Todas as campanhas de prevenção são elaboradas pelo Ministério da Saúde que adotou um descaso temerário sobre informações e orientações referentes à síndrome, acarretando aumento nas manifestações de Aids, hepatites virais e sífilis. Quem faz a denúncia é a enfermeira Maria Caroline Lopes, do programa DST/Aids da Coordenadoria de Educação em Saúde da Secretaria de Saúde de Cuiabá.
“As campanhas são feitas sem os cuidados na elaboração, sem análise e revisão comportamental ou verbal, chegando, em alguns casos, a escancarar preconceitos que provocam a ira nos grupos atingidos pelas más colocações, gerando denúncias. Aí, todo o material é recolhido e a campanha, suspensa”, explica a enfermeira. O Governo Federal, autor das campanhas, engessa estado e municípios para efetuarem suas próprias diretrizes na prevenção e cuidados com a Aids.
Maria Caroline vê a falta de orientação nas escolas para alunos que estão iniciando a vida sexual como uma contribuição para a incidência das doenças sexualmente transmissíveis (DST). “Eles estão órfãos da presença do poder público nessa área”, explica a enfermeira.
Quem também lamenta a ineficiência das campanhas de prevenção é a coordenadora do Serviço de Atendimento Especializado em HIV/Aids (SAE), Cleciane Maximiano Tabile. “Elas são irrisórias perto das necessidades” e explica que, por falta de profissionais na equipe de suporte, não ocorre oferta preventiva, sendo o setor privado quem procura por palestras de prevenção, quando deveria ser o contrário.
“O ideal seria que todos os soropositivos se cadastrem e façam o tratamento no SAE para evitar contágio, pois muitos acabam procurando tratamento particular de doenças oportunistas decorrentes da Aids e mantêm sigilo da soropositividade, aumentando o risco de proliferação da doença”, alerta a coordenadora. Ela informa que são mais de 2.000 soropositivos cadastrados.
Segundo a coordenadora, muitos abandonam o tratamento por um período que compromete, sobremaneira, o sistema imunológico. Quando voltam, as ‘justificativas’ são das mais variadas e necessitam passar por uma nova bateria de exames para ser prescrito novo tratamento a partir dos resultados. Cleciane explica que tiveram problema por cerca de três meses na realização do exame de carga viral devido a reformas estruturais no prédio, mas o serviço já está normalizado.
A equipe do SAE está passando por curso de capacitação em testes rápidos de HIV e hepatites virais para, posteriormente, desenvolver ações pontuais incentivando a população a realizar os exames. “Muitos pacientes ficam com medo de fazer exame e dar positivo. Teve um que chegou a pular o muro do SAE para fugir do exame”, relatou Cleciane.
Soropositivo é engajado nas lutas de prevenção
Jonair César, homossexual e soropositivo, é um exemplo de multiplicador das formas de prevenção da Aids. Em julho, participou em Brasília do Encontro Nacional de Jovens Vivendo e Convivendo, com recursos obtidos junto à sua irmã que tem um salário baixo, pois a burocracia que impera na Secretaria Municipal de Saúde é tão grande que não conseguiu ajuda para viajar. Nesse encontro, discutiram-se políticas públicas de Aids para fortalecer a luta dos soropositivos. O resultado da participação foi a implantação do Projeto Play, que consiste na entrega de kits de prevenção em locais que predomina o público LBGTS (Lésbicas, Bissexuais, Gays, Travestis e Simpatizantes).
César é um dos cadastrados no Serviço de Atendimento Especializado (SAE) e diz ser muito bom o atendimento. “Algumas vezes sinto preconceito e receio de alguns que fazem parte da equipe de profissionais”, reclama. Outro ponto de queixa é sobre as condutas médicas que tem de seguir: “Como temos que fazer exames e pegar remédios constantemente, essas ações são ‘picadas’ e, no meu caso, preciso faltar ao serviço e nem sempre o patrão entende. Uma medida que ajudaria muito seria a unificação dos atendimentos em um único dia. É preciso ter sensibilidade para a facilitação. De três em três meses precisamos fazer a contagem da carga viral, o CD4 e CD8 – contagem de linfócitos”, sugere o soropositivo.
Engajado, batalhador, frequentador de academia, estuda e trabalha para manter-se saudável. O equilíbrio em que se encontra atualmente é decorrente do grande apoio que recebe da família. César relata que teve medo em contar aos familiares, mas a reação foi tão positiva que o medo se transformou em coragem de luta. Ele acredita que a segurança que a mãe passa para ele e a coragem para desenvolver ações vêm do receio que ela sentiu de perdê-lo quando descobriu a soropositividade. “Esse medo fez com que virasse uma mãe de verdade!”.
Jonair critica com veemência a política pública de prevenção direcionada aos jovens e a falta de serviço de proteção nas escolas: “Quando o Estado não cumpre o papel de prevenção corretamente, o número de portadores aumenta e os gastos ficam muito maiores”.
A Aids é doença crônica
Em 1995, o coquetel de medicamentos passou a ser prescrito para os portadores do HIV que, atualmente, conseguem conviver com o vírus por longos períodos ou até o fim de uma vida bastante longa. Essa associação de várias drogas diferentes, entre elas o AZT, mudou por completo o panorama do tratamento da Aids, que deixou de ser uma moléstia uniformemente fatal para transformar-se em doença crônica passível de controle. Hoje, a Aids não tem cara.
Na maioria dos casos, os sintomas iniciais podem ser tão leves que são atribuídos a um mal-estar passageiro. Quando se manifestam com mais intensidade, são os mesmos de várias outras viroses, mas podem variar de acordo com a resposta imunológica de cada indivíduo.
Os mais comuns são febre constante, manchas na pele (sarcoma de Kaposi), calafrios, ínguas, dores de cabeça, de garganta e dores musculares, que surgem de duas a quatro semanas após a pessoa contrair o vírus. Nas fases mais avançadas, é comum o aparecimento de doenças oportunistas como tuberculose, pneumonia, meningite, toxoplasmose, candidíase, etc.
O vírus HIV sobrevive em ambiente externo por apenas alguns minutos. Mesmo assim, sua transmissão depende do contato com as mucosas ou com alguma área ferida do corpo. A Aids não se transmite por suor, beijo, alicates de unha, lâminas de barbear, uso de banheiros públicos, picadas de mosquitos ou qualquer outro meio que não envolva penetração sexual desprotegida, uso de agulhas ou produtos sanguíneos infectados. Existe também a possibilidade da transmissão vertical, ou seja, da mãe infectada para o feto durante a gestação e o parto (Aids congênita).
Em Cuiabá, os portadores do vírus são atendidos pelo SAE, que dispõe de uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, farmacêuticos, dentistas e médicos capacitados para darem tratamento específico aos portadores do vírus.