Economia

Política e reação errática à covid levam real 17% abaixo de “valor justo”

A moeda brasileira está sendo negociada por um preço 17% inferior ao que seria seu “valor justo”, influenciada por instabilidade política e pela reação errática do presidente Jair Bolsonaro frente à pandemia de covid-19, conclui a Oxford Economics em relatório desta semana.

Desde o início da pandemia, diz o documento, a moeda apresenta um desempenho persistentemente inferior às moedas de países emergentes, seja em níveis de depreciação, seja em termos de volatilidade.

A incapacidade do real de preservar seu valor tem sido fonte de preocupação. O dólar comercial já subiu quase 30% em relação ao real neste ano. Desde o último fechamento de fevereiro, às vésperas de ser decretada oficialmente a situação de pandemia, até aqui, a valorização foi de 15%.

O baque sofrido em março pelo mercado financeiro fez o Dxy, índice que mede a relação do dólar ante uma cesta de moedas de parceiros comerciais dos Estados Unidos, valorizar 8% em menos de um mês. Desde então, as moedas de emergentes recuperaram boa parte dessa perda, enquanto que o real voltou a ter mais ondas de alta, diz o relatório. O país também destoa de seus pares na América Latina. 

“As perdas prolongadas do real em abril e maio sugerem que o desempenho inferior em relação a seus pares pode ter causas domésticas”, diz.

Nesse período, o real sofreu a maior depreciação estrutural entre os emergentes desde 2012, segundo a Oxford Economics. Além disso, a volatilidade anual rolante da moeda nos últimos 21 dias é o dobro da média desses países.

Para avaliar as razões por trás do que o relatório chama de incomum dissociação entre a taxas de câmbio, primeiro foi analisada a balança brasileira de pagamentos. Mas o resultado nesse segmento não só não foi pior a ponto de influenciar no câmbio, como foi beneficiado pela pandemia, diz o relatório:

“A estimativa é que a combinação dos crescentes custos de importação com a forte retração da demanda doméstica tenham levado a um ajuste positivo da conta corrente de 4,5 pontos percentuais do PIB somente em 2020.”

Em relação à dívida externa brasileira, outro possível complicador cambial, o levantamento também não encontrou problemas que justificasse tamanha desvalorização:

“Apesar de ser uma economia emergente altamente endividada, menos de 5% da dívida pública do Brasil é em dólar, e o estoque de moeda americana em circulação é tão pequeno que o Banco Central poderia pagar por tudo isso usando apenas 25% de suas reservas cambiais”, diz.

Mas o que houve?
Ao comparar o momento em que começaram as discrepâncias entre a moeda brasileira e a de seus pares com os eventos políticos que vem chamando a atenção internacional desde abril, a Oxford Economics concluiu que a política local pode ser uma das principais razões para o desempenho do real.

Em meados de abril, Bolsonaro enfrentou uma série de derrotas políticas desencadeadas por reações adversas à forma com que o presidente vem tratando a crise sanitária:

“Tudo começou no final de março, quando o então popular ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, criticou a falta de fé de Bolsonaro em relação às medidas de quarentena e aos protocolos de medicamentos”, diz. O episódio foi seguido da demissão de Mandetta, em 16 de abril.

Pouco tempo depois, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, decidiu abandonar o governo, revelando informações controversas sobre a tentativa de Bolsonaro de intervir em investigações da Polícia Federal.

“A popularidade do presidente foi afetada desde então e isso explica mais de 55% do desvios do nosso rastreador diário”, diz.

O cenário ficou ainda mais deteriorado após a renúncia do ministro da Saúde, Nelson Teich, depois de apenas um mês no cargo, depois de Bolsonaro tentar intervir nas políticas do ministério, relaxando os protocolos de aprovação de medicamentos e subestimando a necessidade de políticas de quarentena.

Bolsonaro acabou optando por manter no cargo até hoje o general do Exército, Eduardo Pazuello, o que significou carta branca para medidas controversas, como a tentativa de interromper a divulgação periódica da evolução do cenário da covid-19 no Brasil.

“Com ataques crescentes da oposição, popularidade reduzida e um de seus filhos sob investigação criminal, Bolsonaro continua a ter sua governabilidade testada”, completa o relatório. 

Não precisa ser para sempre
A proposta de reforma tributária que o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou nesta semana ao Congresso levou a um aumento repentino do real para R$ 5,10 por dólar, a maior alta em seis semanas, levada pela expectativa de aprovação e retomada da agenda de reformas pré-pandemia.

“Supondo que as atividades normais sejam retomadas, e o governo continue a realizar privatizações e reformas, com os habituais comentários inapropriados de Bolsonaro, esperamos que o real termine este ano em R$ 5 por dólar e no próximo a R$ 4,5”, diz o relatório.

A Oxford Economics alerta, no entanto, que janela para que o real continue ganhando com o clima positivo ligado ao avanço das reformas estruturantes, sobretudo aquelas que sinalizem uma melhora do quado fiscal brasileiro, termina no início de 2021.

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Economia

Projeto estabelece teto para pagamento de dívida previdenciária

Em 2005, a Lei 11.196/05, que estabeleceu condições especiais (isenção de multas e redução de 50% dos juros de mora)
Economia

Representação Brasileira vota criação do Banco do Sul

Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além do Brasil, assinaram o Convênio Constitutivo do Banco do Sul em 26