O perfil dessa população demonstra que o acesso aos serviços financeiros são exclusividade das classes mais abastadas nas grandes cidades: o brasileiro "sem banco" é pobre, negro, tem baixa instrução e vive nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo no interior do país.
Segundo a pesquisa, realizada nos meses de fevereiro e março deste ano, essa população movimenta anualmente R$ 665 bilhões fora do sistema bancário brasileiro. Nesse grupo, 60% são negros e 68% têm no máximo o ensino fundamental completo. Em contrapartida, apenas 1% dos brasileiros com ensino superior completo não possuem contas bancárias. A cobertura também varia conforme a região brasileira: no Norte e no Nordeste cerca de metade da população adulta não é cliente dos bancos. Nas demais regiões, esse grupo fica abaixo dos 35%.
Outro aspecto relevante é quanto às relações de trabalho dos "sem banco": trabalhadores autônomos (26%) ou sem carteira assinada (20%) são maioria, seguidos pelas donas de casa (17%). Por outro lado, apenas 8% desse grupo possui vínculo empregatício formal.
Segundo Fernando Nogueira da Costa, professor do Instituto de Economia da Unicamp, os bancos não tentam atingir esse público-alvo, por se tratarem da parcela mais pobre da população brasileira:
"Quase metade desses brasileiros 'desbancarizados' está fora do mercado de trabalho – são donas de casa, desempregados, estudantes e aposentados. Em outras palavras, não constituem o público-alvo de bancos. Evidentemente, estes são demandados por gente participante da PEA [população economicamente ativa] urbana que tem vida econômico-financeira ativa. Os "sem-renda" (e sem-riqueza) são 'sem-conta'", explica em seu blog.
Para a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) – que se recusou a comentar os resultados da pesquisa – o número de clientes dos bancos têm crescido rapidamente: o Brasil passou de 82 milhões de contas correntes em 2008 para 97 milhões em 2012, com uma taxa de crescimento de 4% ao ano. Já o número de cadernetas de poupança subiu de 90 milhões para 102 milhões no mesmo período, crescendo a um ritmo anual de 3%. Para Nogueira da Costa esses números, no entanto, não distinguem os brasileiros que possuem mais de uma conta ou poupança e, por isso, apresenta problemas metodológicos:
"O problema metodológico é simples, mas é simplesmente ignorado! Até mesmo pela Febraban… Haja visto seus dados aparentemente inconsistentes: 92 milhões de contas correntes ativas e 54 milhões de bancarizados?! Qual é o tamanho da elite econômica que tem mais de uma conta bancária? Não se sabe, porque não há controle central dos CPFs de todos os clientes de bancos por causa do "sigilo bancário" – e nenhuma pesquisa-de-opinião coloca isso como quesito", critica o especialista.
Mais pobres têm dificuldades com finanças
O estudo do Data Popular mostra que, quanto menor o nível de renda, maior é a aversão da população em utilizar os serviços bancários. Na classe baixa, 45% dos entrevistados disse concordar com a afirmação "evito ao máximo usar os serviços de bancos", enquanto essa porcentagem cai para 37% entre a classe alta. Da mesma forma, 47% dos mais pobres dizem preferir pedir dinheiro emprestado para uma pessoa próxima do que utilizar mecanismos de crédito. Uma coisa, no entanto, está alheia às classes sociais: 71% dos brasileiros se sentem mau atendidos nos bancos.
As justificativas para essa rejeição são muitas, segundo a pesquisa. Os brasileiros consideram o atendimento frio e impessoal e veem os bancos como algo complicado. Grande parte dessa população – principalmente os mais pobres – sente constrangimento em procurar os serviços e acredita que eles são feitos apenas para quem tem dinheiro.
A pesquisa ouviu 2006 brasileiros em 53 cidades de todas as regiões brasileiras e tem uma margem de erro de 2,19%.
Inclusão precária
De acordo com Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), o processo de "bancarização" se acentuou nos últimos anos, fruto dos cartões distribuídos pelos programas governamentais de distribuição de renda e pela disseminação do crédito. Mas as instituições financeiras – ao mesmo tempo – precarizaram o atendimento, sem ter a preocupação de se adaptar às necessidades dessa população menos instruída e sem vivência bancária anterior:
"Os bancos querem o dinheiro dessa população, mas não querem dar assistência adequada a ela. Nas pesquisas que realizamos, tem muito consumidor com dificuldades de lidar com senhas, de operar os caixas. Ele acaba vítima de fraudes naquele momento. Identificamos a necessidade de ter mais pessoas na área de atendimento, capacitadas sobretudo para lidar com esse novo público, mas isso não ocorre", afirma.
A economista ainda aponta a pulverização dos serviços para além das agências bancárias – notadamente para os correspondentes bancários, supermercados e casas lotéricas – como uma outra forma dos bancos lucrarem sem garantirem aos clientes um atendimento digno:
"É frequente nos depararmos com problemas como cobranças indevidas e tempo de espera nas agências. Nos correspondentes bancários não há quem garanta os direitos do correntista. Hoje os bancos têm uma exigência em relação ao tempo de espera para atendimento, mas ninguém controla isso nas casas lotéricas, que viraram efetivamente agências bancárias", aponta.
Dados do IDEC mostram que o mau atendimento nos serviços bancários são recorrentes. Nos últimos três anos, o setor esteve entre os campeões de reclamações: foi terceiro em 2010 (14,17% das queixas), primeiro em 2011 (16,64%) e segundo alvo de queixas em 2012 (20,40%). Entre as principais reclamações dos consumidores estão as taxas de juros abusivas, a inscrição em cadastros de maus pagadores e a cobrança indevida por serviços não contratados.
Fonte: Jornal do Brasil