Os militares conseguiram ampliar a previsão de recursos a projetos tidos como prioritários para as Forças Armadas, chegando a dobrar o orçamento em 2021 para o desenvolvimento de aviões cargueiros pela Aeronáutica, para a implantação de um sistema de aviação pelo Exército e para a construção de submarinos de propulsão nuclear pela Marinha. O projeto de lei orçamentária enviado nesta semana ao Congresso pelo governo de Jair Bolsonaro mostra que foi exitosa a ofensiva das cúpulas militares para garantir mais dinheiro em investimentos, mesmo em um momento de crise econômica causada pela pandemia de Covid-19.
Inicialmente, o Ministério da Defesa queria mais R$ 2,5 bilhões em investimentos, o que elevaria este orçamento específico de R$ 6,7 bilhões em 2020 para R$ 9,2 bilhões em 2021. A pasta conseguiu R$ 1,47 bilhão a mais, com investimentos previstos de R$ 8,17 bilhões no ano que vem. O valor é superior ao previsto nos orçamentos de 2020 e 2019 — o primeiro ano do governo Bolsonaro, mas com orçamento elaborado pela gestão passada, de Michel Temer. O projeto de lei orçamentária ainda será analisado pelo Congresso, que pode alterar valores, como costuma acontecer.
O orçamento total do Ministério da Defesa — que abarca Aeronáutica, Exército e Marinha — previsto para 2021 é de R$ 110,7 bilhões, um valor 4,83% maior do que o orçamento para 2020. A maior parte desse dinheiro é gasta com pessoal, tanto com os militares da ativa quanto com os da reserva. A maior liberdade na negociação por mais recursos ocorre com os investimentos, e ganhou o apoio direto do presidente nessa ofensiva, materializada na peça orçamentária enviada ao Congresso.
Um dos projetos prioritários para a Aeronáutica, o desenvolvimento de aviões cargueiros contará com R$ 400 milhões no orçamento em 2021, se não houver alterações expressivas no Parlamento. Para 2020, o governo previu R$ 117,4 milhões, valor que foi elevado para R$ 166,4 milhões pelo Congresso no ano passado.
Já a compra dos caças do projeto FX-2, que envolve os Gripen suecos, tem uma previsão de gastos de R$ 1,59 bilhão, valor que é 147% superior ao previsto inicialmente pelo governo Bolsonaro para 2020. Mais uma vez, no Congresso, o montante foi ampliado, para R$ 951,4 milhões. O orçamento para 2021 também é superior ao que o governo Michel Temer estabeleceu para 2019.
O Exército, por sua vez, decidiu aportar mais recursos — e ganhou o aval do governo para isso — na implantação de um sistema próprio de aviação. O projeto de lei orçamentária estabelece um gasto com a compra desses aviões, que dariam suporte a ações em terra, superior a R$ 190 milhões. É mais do que o dobro do previsto para 2020, R$ 73,9 milhões, e para 2019, R$ 80 milhões.
A Força também conseguiu uma previsão maior de recursos públicos para a compra de tanques blindados, dentro do chamado Projeto Guarani. O projeto de orçamento para 2021 prevê gastos de R$ 412,7 milhões. A lei orçamentária deste ano assegurou R$ 349,7 milhões. Também estão orçados mais recursos para o monitoramento das fronteiras e para lançadores múltiplos de foguetes.
Na Marinha, os principais investimentos previstos são na construção de submarinos de propulsão nuclear. O orçamento de 2021 encaminhado ao Congresso reservou R$ 646,8 milhões para essa finalidade, o dobro do que a lei assegurou para 2020 e o quádruplo do que o governo estipulou inicialmente para este ano. Também haverá mais dinheiro para a implantação de estaleiro e base naval destinados à construção e manutenção desses submarinos, assim como para tecnologia nuclear.
Nova estratégia
A disposição em ter um orçamento para defesa superior ao que é gasto atualmente está expressa nos próprios documentos que orientam a atuação das Forças Armadas. A atualização da Estratégia Nacional de Defesa, entregue em julho ao Congresso, passou a prever gastos públicos na ordem de 2% do PIB com a área militar.
Não há uma vinculação entre o que registra o documento e a elaboração do orçamento. Mas a meta dos 2%, ao fazer parte do documento que estabelece as diretrizes para as Forças Armadas, passa a ser considerada uma política de Estado a ser perseguida. A inclusão dessa previsão contou com o aval direto de Bolsonaro.
Se essa regra já vigorasse, e levando em conta o PIB de 2019, o orçamento do Ministério da Defesa subiria para R$ 146 bilhões. Nenhum outro ministério tem um orçamento previsto para 2021 com essa magnitude. Para a Saúde, o governo previu gastos de R$ 135 bilhões.
Aumento não é inédito
Professor no departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antonio Jorge Ramalho afirma que a ampliação dos investimentos em projetos prioritários para as Forças Armadas não é inédita. Ramalho foi diretor de Cooperação no Ministério da Defesa e diretor da Escola Sul-Americana de Defesa.
— Os governos do PT foram extremamente generosos com as Forças Armadas, diante da necessidade de reaparelhar as Forças. À esquerda e à direita, há esse encontro no nacionalismo — diz ele.
O professor da UnB vê sentido nos projetos da Marinha de investir em submarinos de propulsão nuclear e da Aeronáutica em apostar em novos caças e cargueiros, com foco no desenvolvimento da indústria brasileira. O que não faz sentido para ele é o Projeto Guarani, do Exército.
— Para que é necessária essa quantidade de tanques? Eles não operam, por exemplo, na região da Amazônia — argumenta.
Segundo Ramalho, falta clareza para a definição de um projeto para cada uma das Forças. Ele defende uma discussão “mais profunda” sobre redução de efetivo e, por outro lado, melhoria na remuneração de determinadas carreiras militares.
— É um problema enorme gastar 82% do orçamento com pessoal. A Defesa acaba se transformando em um grande departamento de aposentadoria — afirma o professor.
O Ministério da Defesa, por meio da assessoria de imprensa, afirma que os projetos estratégicos das três Forças são decorrentes de contratos já assinados “há vários anos”.
“Parte desses contratos é fruto de acordos internacionais, com forte influência cambial nas suas despesas anuais. Eventuais descumprimentos de marcos contratuais para 2021 acarretarão danos ao erário, com multas e juros contratuais, e riscos à imagem do Brasil perante parceiros internacionais”, diz, em nota a assessoria de imprensa da pasta.
Os gastos incentivam a base industrial de defesa, conforme a pasta. “A base é responsável pela geração de mais de um milhão de empregos e por R$ 6 bilhões em exportação somente em 2019.”