Negra, periférica, gorda e baixinha. Essa é a nova Miss Plus Size Cuiabá 2020, a ex-faxineira e autônoma Ivani Caroline Santos da Conceição, de 31 anos. A coroação ocorreu na última segunda-feira (14).
Atualmente desempregada, a moradora do Bairro Altos da Boa Vista, região carente da Capital, já precisou fazer muita faxina e empresas de serviço terceirizado antes de se tornar um símbolo de beleza.
“Minha vida foi uma loucura. Comecei a entregar açaí, tenho uma moto, fazia as entregas, fazia faxina. Dormi fazendo faxina e acordei miss. Foi uma reviravolta muito grande”, conta Ivani.
A miss saiu de casa ainda menor de idade. Com apenas 17 anos se casou e, aos 18, teve uma filha. O matrimônio, contudo, não durou e ela precisou batalhar para manter a filha.
“Saí muito cedo de casa e fui criar a minha filha. Fazia diária, faxina, sempre fiz faxina, trabalhava em empresa terceirizada”.
Em meio à pandemia de Covid-19, Ivani encontrou no concurso de miss um motivo para dar um novo norte à sua vida. Logo após se inscrever na competição, em agosto deste ano, ela foi demitida da empresa terceirizada.
“Esse ano não foi fácil para ninguém, foi um ano de muita perda, mais lágrimas do que sorrisos e esse concurso veio para me ajudar mesmo”, afirma.
Ela conta que sempre teve uma boa autoestima, sempre se achou bonita, apesar do peso, e queria ser modelo. Uma amiga, então, deu a ideia para que ela se inscrevesse no Miss Plus Size Cuiabá.
“Nunca imaginava ganhar. Foi uma surpresa. Tinha muita menina boa ali”, afirma a miss.
Preconceito
Com apenas 1,50m e manequim 48, a nova miss já sofreu muito com a gordofobia – preconceito com pessoas gordas – no ambiente de trabalho. Ela relata que já ouviu muitos comentários maldosos em relação à sua aparência.
“Entrei em uma empresa em que eu era promotora de vendas. Todo mundo me achava bonita, porém gorda. Por que eu não posso ser só bonita? Parece que a mulher gorda só serve para ter um cargo inferior. Ela limpa o chão, ninguém presta muita atenção e é isso”, critica.
O preconceito também se estendeu para a vida pessoal e relacionamentos. Ela conta que os homens a viam apenas com vulgaridade.
“Eu chegava a um lugar e sempre me falavam que eu era bonita só de rosto. Alguns homens falavam: “Ela é gostosona”. Não falavam que eu era bonita. Como assim 'gostosona'? Isso é algo de comer, eu sou bonita”, revela.
“Eles têm uma visão muito retorcida da mulher gorda. Eles acham que a mulher gorda é algo de comer, eles não acham uma mulher gorda sensual, acham ela vulgar. É complicado. Não é todo mundo que tem a cabeça aberta para ver o seu interior. Sofri muito por isso”, completa Ivani.
A pressão pelo corpo dentro dos padrões de beleza também levou Ivani a buscar pelo emagrecimento, mesmo já se achando bonita. Ela diz que não conseguia entender o motivo de ter que se encaixar.
“Sempre me achei bonita, mas não entendi porque tinha que ser magra. Me achava bonita do jeito que eu era. Então eu malhava muito, tentava ficar no padrão das outras mulheres, mas nunca consegui. Era aquela briga com a balança”, relembra.
Representatividade
Além de enfrentar os problemas estéticos, Ivani também sofre com déficit de atenção, mas só foi diagnosticada aos 29 anos.
Ela conta que tem dificuldade de entender falas longas e comandos completos. Durante o treinamento para o concurso, segundo a miss, Ivani precisou treinar duas vezes mais.
“Sempre fui assim, mas nunca me liguei, achava que era normal. Nos treinamentos, o professor de passarela falava as coisas, mas eu só lembrava uma parte. Eu tive que treinar muito para virar algo automático. Tive essa dificuldade. Eu ensaiava bastante em casa até tarde”.
Apesar disso, a modelo conseguiu conquistar a coroa e hoje é inspiração para outras mulheres como ela. Ivani revela que, ao ir ao mercado do bairro, tem sido abordada por mulheres, que a parabenizam.
“Tem muita menina que me manda mensagem dizendo: ‘Você me representa’. Tem aquela ideia de que a miss não pode ser uma pessoa comum. Estou ajudando outras mulheres e tenho a intenção de ajudar ainda mais”, afirma a miss.
Para ela, ganhar o título também é uma vitória da sociedade, que tem se mostrado cada vez mais progressista, de acordo com ela.
“Foi uma alegria tão grande ver que a gente está quebrando esse tabu e que a gente está conquistando esse espaço. Uma mulher negra, plus size, de 1,50m de altura. Totalmente fora do padrão”, celebra.
Para aproveitar que se tornou um símbolo, Ivani pretende ajudar outras mulheres da periferia de Cuiabá, principalmente na autoestima. Ela quer mostrar que toda mulher tem sua beleza.
“Estou com um trabalho em mente de ajudar as mulheres da periferia com tratamento psicológico, com palestras, dia de beleza. É para elas entenderem que são bonitas do jeito que elas são. Ela não precisa emagrecer e nem se esconder porque ela é gorda, porque ela mora na periferia”, afirma.