Ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente proíba expressamente a adoção pelos avós, é possível admitir sua ocorrência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes desde que verificado concretamente que é a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça mitigou a norma do parágrafo 1º do artigo 42 do ECA e negou recurso especial do Ministério Público que visava impedir a adoção de uma criança de sete anos pelos avós maternos. No contexto do caso, a medida serve para desvincular a criança do lastro criminal dos pais biológicos.
A matéria já havia sido enfrentada em outras oportunidades pela 3ª Turma do STJ. Da análise desses casos, o relator na 4ª Turma, ministro Luís Felipe Salomão, elencou critérios utilizados para admitir a excepcionalidade. Esses quesitos foram encampados pelo colegiado, visando o melhor interesse da criança, conforme dispõe a Constituição Federal.
São eles:
- O pretenso adotando seja menor de idade
- Os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento
- A parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial
- O adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão
- Inexista conflito familiar a respeito da adoção
- Não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando
- Não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos
- A adoção apresente reais vantagens para o adotando
Por que avós não adotam?
Diz parágrafo 1º do artigo 42 do ECA que “não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”. Doutrina citada pelo ministro Salomão explica que serve para manter a ordem parental derivada da própria natureza. A finalidade da adoção é colocar em família substituta quem não a tem ou quem foi abandonado. Se já existe vínculo entre avós e irmãos, não há porque se admitir a criação de outro
Em voto-vista, o ministro Marco Buzzi ainda explicou que a regra também serve para evitar distorção sucessória, embaraços familiares e supostas fraudes em relação a direitos previdenciários e assistenciais.
Assim, a superação dessa proibição, segundo explica, não decorre de ativismo judicial, “mas um dever imposto ao julgador intérprete de salvaguardar o melhor interesse da criança e conferir uma ponderação equilibrada e concatenada da vontade social exercida pela atuação do legislador”.
O caso concreto
No caso, a adotado é menor de idade (7 anos de idade) e está sob guarda dos avós (avó materna e seu companheiro, considerado avô por afinidade) desde os dez dias de idade. Eles são os únicos a exercer função de pai e mãe, e há estudo psicossocial atestando a parentalidade socioafetiva. A criança os reconhece como seus pais.
A mãe biológica, que concordou com a adoção, é viciada em drogas e está presa por tráfico. “A pretensão de adoção funda-se em motivo mais que legítimo, qual seja, desvincular a criança da família materna, notoriamente envolvida em criminalidade”, explicou o relator.
A família tem histórico de problemas. Um irmão da criança foi assassinado aos 9 anos de idade por delinquentes rivais de seus parentes maternos, e primos maternos também já foram vítimas da guerra ao tráfico.
“A legislação especial do ECA determina a interpretação da lei no melhor interesse da criança e salvaguarda a que esta permaneça e se desenvolva no seio familiar que abrange a família ampliada/extensa”, ressaltou o ministro Marco Buzzi, ao concordar com o relator pelo desprovimento do recurso do Ministério Público.