Os direitos da personalidade, inerentes a todos os indivíduos, devem ser respeitos e tutelados pela ordem jurídica, compreendidos através de cinco ícones principais, conforme explicita a melhor doutrina: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade.
Com base nesse entendimento, o juiz Antonio da Rocha Lourenco Neto, da 1ª Vara de Família da Ilha do Governador (RJ), autorizou que uma pessoa não binária — que não se identifica tanto com o gênero feminino como masculino — a ter em sua certidão de nascimento "sexo não especificado".
A decisão foi provocada por pedido da autora da ação, que prefere ser tratada com pronomes femininos, ajuizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O objetivo da ação era inicialmente a mudança de nome, mas a autora também requereu a alteração de gênero nos registros após ser informada da possibilidade. O pedido contou com parecer favorável do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
Em sua análise, o juiz Antonio da Rocha Lourenço Neto afirmou que embora não possua um dispositivo específico para tratar da matéria, a Lei dos Registros Públicos permite a alteração do registro civil. "A referida lei elenca a impossibilidade de registro, pelos oficiais de registro, de prenomes suscetíveis de exposição ao ridículo. Ora se o oficial de registro não deverá registrar esses prenomes, devemos entender que a alteração, por esse mesmo motivo, é pertinente e razoável", escreveu.
O magistrado expressou entendimento de que não há como negar que uma pessoa que está se preparando para externar aparência andrógina se encontrará em situação vexatória ao ostentar documentos que não apresentam informações que se identifiquem com a sua situação física.
"O direito não pode permitir que a dignidade da pessoa humana do agênero (pessoa sem gênero) seja violada sempre que o mesmo ostentar documentos que não condizem com sua realidade física e psíquica", diz trecho da decisão.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), a defensora pública Letícia Furtado coordena o Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos (Nudversis) da DPRJ. Segundo a especialista, a decisão representa um importante passo na luta por respeito à diversidade sexual e de gênero.
"Nosso sistema de Justiça é estruturado no binarismo, na existência de dois gêneros, masculino e feminino, em relações sociais constituídas entre homens e mulheres conforme padrões cisheteronormativos que nos foram culturalmente ensinados e educados ao longo de várias gerações", diz Letícia.