O governo central registrou déficit primário recorde em maio diante do forte impacto da crise com o coronavírus nas contas públicas, e o Tesouro Nacional alertou, em meio a discussões políticas sobre a criação de uma renda básica mínima, que não há espaço para novas despesas obrigatórias no país sem que haja forte aumento de impostos.
Conforme dados divulgados segunda-feira, o rombo primário do governo central, formado por Tesouro, Banco Central e Previdência Social, foi de 126,6 bilhões de reais, maior para todos os meses da série histórica, iniciada em 1997. O dado veio um pouco pior que a projeção de um déficit de 125,9 bilhões de reais, segundo pesquisa Reuters com analistas.
No lado das receitas, o desempenho no mês foi afetado principalmente pelo diferimento de 29,9 bilhões de reais na arrecadação de impostos. Já no lado das despesas, a execução de gastos ligados ao enfrentamento da crise desencadeada pela disseminação do covid-19 teve um impacto de 53,4 bilhões de reais no mês, sendo 41,1 bilhões de reais com o auxílio emergencial.
Nos cinco primeiros meses do ano, o rombo nas contas públicas foi de 222,5 bilhões de reais, contra 17,5 bilhões de reais em igual período de 2019. Em 12 meses, o déficit primário do governo central é de 300,5 bilhões de reais, equivalente a 4,14% do PIB (Produto Interno Bruto).
Segundo o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, as propostas discutidas para extensão do auxílio emergencial implicam elevação de gastos de 100 bilhões de reais no ano, o equivalente a 1,9% do PIB.
O valor, segundo o secretário, vale tanto para a prorrogação do auxílio por mais duas parcelas de 600 reais, ou três parcelas escalonadas de 500, 400 e 300 reais.
Com esse impacto, o déficit primário do setor público consolidado –que inclui o resultado de Estados, municípios e estatais– irá para casa de 850 bilhões de reais, ou 11,5% do PIB, destacou Mansueto.
Nesse quadro, o Brasil caminha para um déficit nominal, que abarca também as despesas com juros, acima de 15% do PIB em 2020, patamar que é projetado para países como os Estados Unidos.
Em sua última coletiva do relatório do Tesouro, Mansueto afirmou que o debate sobre eventual criação de um programa de renda mínima de caráter permanente é legítimo, mas frisou que, se a sociedade brasileira quiser mudar qualquer regra fiscal e aumentar o gasto público, haverá necessariamente um cenário mais adverso para as contas que demandará aumento de carga tributária.
“A gente vai sair desse ano com país com dívida bruta acima de 95% do PIB, com dívida líquida acima de 65% do PIB. Esses são indicadores de endividamento muito altos para uma economia emergente”, disse ele.
Na terça-feira o Ministério da Economia divulgará suas novas projeções para as contas públicas, adiantou Mansueto. Os últimos cálculos eram de um déficit primário de 708,7 bilhões de reais para o setor público este ano (9,9% do PIB), dívida bruta de 93,5% do PIB e dívida líquida de 67,6% do PIB.
Todos os números haviam levado em consideração uma retração de 4,7% para o PIB, que ainda é o cálculo oficial do governo para o desempenho da economia este ano. O Banco Central, contudo, divulgou estimativa de um tombo de 6,4% para a atividade em 2020.
Rolagem da dívida
Mansueto também afirmou que o governo não tem tido “nenhum problema” em rolar a dívida pública, mas que está lidando com um encurtamento da dívida em função da crise. Ele exemplificou que houve venda grande de títulos de seis meses, o que não é muito comum.
“A situação hoje não é tão grave porque a taxa de juros está muito baixa”, disse o secretário.
Ele estimou que nos próximos três anos o juro real será menor que o crescimento da economia. Por conta disso, a dívida bruta ficará “praticamente estável” no período, depois de crescer muito este ano.
“O que não pode acontecer é a gente ter qualquer dúvida do compromisso desse país com o ajuste fiscal porque se houver qualquer dúvida…esse cenário de juro baixo pode se reverter. E aí sim, se o juro subir, impacto disso no serviço da dívida é imediato”, complementou.
Hoje, quase 60% da dívida bruta geral está ligada a juros de curto prazo.
Teto de gastos
Mansueto, que será substituído até o fim de julho por Bruno Funchal, hoje diretor de programas no ministério, também disse nesta segunda-feira que o governo não está discutindo nenhuma mudança na regra do teto de gastos, que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação medida no ano anterior.
De acordo com Mansueto, a regra poderá ser cumprida até o final deste governo caso não haja criação de despesas obrigatórias, contratações generalizadas e aumentos para funcionários públicos.
De 2022 em diante, o governo precisará fazer reformas estruturais para manter o mecanismo do teto de pé, reconheceu ele.