema.
A AME procurou a Defensoria Pública reclamando da abusividade das cobranças e informando que muitas famílias estariam endividadas e contando com auxílio de parentes para conseguir custear o plano ou até mesmo desistindo do tratamento. Na ação, a defensora pediu que a cobrança de coparticipação para as terapias e tratamentos com autistas fossem suspensas totalmente, com base na Resolução 469/2021 da Agência Nacional de Saúde (ANS), que define tais tratamentos como sendo de prestação continuada e sem limite de sessões, e no Código de Defesa do Consumidor.
“As mães estão bem contentes e acreditamos que já é o início de uma vitória, reduzir 100% da cobrança para 30%, mas vou analisar se vamos recorrer. Pois, se houver uma onerosidade excessiva, mesmo com essa decisão vamos recorrer. O que posso dizer, por hora, é que foi um avanço muito grande, uma atuação muito profícua da Defensoria Pública na defesa dos portadores de autismo de todo o município”, declarou a defensora Tania Vizeu.
Ao todo, 15 famílias documentaram na Defensoria Pública que desde o ano passado não conseguem ter ou manter o tratamento continuado de seus filhos. A defensora lembra que um dos agravantes é que o tratamento tem faixa etária definida para ter resultado eficaz no desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes. “Se as crianças perdem a janela de tempo de melhor fase para receberem estímulos, o desenvolvimento pode até ocorrer depois, mas será prejudicado. E, o mais importante é, se com a Resolução 469 não há mais limitação no número de sessões para o tratamento para pacientes autista, resta evidente que não se pode mais cobrar coparticipação por sessão realizada”, argumenta.
Tânia lembra que a “onerosidade excessiva e ilegal dos contratos” obriga as famílias a desistirem do tratamento prescrito pelo médico ou a se endividarem, quando não encontram alternativas para o pagamento do mínimo necessário. A limitação no tratamento gera piora no comportamento e na vida social das crianças e adolescentes, que sofrem crises nervosas por incapacidade de lidar com emoções, por hipersensibilidade a sons e luz, pela queda na saúde emocional e na qualidade de vida.
Originalmente Tânia também pediu, por danos morais coletivos, que a prestadora de serviço de saúde pague o valor de R$ 100 mil, que não encerre os contrato com as famílias e que as crianças e adolescentes autistas de Campo Verde que contratam a Unimed recebam tratamento multidisciplinar integral, tais como terapias de Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e Ayres, segundo prescrição médica e sem limites na quantidade das sessões.
“Inicialmente, conseguimos redução desse custeio, para todos, em 70%, sendo que o objetivo é a interrupção total dessa cobrança por várias especificidades e vulnerabilidades. Realizei diversas reuniões com as mães, audiências públicas e ainda estamos no caminho. Mas só dar voz e conseguir uma resposta positiva para um caso onde as pessoas não tinham mais fé, é uma vitória muito grande”, concluiu a defensora.
Valor exorbitante – Uma das mães que figura no processo, Ludimila dos Santos, comprova que o valor mensal do plano de saúde de sua filha foi de R$ 207, no mês de outubro de 2023, já a coparticipação chegou a R$ 2.026, após 26 atendimentos terapêuticos, um atendimento de pronto socorro e um de terapia ocupacional. A defensora pontua que o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 47, prevê que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de modo mais favorável ao consumidor.
“A respeito das cláusulas contratuais, importa registrar que, em que pese a possibilidade da cobrança a título de coparticipação aos consumidores dos planos de saúde, referida imposição não pode constranger o consumidor a cobrança excessiva e que inviabilize o tratamento das crianças e adolescentes ou que caracterize financiamento integral”, argumenta.
TEA – O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) afeta o desenvolvimento neurológico, e é caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social e pela presença de comportamentos ou interesses repetitivos ou restritos. Esses sintomas caracterizam o núcleo do transtorno, mas a gravidade de sua apresentação é variável. Os tipos de autismo englobados na ação são os de CID 11, que abrangem nove tipos caracterizados como 6A02 e suas subcategorias.
Os tratamentos multidisciplinares que resultam em respostas nesses pacientes envolvem acompanhamento de fonoaudiólogo, psicóloga, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e outros, como o uso da técnica de integração sensorial de Ayres, aplicada há mais de 40 anos, com base em estudos de neurociência, biologia, educação, psicologia e terapia ocupacional e que, como a ABA, é prescrita por médicos no tratamento pelos bons resultados.
O TEA é frequentemente associado a outros transtornos psiquiátricos: do deficit de atenção, hiperatividade, depressão e ansiedade. E a outras condições médicas como epilepsia, esquizofrenia e transtornos genéticos, o que amplia as dificuldades motoras dos pacientes e as dificuldades das famílias. “Quando é detectado qualquer atraso, a estimulação precoce é a regra. Retardar a estimulação significa perder o período ótimo de estimular a aquisição de cada habilidade da criança, por isso, a urgência em solucionar a situação dessas famílias”, assegura a defensora.