Ele diz que o governo Silval Barbosa herdou o déficit e que a grande quantidade de “fundos” acabou onerando o Tesouro. Confira a íntegra da entrevista:
Circuito Mato Grosso – Secretário, por que o Estado está gastando mais do que arrecada, como mostra relatório do TCE?
DE CURSI – Há um déficit recorrente desde 2009. Os déficits são decorrência de uma trajetória de queda da carga tributária, haja vista que neste período o Estado reduziu a carga para inúmeros itens, dentre os quais destacamos energia elétrica, telefonia, álcool, comércio, empresas do Simples com metade da carga nacional na aquisição interestadual. Ou seja, a política tributária seguiu o caminho da redução de tributos, descendo 30% a carga tributária, reduzida de 11,5% do PIB em 2004 para próximo de 9% do PIB MT em 2011. Neste período, acumularam-se, ainda, frustrações de receitas federais suprimidas pela União mediante estímulo federal à atividade econômica nacional e crises econômicas. Ainda nesta época, a política do gasto aumentou a infraestrutura pública, gerando despesas de caráter continuado. Também, em Mato Grosso, o Executivo tem pouco recurso, hoje ele fica com 86,2% do orçamento, sendo que a média nacional é o Poder Executivo ter 91% do orçamento. Esta pequena diferença de 4,8% significa R$450 milhões que estariam dentro do Executivo e cobririam o referido déficit. Quanto à trajetória do déficit, ele foi formado pela trajetória crescente de infraestrutura, crescimento da folha de pessoal, redução da participação do Executivo no orçamento, política de redução de carga tributária e crise econômica mundial.
CMT – Conforme o TCE, o Estado precisa rever a evolução das despesas quando comparadas com as receitas, pois, nesse ritmo, ao final de 2014, o Estado apresentará um déficit de mais de R$5 bilhões. O que está sendo feito para estancar o aumento das despesas?
DE CURSI – A partir de julho de 2012, o governador Silval Barbosa determinou a intensificação de medidas. Esta intensificação no segundo semestre tomou a forma de forte contenção dos gastos mediante restrições à capacidade de empenho, liquidação e pagamento. Isso rompeu com o ciclo de déficit crônico desde 2009 e resultou em superávit orçamentário de R$190 milhões, ou seja, depois de três déficits consecutivos, obtivemos um superávit orçamentário. Esta mudança foi muito importante e representa uma contenção das despesas, sem no entanto restringir ou contingenciar programas sociais e as secretarias de Saúde, Educação, Secopa, Segurança, Justiça e Cultura, bem como o Indea e a Empaer. Já tomamos, assim, as medidas, a partir de julho de 2012, havendo necessidade de mantê-las, no mínimo, até o final deste ano.
CMT – Foi devido a esse quadro que houve a necessidade de um controle mais rigoroso e a concentração de fundos e do orçamento na Conta Única?
DE CURSI – As distorções das finanças foram herdadas pelo governador Silval Barbosa, ou seja, já em 2004 foram fechadas mediante a Lei complementar Estadual nº 199/2004. Portanto, desde esta época uma distorção estava afetando as finanças. Esta distorção consiste no excesso de fundos, ou seja, vão se retirando recursos do Tesouro, diminuindo o caixa central e destacando receitas dele para entregar para um fundo. Este fundo passa então a gastar as receitas originalmente pertencentes ao Tesouro, sem levar consigo as despesas que o Tesouro pagava com as mesmas. Desta forma, ano após ano, fundo após fundo, o Tesouro acabou ficando com todas as despesas e menos de 30% das receitas totais. Isto mesmo: ficou com 100% das despesas preexistentes e menos 70% das receitas preexistentes. A situação se agravou com o tempo, pois em alguns casos o fundo ficou deficitário e o Tesouro passou a suportar o déficit do mesmo. Por isso a necessidade de buscar de volta as receitas dos fundos. O controle rigoroso se explica porque não há sobras, não há gorduras, bem como pelo fato de a Assembleia Legislativa ter aprovado em 2012 lei limitando o uso dos fundos em 30% da receita do mesmo e determinado aos fundos que paguem as suas despesas, ou seja, se equilibrem para não gerar déficit ao Tesouro. Neste momento estamos implantando esta nova ordem financeira. Penso que por isso há tanta estranheza, pois assim como o Tesouro não pode usar mais de 30%, todos tiveram de alguma forma de corrigir déficits.
CMT – Quanto tem sobrado anualmente para investimentos no Estado, de recursos próprios?
DE CURSI – A cada investimento feito, mais recursos próprios são demandados. Explico: o dinheiro do Fethab, uma vez utilizado nos últimos anos para pavimentar três mil quilômetros de rodovias, agora precisa ser utilizado para dupla finalidade: manter os próprios três mil quilômetros e ainda pavimentar mais quilômetros. Evidente que ocorre um ponto de inflexão, ou seja, haverá um momento em que o Fethab vai alcançar seu esgotamento, pois à medida que pavimentamos também criamos a respectiva manutenção. Neste sentido, para um Estado em que 30% da economia está diretamente desonerada por ser de exportação e outros 30% estão indiretamente desonerados por estarem ligados a atividade de exportação, temos que a base tributária do Estado é menos da metade da economia, no entanto a economia toda demanda recursos. Aqueles que estão desonerados também demandam infraestrutura, escolas, saúde e educação, e isso gera uma limitação crônica para Mato Grosso. Estamos em um momento crucial e a redução de gastos precisa ser geral, de forma tal que aumente a participação do Poder Executivo no orçamento. Neste momento, é inevitável utilizar operações de crédito, pois o Executivo está suportando sozinho a Copa de 2014, tendo ainda que assegurar aos demais Poderes a transferência de recursos como se a Copa inexistisse, ao mesmo tempo em que é mensalmente cobrado de eventuais diferenças, ainda que sejam elas pequenas.
CMT – Em 2006, a carga tributária estadual representava 9,94% do PIB, mas em 2011 a relação ficou ainda menor, para 8,84%. O senhor acha que esse é um indicativo de que o governo estadual precisa rever a política tributária e a contenção dos gastos públicos?
DE CURSI – É verdade que houve efetiva redução de carga tributária. A sociedade pediu e defendeu isso e até elegeu governantes para isso. O problema é que existe um custo público médio para governos subnacionais, ou seja, um governo subnacional com receitas abaixo de 10% do PIB local tem dificuldades para se manter. O Executivo tem buscado resolver este problema, primeiro focando na eficiência tributária de padrões internacionais, próxima de 88%, ou seja, de cada 1 real de potencial se arrecadam 88 centavos. Será preciso, em algum momento, enfrentar a questão do ajuste ou não desta carga tributária, avaliando se ela deve ou não pelo menos retornar ao nível de 2006 ou decidir quais cortes faremos nos orçamentos e despesas de todos. Neste momento, o ajuste fiscal e a execução da Copa do Mundo estão sendo realizados integralmente concentrados no Poder Executivo, que está suportando sozinho todas as suas consequências. O Estado efetivamente reduziu a carga para inúmeros itens. Ou seja, a política tributária seguiu o caminho da redução de tributos. E a recuperação da carga tributária aos níveis de 2006 significaria dobrar a capacidade atual de investimento com recursos próprios, pois não é coerente termos uma sociedade rica e um Estado pobre ou vice-versa.
Por Débora Siqueira – Da redação
Fotos: Pedro Alves