Diálogo Etílico – Platônico
Protagonistas e Interlocutores: Dr. Fernando Mesquita e Dr. Lourival Pinto de Souza, em meios a copos de chope no restaurante Bierhaus, situado na Avenida Isaac Povoas, em Cuiabá, capita do Estado de Mato Grosso.
Fernando: Afigura-se-me, Lourival, que o seu veículo “Brasília” vai-se deslocando ali e dirigida, ao primeiro súbito de vista, por um guapo mancebo, assaz desconhecido e altamente suspeito.
Lourival: Como disse Fernando? Onde? Sobressalta-me deveras.
Fernando: Ei-lo que passa, velozmente. Dirige-o ignota pessoa.
Lourival: Estranho! A mim também se me afigura. Custa-me crer. Ouso, não obstante, e permissa vênia, ponderar ao nobre colega, que as chaves da viatura eu as porto comigo. “Omnia mea mecum porto”[1], já diziam os romanos cujos exemplos sempre perfilho, por razões de segurança.
Fernando: É de presumir-se que algum larápio tenha se apossado da 2.ª via respectiva. Portar, hoje, chaves de automóvel não é garantia eficaz e bastante, para forrar-se a um “auto-furto”.
Lourival: Cáspite! Quiçá estaria então sendo eu vítima de um soez crime contra o patrimônio? Repugna-me tal suposição. Jamais fui sujeito passivo dessa figura delitiva.
Fernando: Algo não se pode deixar de inferir. Os indícios são veementes e prestadios.
Lourival: Que devemos fazer Fernando, ante hipótese ou conjuntura que tal?
Fernando: À guisa de sugestão, urge denunciar o fato à milícia estadual, para, ao depois, acionar o Ministério Público do qual o colega é lídimo representante como Procurador de Justiça.
Lourival: Assiste-lhe plena razão. A sua sugestão é mui válida. É mister fazê-lo. Quejandas providências de cotio se tomam, desde priscas eras. Tomemos antes a saideira “data venia”. Enquanto isso ouçamos a opinião abalizada do Silva Freire, caso ainda esteja em condições psico-mentais de opinar a respeito deste momentoso “affaire” que nos aflige e perturba nossas libações a Baco[2].
Fernando: Convém que o façamos antes “quae sera tamen”[3], e se consume tão hediondo delito. Bastas vezes outros fizeram, adrede, e lograram êxito. Garçom: mais duas saideiras…
Lourival: Façamo-lo agora, pois é a décima terceira saideira… Não olvidemos o brocardo latino de que “dormientibus non sucurrit jus”, ou seja, em termos vernaculares “o direito não acode aos que dormitam… ou bebericam”. A opinião abalizada do Freire fica para “a posteriori”. “hic et nunc”[4] é desnecessária. Retardariam a busca da viatura.
COMENTÁRIO
E fizeram-no, posto que a desoras.
O diálogo travado em termos vocabulares altaneiramente peregrinos e escorreitos, enquanto são servidos copos de chope, enseja que o larápio alcance cidade distante, ou quiçá outra urbe fronteiriça conhecida… tornando então impraticável qualquer perseguição, “logo após”, alhures ou algures… Buscas foram feitas por terra e ar. Inócuas foram tais providencias. O veículo, passados, hoje, dois anos, não foi encontrado, sem embargo tenha o proprietário do mesmo acionado o Itamarati, o SNI, e até o prestígio do Maluf[5], candidato que telegrafou há poucos dias, ao lesado, Dr. Lourival, “ipsis verbis virgulisque”[6]:
“Em sendo eleito Presidente da República, estar-lhe-á reservada uma vaga no Supremo Tribunal Federal, como compensação pelos danos sofridos, e ao seu indefectível colega destinarei o cargo de Embaixador ao Brasil junto à Republica da Bolívia.”
Texto do eminente e saudoso Desembargador Atahide Monteiro da Silva, homenageando dois ilustres ex-colegas do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, os insignes Procuradores de Justiça Dr. Fernando Mesquita e Dr. Lourival Pinto de Souza, veiculado pela Ama – Academia Mato-grossense de magistrados.
Omnia mea mecum porto ( latim: "Tudo o que é meu eu carrego comigo") é uma citação que Cícero atribui a Bias de Priene . [1] Diz-se que Bias of Priana, um dos Sete Sábios da Grécia, fez a declaração durante a fuga de sua cidade natal, com o aparente significado de que suas posses são aquelas de traços de caráter e sabedoria (em oposição a coisas materiais). Mais tarde, em uma carta a Lucilius e no tratado De constantia, Sêneca, o Jovem , atribuiu a variante Omnia mea mecum sunt ( latim: "Tudo o que é meu está comigo") [2] a Stilpo após a destruição de Mégara por Demétrio I de Macedônia. In [1] Cícero, Paradoxa Stoicorum I,8 e [2] Seneca, Epistulae morales 1,9,19 e de constantia sapientis 5,6.
[2] Baco. Em latim Bacchus, em italiano Liber ou Liberato. É um nome alternativo, e posteriormente adotado pelos romanos do deus grego Dioniso, cujo mito é considerado ainda mais antigo por alguns estudiosos. É o deus do vinho, da ebriedade, dos excessos, especialmente sexuais, e da natureza. Priapo é um de seus companheiros favoritos. As festas em sua homenagem eram chamadas de bacanais — a percepção contemporânea de que tais eventos eram "bacanais" no sentido moderno do termo, ou seja, orgias, ainda é motivo de controvérsia.
[3] Verso de um poema do poeta romano Virgílio: "Libertas, quæ sera tamen, respexit inertem". A suposta tradução para a frase original em latim do poema seria "Liberdade, a qual, embora tarde, (me) viu inerte", no entanto, existem algumas divergências sobre ser esta a correta tradução.
[4] Hic et nunc é uma expressão latina que significa literalmente "aqui e agora". Ela faz parte do Existencialismo, uma doutrina da filosofia que tem ênfase na liberdade das pessoas, ao mesmo tempo em que ressalta a responsabilidade de cada um. Para a filosofia existencialista o homem é responsável pelos seus atos, portanto, se ele quer algo para “agora ou nunca”, ele terá que arcar com as consequências, independente se forem boas ou ruins.
[5] Paulo Salim Maluf (São Paulo, 3 de setembro de 1931) é um político, engenheiro e empresário brasileiro, filho de pais de origem libanesa. Foi governador do estado de São Paulo (1979-1982), além de duas vezes prefeito de São Paulo (1969-1971; 1993-1996), secretário dos transportes do Estado (1971-1975), presidente da Caixa Econômica Federal, presidente e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo, líder de cinco partidos políticos e candidato à Presidência da República. Seu último cargo foi o de deputado federal, função que ocupou por quatro vezes.
[6] Traduzido para o português: “com todas as letras e vírgulas”.