Cultura

Sobre os ombros

Por Liliane Coelho

Foi Chico Buarque quem disse que “todo mundo tem sala sem mobília, goteira na vasilha e problema na família”. Na música, “só a bailarina que não tem”. Mas, no fundo, todo mundo sente medo de subir e de cair, gente. De perto, somos todos um pouco inseguros e um tanto imaturos. Talvez, por isso, seja tão difícil viver só: a gente se acha pouco. A gente não costuma se bastar.

Mas, nem tudo é sobre encontrar a cara-metade. Às vezes, tudo o que a gente precisa é encontrar ombro em alguém. Se reconhecer nos outros ou no que fazem, para entender o nosso valor.

Li uma vez que todos nós deveríamos ter, pelo menos, dois mestres: um inalcançável, em quem se inspirar, e outro próximo, com quem aprender.

Desde então, passei a procurar meus próprios mentores. E encontrei vários. Entendi que alguns estariam vivos e outros estariam nos livros, em filmes, documentários ou entrevistas. Alguns seriam escritores, músicos, empreendedores, poetas e outros seriam célebres desconhecidos. Descobertas valiosas que me fariam pensar no quanto as dificuldades da vida podem ser capazes de forjar pessoas extraordinárias.

Nessa procura, muitos nomes me levaram pelas mãos e, cada um deles, teve sua importância. Cada um me conduziu até uma parte do caminho.

Milton Nascimento é o mais antigo. Eu tinha 7 anos quando ouvi a música que me fez entender: às vezes, a gente só se encontra longe do nosso lugar. Até hoje, “Caçador de mim” é a minha canção favorita. A que mais me explica porque sentir é um termômetro tão importante da felicidade. Eu sou onde não penso. Eu sou o que sinto. E, enquanto souber entender o que é isso, estarei no caminho certo para mim.

Depois dele, vieram Mário Quintana, Cecília Meireles, Cora Coralina e Clarice Lispector. O primeiro é de quem mais sinto falta. Ele me ensina que humor, ironia e capacidade de síntese são antídotos deliciosos para a vida. Eu adoraria entender porque escolheu passar a vida morando em hotéis e como ele e Bruna Lombardi se tornaram amigos. Se fosse vivo, eu o adotaria como avô e caminharia de braços dados com ele, pensando no quanto envelhecer nos dá o direito de ser mal-humorados.

Sobreviver à faculdade teria sido mais difícil sem Alex Periscinoto. Ele me disse, de maneira simples e amorosa, que não era pecado (nem loucura) juntar timidez e propaganda na mesma pessoa. Com essa permissão, me ajudou a encontrar o meu lugar nesse ofício e a me orgulhar das minhas escolhas.

Com Júlio Ribeiro, entendi que uma ideia por si só é vazia (e egoísta) e isso me fez querer saber mais, entender o que havia além dos grandes cases. Quando ele morreu, senti que a fase mais bonita e criativa da propaganda morria um pouco também. Ele acreditava em planejamento e estratégia e prometi não deixar de acreditar nunca.

A lista é grande e nem cheguei a falar dos mestres que me abriram portas; cederam seu Fiat Premium de estimação; preparam mesas e cadeiras novas; deixaram bilhetes no primeiro dia; me desafiaram a escrever o primeiro roteiro; me disseram para não fazer (e me inspiraram a fazer o contrário); me deram aumento sem eu pedir; me mandaram para casa várias vezes para descansar; me ofereceram tantos “nãos” que me ajudaram a buscar “sins”; encontraram formas de me fazer ficar…

Alguns deles, me ensinaram por linhas tortas. Muitos, me ensinam sem saber. Mostram o que ainda não vi, o que não quero para mim. Mas, todos eles, de alguma maneira, me trouxeram até aqui, me cedendo o ombro ou emprestando o meu, de vez em quando.

A vida pode ser curta, mas, de um jeito ou de outro, vocês me ensinam que ela não precisa ser estreita. Obrigada.

Redação

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