Nacional

Filha “solteira” de magistrado perde de novo na Justiça pensões de R$ 43 mil

Ela se casou no religioso e teve dois filhos com o companheiro, mas, para manter as pensões, alega em processo nunca ter tido união estável.
 
O iG revelou o caso de Márcia Couto em maio de 2012 e mostrou que este não é um fato insólito. No Estado do Rio, há 30.239 pensionistas “filhas solteiras”. A Procuradoria do Estado e o RioPrevidência consideram que muitas delas se casam de fato, mas não oficialmente, apenas para manter o benefício, prática considerada “fraude à lei”. Após a série de reportagens, o RioPrevidência iniciou um recadastramento, que já resultou em 6.092 pensões suspensas, e economia anual estumada em R$ 100 milhões.
 
Dois dias após matéria do iG , a juíza Alessandra Tufvesson, da 15ª Vara de Fazenda Pública, cassou as pensões – uma do RioPrevidência e outra do Tribunal de Justiça. O desembargador Pedro Saraiva, entretanto, reformara em janeiro a decisão, restituindo a Márcia os rendimentos mensais.
 
Um recurso da Procuradoria do Estado, que representa o RioPrevidência na ação popular que denunciou Márcia, porém, fez o desembargador da 10ª Câmara Cível reavaliar o caso. Ele, então, reviu e revogou a própria decisão liminar, revalidando a sentença da juíza de primeiro grau.
 
Segundo a lei 285/79, o matrimônio “é causa extintiva do recebimento de pensão por filha solteira”. Originário do tempo em que mulheres não integravam o mercado de trabalho, o benefício pretende garantir a subsistência e a proteção financeira da filha do funcionário morto até que comece a trabalhar ou se case.
 
Márcia Couto dá duas versões contraditórias sobre seu casamento com o pai dos dois filhos. Na ação de pedido de alimentos para os filhos, diz ter sido casada para pedir o benefício; entretanto na ação popular sobre as pensões, nega ter tido união estável e se declara “solteira”. Embora trabalhe como dentista, a filha do desembargador José Erasmo Brandão Couto recebe duas pensões por conta da morte do pai, há 31 anos: uma de R$ 24 mil do Tribunal de Justiça e outra de R$ 19,2 mil do RioPrevidência (12 vezes o valor médio pago pela autarquia), somando R$ 43,2 mil mensais.
 
A sentença da magistrada que cortou o benefício diz que “o casamento religioso celebrado deve ser considerado fato idôneo para terminar o direito de recebimento de benefício previdenciário pela ré” e “um casamento que termina em separação também é um casamento”.
 
A decisão do desembargador Pedro Saraiva que lhe devolvera o direito às pensões ocorreu em agravo de instrumento à sentença. Como relator do caso no TJ, ele já vinha mantendo, liminarmente, a pensões de Márcia, antes de a sentença da juíza determinar o corte. Os benefícios somam R$ 559 mil, por ano, ou R$ 2,8 milhões, em cinco anos.
 
Decisão anterior não analisava o mérito do caso
 
A decisão anterior de Saraiva não analisava o mérito do caso, ou seja, o fato de ela ter sido casada ou não, motivo da ação popular, centrava-se apenas nos aspectos formais, e tinha validade até “o julgamento final da ação popular”.
 
Em recurso, agora acolhido, a Procuradoria do Estado defendeu que são necessários dois requisitos, conjuntamente, para haver efeito suspensivo: "plausibilidade do direito alegado" e "perigo da demora" na espera na decisão judicial. Na opinião dos procuradores, como o desembargador não analisava o fato de a ré ter sido casada e tido dois filhos com o companheiro, a plausibilidade não estaria presente – e, portanto, o efeito suspensivo não poderia ter sido dado.
 
Rio tem 30.239 pensionistas "filhas solteiras" e cortou 6.092 após matérias
 
O iG mostrou que o caso de Márcia Couto não é isolado no Estado do Rio: o RioPrevidência paga a 30.239 pensionistas “filhas solteiras”, ao custo anual de R$ 447 milhões.
 
Após as reportagens, o RioPrevidência iniciou recadastramento, para coibir fraudes e pagamentos indevidos, e anunciou o corte de 6.092 pensões de mulheres. O Ministério Público do Estado do Rio também abriu inquérito civil para investigar a questão das "filhas solteiras".
 
Advogado diz que Márcia "jamais descumpriu a lei"
 
O iG não conseguiu contato com o advogado de Márcia, José Roberto de Castro Neves. Na ocasião da sentença, ele afirmara que “Márcia jamais descumpriu a lei”.
 
Castro Neves reconheceu a legitimidade do debate sobre a pensão para “filha solteira”, mas salientou que a cliente “sempre agiu de acordo com a lei”. “Se as pessoas entendem que a lei é boa ou ruim (é outra questão)… Mas ela sempre agiu de acordo com a lei, que dá direito ao benefício”, disse. O advogado afirmou que Márcia não foi casada, mas “mãe solteira” de dois filhos, e é “uma pessoa boníssima e generosa”.
 

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Nacional

Comissão indeniza sete mulheres perseguidas pela ditadura

“As mulheres tiveram papel relevante na conquista democrática do país. Foram elas que constituíram os comitês femininos pela anistia, que
Nacional

Jovem do Distrito Federal representa o Brasil em reunião da ONU

Durante o encontro, os embaixadores vão trocar informações, experiências e visões sobre a situação do uso de drogas em seus