É um tabu social e considerado loucura por muitos, mas a doação voluntária de cadáveres acontece e é necessária. Um programa da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), está recebendo corpos que vão ser utilizados para estudos acadêmicos. Para doar basta ter interesse e preencher o formulário, sem custo algum para a ação.
Uma iniciativa inédita em Mato Grosso, mas que já acontece em várias universidades do país, o programa "Legado Eterno" é a doação voluntária de corpos para estudos anatômicos e ocorre há vários anos pelo mundo. Inicialmente eram pessoas com pouco poder aquisitivo que doavam por não terem condições de lidar com despesas dos funerais.
Durante muitos anos foram os corpos de indigentes que eram encaminhados para as universidades mais tradicionais do país, conforme explica o coordenador do projeto e professor da Faculdade de Medicina, Flavio Tampelini.
O professor explica que esses indigentes eram em sua maioria a população de rua, que foram diminuindo com o passar dos anos. “Por décadas muitos cadáveres chegaram, mas com a queda a falta foi sentida em longo prazo. Chegou a um ponto, de 2000 para cá, de Universidades não terem mais cadáveres e eles estarem cursando em bonecos”, comentou Tampelini.
Hoje, a UFMT tem a média de 15 corpos, que estão lá há décadas e são divididos por cerca de 400 alunos, anualmente, dos cursos de medicina, nutrição, enfermagem e educação física. Com o material que fica desgastado ao longo do tempo, nas aulas do laboratório de anatomia são utilizadas peças sintéticas.
“Os cadáveres que tem estão ficando velhos, usados, em condições precárias de estudo. Estamos tentando salvar a anatomia em longo prazo. A partir do momento que as pessoas começarem a se inscrever como doadores, de cinco a 10 anos a gente pode começar a ter frutos desse projeto”.
Tampelini questiona se a população, quando houver necessidade de uma cirurgia, prefere ser submetida a um profissional que estudou medicina e anatomia em um corpo real ou em um boneco de plástico.
“O boneco não tem variação anatômica, um corpo humano tem. A dificuldade inicial é mostrar para a sociedade que esse tipo de projeto, esse tipo de ação, de doar o seu corpo é um legado que você esta deixando. Você está ajudando a formar os profissionais da área da saúde”.
Sobre os corpos
Antigamente o corpo era conservado em formol, mas a substância foi proibida por ser cancerígena. Na UFMT, eles utilizam a glicerina para conservar o cadáver.
Esses corpos doados podem durar em média 40 anos, o que parece muito tempo, mas não é. Com a escassez de material e uma grande quantidade de alunos os utilizando para estudo, um corpo dura uns 10 anos.
A universidade não aceita cadáveres que tiveram mortes violentas ou casos de suicídios, fora isso todos são aceitos. A doação não precisa ser do corpo inteiro, mas há quem doe órgãos ou membros, como os casos de amputação dos braços e pernas.
Os corpos que vão sendo desgastados com o decorrer dos anos vão ser incinerados. Flavio Tampelini contou que há a tentativa de se construir um jazigo, assim as famílias envolvidas teriam um lugar para aquele ente.
Quem tiver interesse, em vida, basta acessar o formulário do projeto “Legado Eterno” e preencher. Além disso, a família deve estar ciente para cumprir o desejo do ente. No final das contas, as decisões sobre isso é apenas da família, que autoriza ou veta a doação voluntária.
Outros projetos
Ter cadáveres disponíveis não ajuda apenas os cursos de graduação, mas também outros projetos como o “Conhecendo o Corpo Humano”. Neste, escolas levam seus alunos para visitar o laboratório de anatomia. As crianças e os adolescentes, que logo tomam decisões profissionais, podem ver se há um interesse na área ou não. Além, é claro, do conhecimento sobre o próprio corpo.
Os cadáveres que serão doados também devem ser remanejados para os oturos campi da UFMT, como em Sinop, Rondonópolis e Barra do Garças.
“Se a gente consegue receber uma boa quantidade de cadáveres, nós conseguimos ajudar os outros campi. No momento não conseguimos ajudar, se não vai desfalcar Cuiabá”.
Flavio Tampelini contou também que há um projeto de se construir um museu do corpo humano. Eles imaginam um espaço com macro modelos, peças sintéticas e corpos reais. Querem inserir interação com o cenário, uso de microscópios, salas com informações sobre saúde, muito mais que peças anatômicas.
Entre os corpos que a Universidade tem hoje, muitos são fetos. Inclusive há bebês siameses e fetos ainda no útero. O professor contou que é possível montar uma sequência biológica dos fetos.
“Tem muito material para montar um museu legal, visualmente bonito e de ensino. A ideia é um projeto que fomente o ensino de graduação, extensão, visitas das escolas, laboratório e o museu”.
Para mais informações, entre em contato com o e-mail sejadoador@ufmt.br ou pelo telefone 3615-6229.