Empresas que atuam com turismo no Brasil já contabilizam perdas pesadas com a pandemia e, agora, temem pelo futuro. A percepção é que o aumento de contágios e mortes associado à demora na vacinação tende a deixar o país fora dos roteiros internacionais por um período mais prolongado que o previsto inicialmente.
Segundo levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), conseguido em primeira mão pela reportagem, a pandemia do novo coronavírus levou ao encerramento de 35,5 mil estabelecimentos no setor de turismo em 2020. Trata-se do maior perda anual desde a crise de 2016, quando 44,9 mil estabelecimentos fecharam as portas.
O número de vagas perdidas foi ainda maior.
De acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que contabiliza empregos formais, somente no ano passado, setor encerrou 397 mil vagas com carteira assinada. O número equivale a um encolhimento de 12,8% da força de trabalho no turismo.
O levantamento aponta que estabelecimentos estão sendo fechados de forma generalizada em todo o país, mas as maiores baixas se concentraram em São Paulo (10,9 mil), Minas Gerais (4,1), Rio de Janeiro (3,7 mil) e Paraná (2,6 mil).
Bares, restaurantes e similares foram os que tiveram as maiores perdas –retração 28,61 mil no ano–, seguidos por hotéis, pousadas e similares, que registrou o encerramento de 3,04 mil pontos.
Toda a cadeia do setor foi afetada. Há registro de encerramento de negócios nos segmentos de agências de viagens, transportes rodoviários (-1,39 mil), serviços culturais e de lazer (-1,02 mil) e locadoras de veículos (-0,2 mil).
O recrudescimento da pandemia neste ano, com recordes de casos e colapso na saúde, somado à dificuldade do governo em implantar um programa de vacinação em larga escala acrescentou um problema adicional –o afastamento de turistas estrangeiros. A perpectiva é que o Brasil vai levar mais tempo do que outros países para entrar no roteiro turístico global.
Fabio Bentes, economista da CNC e responsável pela pesquisa, avalia que, em relação à geração de receitas, 2021 já é mais um ano perdido para o turismo brasileiro. Segundo ele, é inviável que o setor consiga esboçar uma retomada consistente neste ano.
"A situação do turismo é de penúria. Todos os indicadores conjunturais de venda, emprego, mostram que o setor de turismo é o mais afetado na pandemia. Se o comércio tem restrições, imagine o turismo", afirma.
"Neste ano, por exemplo, não há como pensar em turismo internacional. Só há turismo nacional e, mesmo assim, muito limitado por causa das restrições e bloqueios nas cidades. Não adianta fazer marketing. O setor não vai conseguir deslanchar no curto prazo", diz Bentes.
O economista afirma que o setor precisa de medidas emergenciais que possam, neste momento, aliviar os custos fixos dos negócios que permacem parados à espera do controle da pandemia.
"A reedição da MP do BEm [com cortes de jornada e salário, além de suspensão de contratos] ajudaria a diminuir custos, mas também precisa haver o adiamento de impostos federais e municipais, como o ISS", afirma. "Outro ponto seria reforçar o fundo Fungetur, que engloba micro e pequenas empresas do setor".
Como o setor de turismo é ramificado, a incerteza também afeta negócios como casas de câmbio. De acordo com a ABRACAM (Associação Brasileira de Câmbio), que responde por 3.400 correspondentes cambiais, o setor fechou de março de 2020 a fevereiro de 2021 cerca de 35% de lojas de câmbio, demitiu cerca de 30% dos colaboradores e não tem perspectivas de melhora para 2021.
A presidente-executiva da entidade, Kelly Massaro, afirma que o setor tem sobrevivido com novos negócios, como remessas de dinheiro para o exterior.
"Não temos mais expectativa de retomada a curto prazo, justamente porque a vacina será o novo passaporte", afirma. "Vamos receber um número de estrangeiros próximo de zero aqui neste ano, seja por questão de fronteiras ou pelo temor que as pessoas vão sentir de entrar no Brasil, e vale o efeito rebote: haverá restrição para o nosso acesso a outros países no curto prazo."
De acordo com dados da CNC, entre março e dezembro de 2020, os gastos de turistas estrangeiros no Brasil foram de R$ 113,4 bilhões, queda de 80% em relação ao mesmo período de 2019.
O resultado negativo também foi percebido em janeiro deste ano, quando, segundo a confederação, os gastos desses turistas no Brasil foram de R$ 269 milhões, queda de 60% em relação a janeiro de 2020.
As cidades que mais receberam fluxo estrangeiro em 2019, dado mais recente disponível, segundo a Embratur, Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, são o Rio de Janeiro, seguido de Florianópolis, Foz do Iguaçu, São Paulo e Armação dos Búzios.
A pandemia impactou, também, a atividade da Embratur.
Desde maio de 2020, a agência tem trabalhado com o Ministério do Turismo para promover somente o turismo doméstico. Essa determinação dura seis meses após o término do período de calamidade pública, que vigorou no país até dezembro do ano passado.
Em nota, a Embratur informou que, diante da norma legal, só poderá retomar suas atividades para promover o turismo brasileiro no exterior a partir de julho de 2021.
De acordo com a Embratur, por causa da segunda onda de casos de coronavírus no mundo e a imposição de restrições de viagens mais rígidas por parte dos países, a retomada do turismo internacional para o Brasil dependerá da reabertura de fronteiras e do retorno gradual da confiança dos turistas.
Segundo o Anuário Estatístico de Turismo, os estrangeiros que mais vieram ao Brasil por vias aéreas em 2019 são, principalmente, da América do Sul, seguido por Europa e América do Norte –590,5 mil dos Estados Unidos.
O Brasil recebia, em média, antes da pandemia, 6 milhões de turistas estrangeiros por ano, número considerado baixo, segundo entidades que operam no setor. De acordo com Alfredo Lopes, presidente da Hotéis Rio, sindicato dos meios de hospedagens do município, e conselheiro da associação de hotéis do estado, o turismo internacional na cidade mais turística do país está paralisado.
"A presença de turistas estrangeiros no Rio hoje é próxima de zero, praticamente só há pessoas que vêm aqui por algum tipo de negócio específico ou encontros familiares", diz.
Lopes afirma que neste ano o setor se manterá com as receitas do turismo doméstico.
"O Brasil está vivendo do mercado nacional, que também está combalido. Com o atraso na vacinação, existe a preocupação de que o Brasil fique isolado do mundo. Só estaremos livres disso, quando houver 85% da população vacinada".
O vice-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Búzios, Rodrigo Sobral, afirma que na crise sanitária o perfil de turistas na cidade tem mudado. Em vez de receber argentinos e chilenos, a cidade tem sobrevivido com gastos de turistas brasileiros que foram para a cidade fazer home office.
"Temos recebido brasileiros de alto poder aquisitivo que têm alugado casas por temporadas de 6 meses a 1 ano na região. Regiões de Búzios, como João Fernandes, que recebem mais estrangeiros, têm sofrido mais", afirma.
De acordo com a secretaria de turismo da Bahia, o estado recebia, antes da pandemia, cerca de 500 mil turistas estrangeiros por ano, seja por voos diretos ou tendo outros estados como portões de entrada. As cidades mais procuradas pelos estrangeiros são Salvador e Porto Seguro.
"Nos três primeiros meses de 2020 a movimentação no aeroporto de Salvador foi de 55 mil passageiros e neste período Porto Seguro recebeu 6.983 pessoas provenientes de voos internacionais. De abril até hoje, não houve nenhum voo de origem internacional no aeroporto naquele município", diz a secretaria em nota.
De abril a agosto do ano passado, os voos ficaram suspensos na capital baiana. Neste ano, com o recrudescimento do novo coronavírus no país, houve 1954 desembarques em janeiro e apenas 152 em fevereiro.
Situação semelhante vive o estado de Santa Catarina. Segundo dados da secretaria de turismo, o fluxo de passageiros na temporada de verão nos aeroportos de Florianópolis, Jaguaruna, Chapecó e Lages teve queda de 41% em relação ao mesmo período do ano passado.
Na capital Florianópolis, houve queda de 60% na movimentação de passageiros que chegam à cidade por vias intermunicipal, interestadual e internacional.