Quatro dias após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o dólar caiu ao seu menor patamar desde o início do segundo semestre deste ano, fechando a R$ 5,03 para venda.
Desde então, oscila sempre acima desse nível, reagindo às críticas do presidente eleito ao teto de gastos e à demanda de sua equipe de transição para que o orçamento do Bolsa Família fique fora do mecanismo de controle das despesas públicas.
O dólar em queda neste momento seria crucial para auxiliar o Banco Central no combate à inflação; e para antecipar a redução da taxa básica de juro, a Selic, hoje em 13,75%. Isso aliviaria tanto o orçamento das famílias quanto a pressão sobre o aumento da dívida pública, corrigida pelos juros.
Na véspera de assumir a Presidência pela primeira vez em 2003, Lula enfrentou enorme crise de confiança, levando o preço médio do dólar, em dezembro de 2002, a R$ 11,64 –em valor corrigido pela inflação dos últimos 20 anos.
Mas a manutenção de uma política fiscal responsável em seus oito anos de mandato, com superávits primários seguidos para diminuir a dívida pública, ajudou o ex-presidente a terminar seu governo, em 2010, com o dólar a R$ 3,41, também em valor corrigido. Ou seja, abaixo dos cerca de R$ 5,40 atuais.
Em 2002, o dólar disparava conforme Lula ganhava favoritismo nas pesquisas. O Brasil devia cerca de US$ 40 bilhões ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e tinha reservas cambiais de pouco mais de US$ 30 bilhões. Além disso, boa parte da dívida pública era indexada ao dólar.
Em seu histórico, Lula tinha declarações fortes contra o Fundo, o que só piorava as coisas. Mas, quando se deu conta de que poderia vencer a eleição, amenizou o discurso.
Primeiro, com a chamada "Carta ao povo brasileiro", de 22 de junho de 2002. Nela, dizia principalmente que respeitaria "contratos e obrigações do país".
Em agosto daquele mesmo ano, antes da eleição, em reunião com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, Lula se comprometeu (assim como outros três candidatos, José Serra, Ciro Gomes e Anthony Garotinho) a honrar o acordo com o Fundo.
Apesar disso, e com Lula finalmente eleito, a turbulência no câmbio e as saídas dólares do país continuaram até o início de seu mandato, levando a moeda acima dos R$ 11.
Lula, no entanto, manteve o compromisso com o FMI. Seu então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, político e médico sanitarista nomeado poucos dias antes da posse, acabaria indo incontáveis vezes à sede do FMI, em Washington, atrás de recomendações que acabariam estabilizando a economia brasileira.
No cerne do programa do Fundo estavam os superávits primários para o controle da dívida pública, além da manutenção de metas para a inflação e taxa de câmbio livre.
Conforme a Folha acompanhou à época em Washington, também surgiu dessas visitas à capital americana a inspiração para o Bolsa Família. O programa seria gestado no prédio vizinho ao do Fundo, no Banco Mundial, que havia orientado o México, em 1997, a criar o Progresa, hoje denominado Prospera.
Nos anos 2000, o Brasil sob Lula foi fortemente beneficiado pelo maior período de crescimento global sincronizado desde a Segunda Guerra e pela ascensão da China. Fatos que impulsionariam os preços de commodities agrícolas e minerais e que ajudariam o país a acumular bilhões de dólares em reservas. Em 2005, o Brasil quitaria sua dívida com o Fundo.
As condições em que Lula assume seu terceiro mandato, no entanto, são bem mais desafiadoras do que em 2003. Se a desconfiança contra o presidente eleito é menor do que naquela época, a economia mundial está em fase de desaquecimento, com elevação de juros para o combate à inflação em vários países.
Segundo Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, os ruídos desnecessários gerados por declarações de Lula em relação ao teto de gastos e à responsabilidade fiscal agravam esse cenário adverso.
"Do ponto de vista da solidez das contas externas [balança comercial, de pagamentos e reservas cambiais acima de US$ 320 bilhões], haveria razões para o dólar estar entre R$ 4 e R$ 4,50, o que seria um choque positivo para o início do novo governo", diz Borges.
"Mas, ao demandar uma licença para gastar [com a PEC da Transição] sem esclarecer qual será a nova regra fiscal, o governo perde uma grande oportunidade."
Para Alexandre Schwartsman, consultor econômico e ex-diretor do Banco Central (2003-2006, no governo Lula), nas condições atuais, sem sinais claros sobre qual será a política fiscal do próximo governo, o câmbio continuará pressionado, assim como a inflação e os juros que corrigem a dívida pública.
"Mesmo que algo seja apresentado, nada garante que a regra será cumprida, como não foram tantas outras ao longo dos últimos anos." Em sua opinião, o mais provável é que o governo Lula acabe perseguindo novas rodadas de aumento de contribuições e impostos para financiar mais gastos.