Economia

Gabinete de ministro do TCU vira reduto de apoio ao governo Bolsonaro

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A escolha de Jorge Oliveira, 49, para uma vaga de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) abriu espaço para que o governo conseguisse criar consenso no órgão a favor de projetos de infraestrutura, regras do leilão do 5G, privatização da Eletrobras e até das contas de Jair Bolsonaro.

Segundo relatos de servidores da corte da contas, desde que assumiu o posto, no final do ano passado, o ministro recebeu visitas de praticamente todos os integrantes do governo respondendo processos abertos pelo TCU com potencial de dano ao governo.

Em diversos casos, ainda segundo relatos, Oliveira atuou para tentar convencer os demais colegas. Foi assim com os editais de rodovias, como o da NovaDutra –muito criticado por técnicos da área–, com o do 5G –cujas regras do leilão foram reprovadas por auditores– e com a projeto de privatização da Eletrobras.

Procurado, Oliveira não quis comentar. Major da Polícia Militar do Distrito Federal, o ministro é advogado formado pelo Iesb (Instituto de Educação Superior de Brasília), atuou como assessor parlamentar da PM de 2003 a 2013.

No ano seguinte, passou a prestar consultoria jurídica ao então deputado federal Jair Bolsonaro e chegou a chefiar o gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

No início de janeiro de 2019, foi nomeado pelo presidente para a subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil (SAJ), função que exerceu até o final de junho, quando Bolsonaro o promoveu a ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, no lugar do general Floriano Peixoto Neto.

Na reorganização do governo, em busca de uma aliança com os partidos do chamado centrão, Bolsonaro indicou Oliveira para o TCU, na vaga aberta pelo ministro Jorge Múcio Monteiro, que se aposentou.

A atuação de Oliveira foi importante para que o governo não sofresse uma advertência mais severa por irregularidades na prestação de contas de 2020.

Nas conversas, segundo pessoas que participaram das discussões, ele teve papel relevante para que, ao final, o plenário aprovasse as contas por unanimidade apesar das 28 ressalvas.

Duas irregularidades chamaram a atenção: a execução de despesas da Caixa Econômica Federal sem previsão de dotação no orçamento de investimento e o descumprimento do mínimo constitucional de recursos para a irrigação no Centro-Oeste.

Havia ainda inconsistências contábeis nos Ministérios da Agricultura, da Ciência e do Desenvolvimento Regional, e no Ministério da Educação.

Entre as outras 23 distorções apontadas pelo TCU, está a impossibilidade do órgão de fazer auditoria apropriada sobre a confiabilidade dos dados da Previdência e do Ministério da Economia.

A Folha solicitou a agenda do ministro que não estava disponível no site do tribunal. De acordo com ela, foram recebidos ministros e representantes de todas essas pastas.

O único ministro que não compareceu pessoalmente foi Paulo Guedes (Economia). No lugar dele, foi a assessora Daniella Marques, conhecida nos corredores do TCU como "a ministra".

Em agosto, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, fez uma visita aos gabinetes dos ministros do TCU para pedir apoio pela aprovação do edital do 5G proposta pelo relator, ministro Raimundo Carreiro.

Embora outros ministros tenham atuado mais diretamente na obtenção de consenso do plenário, a participação de Oliveira foi fundamental nessa articulação entre governo e TCU.

Ao final, o edital foi aprovado na versão do relator com algumas modificações. Faria pressionou para que o leilão ocorresse neste ano.

A área técnica do tribunal era contrária a diversas regras do edital, mas, ao final, o leilão ocorreu no início deste mês.

Bolsonaro pretende usar o 5G como realização de seu governo na campanha pela reeleição em 2022. O serviço deverá chegar às capitais em julho do próximo ano.

Na Infraestrutura, o ministro Tarcísio de Freitas e seus técnicos contaram com o apoio de Oliveira para defender os parâmetros das novas concessões rodoviárias, particularmente a da NovaDutra.

Essas concessões preveem mecanismos ousados de investimentos cruzados e de combinação entre menor tarifa e maior lance para os lances no leilão. Havia muita resistência da área técnica do TCU em relação a esse tipo de contrato.

Quem atuou junto ao tribunal afirma que o gabinete do ministro foi bastante atuante na defesa desse novo modelo, que acabou sendo aprovado pelo plenário do TCU.

Apesar de o TCU ser um braço do Congresso, chama a atenção a quantidade de parlamentares recebidos pelo ministro em menos de um ano de exercício do cargo. Foram 39 reuniões, entre deputados e senadores, até o início de novembro, quase o dobro da média de outros gabinetes.

Com oito reuniões realizadas, o deputado mais assíduo foi Cezinha de Madureira (PSD-SP), líder da bancada evangélica na Câmara. Ele representa a Assembleia de Deus Ministério de Madureira. É apoiador e amigo de Bolsonaro.

"Jorge sempre foi um interlocutor entre católicos e evangélicos. Fui lá fazer visitas de cortesia, às vezes com alguém. Oramos juntos", disse o deputado à Folha. "Ele é um católico quase crente."

Na lista de congressistas estão deputados e senadores da base aliada. Dentre os senadores, destaca-se Davi Alcolumbre (DEM-AP), que foi quatro vezes ao gabinete.

O senador resiste à sabatina do indicado de Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal), André Mendonça, que foi recebido por Oliveira pela última vez no final de setembro em meio aos ataques de cunho antidemocrático de Bolsonaro contra a corte.

Outros servidores também buscaram no ministro apoio para indicações do governo para cargos no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), como Engels Muniz, Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).

Muniz disse que foi ao gabinete fazer uma visita. Nega ter pedido apoio.

O ministro recebeu ainda assessores diretos de Bolsonaro, o articulador bolsonarista Uugton Batista, pastores e até o locutor de rodeios Cuiabano Lima, contratado pela Caixa para fazer campanha publicitária para o auxílio emergencial.

O banco argumentou sigilo para não divulgar o valor do contrato. Há diversos processos abertos no TCU para apurar possíveis infrações cometidos pela instituição em publicidade.

"Ele é meu amigo e fomos tomar um café", disse Cuiabano Lima à Folha. "Fiz [a campanha] como artista reconhecido. Já fiz Jô Soares, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Faustão, Danilo Gentile, matérias nacionais e até capa de New York Times. Fui contratado, emitimos nota fiscal e está tudo certo."

A Caixa não informou se o contrato é alvo do TCU. O banco informou que contrato "prevê o caráter sigiloso do valor do cachê, o que é respaldado juridicamente em virtude do interesse estratégico relacionado à campanha publicitária realizada".O ex-assessor do PTB Uugton Batista e a Presidência da República não responderam.

Quem teve audiência com o ministro do TCU

  • João Henrique Nascimento de Freitas

Assessor direto de Jair Bolsonaro

Reuniões: 2

  • Bruno Grossi

Secretário especial de Relações Governamentais da Casa Civil da Presidência da República

Reuniões: 5

  • Fábio Faria

Ministro das Comunicações, contou com o apoio de Oliveira para formar maioria no plenário do TCU em favor da aprovação do edital do 5G

Reuniões: 1

  • Cesar Madureira (PSD-SP)

Deputado federal, amigo de Bolsonaro e dos filhos do presidente

Reuniões: 8

  • Uugton Batista

Foi assessor especial do presidente do PTB, Roberto Jefferson, é articulador político para divulgação de causas conservadoras

Reuniões: 2

  • Cuiabano Lima

Locutor de rodeios e amigo de Bolsonaro, fez campanha para a Caixa Econômica Federal, mas o cachê foi mantido em sigilo

 

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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