Mesmo após mais de dois séculos de ocupação humana, o Pantanal mantinha 83,2% de sua área de floresta e formação natural conservada em 2017, segundo os dados mais recentes do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas). O status de bioma mais conservado do país – e, segundo alguns, do mundo – é repetido com orgulho por pantaneiros de várias cidades, pousadas e fazendas, mas ameaças internas e externas ao Pantanal podem colocar em risco a biodiversidade local.
Algumas vêm do Congresso Nacional, com projetos de lei que podem acabar com mais de 50 anos de proteção à fauna silvestre. Outras estão mais perto, mas são mais numerosas: 121 obras de engenharia já em andamento ou ainda no papel, que podem impactar diretamente no estoque de peixes nos rios.
O Pantanal é o destino da sexta série de reportagens do Desafio Natureza do G1. Durante dez dias em maio, a reportagem percorreu os principais pontos da região para tratar da caça e da pesca ilegal.
A pesca é permitida, mas dentro de uma série de regras, que foram ficando mais rígidas ao longo do tempo. No caso da caça, a situação é ainda mais restrita: só é possível abater animais considerados exóticos invasores (caso do javali), mas é preciso permissão especial. Autorizações para abater animais silvestres só acontecem quando eles trazem risco a humanos.
Liberação da caça
Projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados podem mudar isso. O principal deles foi apresentado em 2016 pelo então deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC) e cria uma "política nacional de fauna".
O texto amplia as possibilidades de abate de animais silvestres, inclusive em unidades de conservação da natureza e podendo constar em planos de manejo locais. Um dos casos em que o projeto de lei considera "admissível" o "abate" ou "eutanásia" dos animais silvestres é quando ocorre uma superpopulação de determinado animal. Nesse caso, a definição dos critérios para superpopulação ainda terão que ser definidas por um regulamento específico, após a aprovação da lei.
Nas eleições de 2018, Colatto não conseguiu ser reeleito. Atualmente, ele participa do governo federal – em janeiro, foi anunciado para a presidência do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). O G1 enviou perguntas à assessoria de imprensa do órgão nesta semana, mas não recebeu retorno de Colatto.
Impacto no Pantanal
Segundo o biólogo da ONG Panthera Fernando Tortato, que pesquisa as onças-pintadas na região pantaneira de Porto Jofre, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a caça é legalizada em vários países do mundo, mas a diferença entre eles e o Brasil é a existência de dados concretos.
Ele explica que a caça provoca polêmica no Brasil porque a criminalização foi feita de forma abrupta, há mais de 50 anos. "A caça fazia parte da cultura do Brasil até a década de 1960, tinha revista, era a cultura do brasileiro. A partir de 1967 ela foi abruptamente proibida, não teve transição."
Hoje, porém, ele diz que não existe uma linha de estudo sobre o impacto da liberação, e os prejuízos que animais silvestres eventualmente provocam ao agronegócio já podem ser reduzidos com alternativas que não exigem matar os bichos.
121 hidrelétricas previstas ou em andamento
Além da fauna terrestre do Pantanal, a ictiofauna – o conjunto de peixes de uma região – também pode sofrer impactos que podem ser irreversíveis caso todos os projetos pensados de empreendimentos hidrelétricos (EH) saiam do papel em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Hoje, segundo um levantamento da Agência Nacional de Águas (ANA) referente a março de 2017, pelo menos 121 EHs estão em diferentes fases de execução: 47 já estão em operação, 11 estão em construção, 63 estão previstas.
Além dessas, outras 57 estão atualmente "em eixo disponível", o que quiser dizer que elas podem se tornar um projeto em execução "a qualquer momento", segundo explicou ao G1 Agostinho Catella, pesquisador da Embrapa Pantanal.
Essas EHs podem ser tanto usinas hidrelétricas (UHE) quanto pequenas construções hidrelétricas (PCH), mas as duas categorias mantêm em comum o fato de que são instaladas em áreas de planalto. No Centro-Oeste, isso representa as regiões de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que estão ao redor do bioma Pantanal, que é uma planície.
O problema, de acordo com Catella, é que os rios que estão no planalto do entorno do Pantanal são fundamental para garantir o estoque de peixes dentro do Pantanal.