Pela primeira vez na história do país, duas escritoras radicadas em Mato Grosso conseguiram que duas de suas obras recebessem a certificação para serem recomendadas e inclusas no catálogo escolar de qualquer instituição de ensino do país. São elas: Marta Helena Cocco e seu “SaBichões” e Marli Walker e o volume de poesia “Apesar do Amor”. As duas receberam a honraria no último dia 30 de agosto, quando foi publicado no Diário Oficial o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).
As duas obras foram inscritas e ou recomendadas para o ensino fundamental. O Ministério da Educação (MEC) faz todas as obras passarem por um crivo multidisciplinar, com professores, pedagogos e outros educadores. Assim, as obras podem e serão distribuídas a crianças de todos os sotaques e regiões do Brasil.
Os poemas de Walker – diz a assessoria da editora Carlini & Caniato, publicadora dos dois trabalhos – sublinham os contrastes entre a fartura e a fome e são, assim, importantes para a formação de pequenos leitores mais críticos e conscientes.
Já os poemas infantis de Marta Cocco, cujo livro foi ilustrado por Vanessa Prezoto, destacam a habilidade de animais dos biomas brasileiros, fazendo uso de um divertido jogo de imagens poéticas e sons. É um livro importante para estimular a criatividade e a afetividade das crianças diante do meio ambiente. O MEC compra os livros, coloca em catálogo e oferece às escolas. As equipes selecionem as obras do seu interesse.
Marta e Marli são bacharéis em Letras e pesquisadoras da área de literatura. Contam cada uma mais de 25 anos de trabalho no magistério e em universidades. Enquanto Marli Walker, doutora em Estudos Literários pela Universidade de Brasília (UnB), forma novos cidadãos no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), campus Cuiabá, Marta Cocco viveu durante anos em Sinop. De lá, mudou-se para a capital, depois Diamantino e finalmente Tangará da Serra, onde reside até hoje e dá aulas no campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (UFG), é membro da Academia Mato-grossense de Letras (AML).
“Esta é uma conquista importante para todos e todas que produzem literatura em Mato Grosso”, contou Marta. “Me sinto muito agradecida e feliz”, disse Marli, por telefone, em meio ao turbilhão de alunos, pelo telefone.
Marta também considera que é uma oportunidade inegável de o resto do país conhecer mais e melhor Mato Grosso. “Há muito para se conhecer. Tenho procurado levar textos de diversos autores para a sala de aula e os estudantes, da graduação ou da pós, têm gostado muito de conhecê-los. Ao levarem para suas salas de aulas da educação básica, relatam que as crianças e jovens ficam muito entusiasmados ou por causa da identificação com o lugar onde vivem ou por saberem que os autores não estão distantes, no Rio de Janeiro, em São Paulo, mas vivem aqui, como eles, estão próximos. Isso gera uma autoestima muito grande”, pondera.
Para Marli Walker, o senso de agradecimento também chegou cheio da alegria óbvia pelo que representa também a seus pares de ofício literário no Estado. “Espero que isso reverta em reconhecimento para todos os autores, autoras e editoras de Mato Grosso, que têm incentivado e publicado apesar das dificuldades. É muito bom saber que livros produzidos em regiões fora do eixo Rio-São Paulo foram selecionados pelo PNLD”.
“Eu acredito que a sensibilização estética, por meio da Literatura, forma consciências e leva a reflexões diferentes daquelas elaboradas no cotidiano que, às vezes, são recortes superficiais e parciais das contingências vividas no dia a dia. Poder trabalhar dentro desse prisma de contrastes entre a fartura e a fome, na formação de leitores críticos, é uma grande satisfação”, concluiu Walker.
“Agora, precisamos da atenção das redes das secretarias municipais e estadual de Educação para analisarem, junto aos professores, as duas obras no Catálogo on-line do PNLD Literário 2018 e, se acharem pertinente, escolherem os nossos livros. Acreditamos também que as escolas particulares terão interesse nessas obras”, comemora Ramon Carlini, da Editora Carlini & Caniato.
As obras
Ao longo das 64 páginas de “Apesar do Amor”, 50 poemas curtos contam a história de um ser humano que sobrevive à margem da vida que germina nos campos. As sementes, a terra, a mãe, o menino e seus destinos incertos são descritos em imagens de desalento e fome, apesar do amor. É um chamado à sensibilidade e à reflexão acerca dos contrastes brasileiros. É também, óbvio, uma maneira de ensinar as crianças a começar a entender a raiz dessa desigualdade e ter empatia pela situação dos desassistidos. Gente que, muitas vezes, no caso das escolas públicas, bem podem viver de maneira semelhante aos que estão em sala de aula.
Já em “SaBichões”, Marta Helena Cocco chama as crianças a perceber a beleza das memórias infantis, dos rios, matas e, claro, os animais ainda tão abundantes em Mato Grosso. “Observa-se, nos textos, a presença de recursos de sonoridade, além de figuras como ironia, antíteses e muita ludicidade para que as crianças aprendam se divertindo e desenvolvendo afetividade pelos animais”, diz a assessoria.
“SaBichões” foi composto em 33 páginas, nas quais foram escritos 14 espécies de haicais (em três versos, mas sem o rigor métrico japonês). Nas memórias da autora transcritas nos minipoemas, dos biomas brasileiros, aparecem bichos sabidos e sempre ocupados, desde o primeiro orvalho até o recolher dos pássaros nas árvores. A dança é revelada, ainda, pela maneira orgânica com que escritora e ilustradora fazem interagir texto e desenho.