O facão é estratégia de Lario para tentar sobreviver nas ruas de San Pedro Sula, cidade do norte de Honduras com o triste título de a mais violenta do mundo.
É o resultado de uma intensa guerra entre gangues por território, do narcotráfico internacional e da ineficácia tanto da polícia como do sistema judiciário para prender e julgar criminosos.
Com uma população de cerca de 750 mil, a cidade registrou 174 assassinatos para cada 100 mil habitantes, o dobro da média do país. A probabilidade de ser morto é 14,5 vezes maior do que na cidade de São Paulo.
Ainda mais do que numa cidade brasileira, é o medo da violência que molda a vida em San Pedro.
Quase todos os carros circulam com vidros escuros, a classe média se refugia em condomínios e os bairros mais pobres são controlados por gangues, que disputam territórios entre si e extorquem dinheiro -o "impuesto de guerra"- de moradores e comerciantes.
"As 'maras' (gangues) estão aumentando incrivelmente, incrivelmente", repete à Folha Oscar Giovani Mejia, 17, ex-morador de rua e hoje abrigado na Fundação ProNiño, ligada à Igreja Católica.
"Na minha época, só havia duas. Agora, cada bairro tem os salvatracucha, os MS-18, os patos locos, os azules, os ultra e por aí vai".
A convivência com a morte se banalizou. Na semana em que a reportagem da Folha esteve na cidade, dezenas de estudantes se aglomeravam diante do corpo de Laura Andrade, 15, morta com três tiros às 15h30, enquanto vendia café à beira de uma avenida da periferia.
"Seis dias atrás, mataram um amigo. Disseram que era assaltante, mas era da minha igreja", conta uma estudante de 17 anos, moradora da região, sobre a vez anterior que havia visto um morto.
Nas áreas mais nobres, onde poucos andam a pé, chama a atenção a presença ostensiva de seguranças privados, a maioria portando longas escopetas calibre 12.
Segundo levantamento da ONU, Honduras tem 70 mil guardas privados, muitos clandestinos, o dobro da soma de todos os policiais e soldados do Exército.
Uma parte importante da rotina da cidade é a leitura dos jornais. Em formato tabloide, destacam diariamente na capa os crimes mais graves -o "La Tribuna" tem uma seção fixa na primeira página intitulada "mortes violentas de ontem".
Os repórteres, porém, não vão além de reproduzir as informações oficiais e ouvir familiares de vítimas, devido ao medo de represálias. Desde janeiro de 2009, quando assumiu o atual presidente, Porfírio "Pepe" Lobo, 29 foram assassinados.
Em San Pedro, a vítima mais recente foi o conhecido âncora da TV Globo (sem relação com a brasileira) Aníbal Barrow, sequestrado e assassinado em junho. O corpo foi mutilado -cabeça, braços e pernas desmembrados.
Para a socióloga Julieta Castellanos, reitora da Universidade Nacional Autonôma de Honduras, embora o país seja rota para o narcotráfico (42% da cocaína rumo aos EUA passam por ali, segundo o Departamento de Estado americano), as gangues disputam principalmente o controle do mercado interno.
A industrializada região de San Pedro seria a mais disputada, por concentrar dois terços do PIB no país.
Intermediador de uma fracassada trégua entre as gangues, o bispo auxiliar da cidade, Rómulo Emiliani, diz que o crime organizado internacional e as gangues são responsáveis pela maioria das mortes, mas aponta a impunidade e a pobreza extrema como outros fatores.
Folha