Cidades

Em 15 anos, volume de peixes registra redução de até 70% no Rio Cuiabá

Fotos: Ahmad Jarrah/ William Matos 

A quantidade de peixes no Rio Cuiabá tem diminuído ano após ano, segundo o presidente da Federação de Pescadores do Estado de Mato Grosso, Belmiro Lopes, que aponta uma redução de 70% na produção pesqueira. A Federação, assim como o Conselho de Pesca do Estado (Cepesca), indica um “combinado” de problemas que estaria agravando a situação.

O transtorno mais reclamado é quanto à construção de pequenas usinas hidrelétricas, que têm impedido a migração dos peixes e alterado de forma desorganizada o volume de água no rio. Além disso, são apontados como problemas os esgotos lançados sem tratamento ao longo do leito, a pesca predatória, assim como o nível alto da água e a destruição das matas ciliares.

Belmiro Lopes estima que há 15 anos, quando a Usina de Manso ainda não existia, os pescadores pegavam 42 toneladas de peixe por mês apenas na Baixada Cuiabana. No entanto, devido às intervenções, hoje pescam uma média de 10 toneladas, 70% a menos que antigamente.

“Não é que o peixe está diminuindo, mas o rio que está morrendo”, diz Belmiro, argumentando que para construir as usinas as empresas não fazem uma limpeza e desmatamento onde a água ficará armazenada. Com isso, madeiras e outros materiais se decompõem e deixam a água do rio podre.

A construção da Usina do Manso, em 2005, teria dificultado não só a vida dos pescadores, mas trazido prejuízos para o rio, como a alteração da estabilidade do nível da água, assim como a qualidade. Segundo ele, a usina não cumpre o papel prometido durante a construção, que era deixar o rio estável.

“Quando eles soltam um pouco de água, enche um pouquinho, mas a água desce podre. O peixe corre dessa água até chegar ao Pantanal e não dá para pegar durante dois ou três dias. Quando normaliza, a gente consegue pegar por alguns dias, mas aí acontece a mesma coisa de novo”, afirmou o presidente.

A secretária executiva do Conselho Estadual de Pesca (Cepesca), Gabriela Priante, disse ao Circuito Mato Grosso que a reclamação dos pescadores também chega ao Cepesca e é ratificada por diversos estudos que comprovam essa redução. Ela ainda aponta que a pesca predatória é o pior inimigo para a sobrevivência das espécies.

Somente neste período de piracema, a Polícia Militar Ambiental apreendeu mais de sete toneladas de pescado irregular. “É uma quantidade muito grande e isso foi o que a polícia conseguiu autuar”, completou Gabriela.

Pescadores relatam dificuldades

Os pescadores do município de Barão de Melgaço (110 km de Cuiabá) sofrem com a redução da atividade. Arthur Gonçalo Arruda, de 42 anos, afirma que anos atrás pegava diariamente até 40 quilos de pescado, mas hoje está difícil pescar até para o consumo próprio.

Um dos motivos elencados pelos trabalhadores é o nível do rio, que está bem acima do normal para esta época do ano. “É por causa do rio que tá cheio e parou de chegar peixe aqui para nós”, afirmou.

Já o pescador Sidney Fernandes disse acreditar que a contenção feita para a construção da Usina do Manso também influenciou a redução de peixes na região, que hoje está “muito ruim”. Pescador profissional há 17 anos, ele acredita que a cada ano os peixes estão diminuindo.

“Já tem uns tempinhos, vem enfraquecendo cada vez mais. Todo ano dá uma enfraquecida. Primeiro foi a ‘Furnas’ que estragou bastante aqui para nós. O peixe que está lá não desce, fica preso”, disse Sidney.

Para sobreviver, eles contam com o seguro-defeso, um auxílio que os pescadores recebem no período da piracema. No entanto, este foi um ano marcado pela mudança do órgão pagador, o que ocasionou atrasos de até três meses na liberação do dinheiro.

A solução, segundo Sidney, foi “viver um dia de cada vez e não se afobar”, mas que não foi fácil.  Ele também resolveu trabalhar como guia de turismo para aumentar a renda, porém os turistas não estão querendo mais. “Só desse jeito para sobreviver e mesmo assim está difícil. O turista não quer mais vir pra cá porque o peixe acabou”, relatou.

“Em 10 anos o rio Cuiabá vai virar o rio Tietê”

Segundo Belmiro Lopes, se nada for feito em relação aos esgotos que caem a céu aberto no rio Cuiabá, daqui a cinco ou dez anos ele vai se transformar no rio Tietê, devido à quantidade de poluição que recebe.

“O governo precisa se conscientizar. Que jogue o esgoto, mas faça um reservatório para o tratamento. Quando o rio tá baixo e chove, pode observar que metade da água é de cor marrom e metade é preto. Do lado preto é só o esgoto, que corre até o Pantanal”, reclamou.

Os peixes, diz o presidente, estão comendo ampola de injeção e até preservativos, além de todos os tipos de lixo que está caindo no rio.

Ele ainda reclama do trabalho das dragas que sugam areia do fundo do rio. “Algumas sugam o barranco, além de lavar os garrafões de óleo e jogar toda sujeira na água”.

Belmiro sugere um trabalho de repovoamento do rio, plantio árvores nos barrancos, além de limpeza.

“Eu fico preocupado porque a pesca é uma atividade milenar e nós podemos desaparecer, com a sujeira dos rios, construção de usinas, vamos acabar nos extinguindo. O futuro dos pescadores está comprometido, assim como o futuro da água e de toda população”, completou.

Cepesca quer fazer moção de repúdio contra empreendimentos

Priante defende que haja uma mudança de comportamentos e uma maior proteção ao meio ambiente para preservar a vida dos rios. Ela ainda explica que se a degradação ambiental se perpetuar ao longo do tempo, a tendência é que a redução de peixes se acentue ainda mais.

“Se a sociedade continuar nesse caminho, vai ser fatal mesmo. Ao longo do tempo, os estoques pesqueiros vão diminuindo em uma velocidade cada vez maior,” afirmou Gabriela.

Um dos fatores que contribui para a diminuição são os empreendimentos, como usinas hidrelétricas que impedem os peixes de seguirem o curso do rio. Segundo Gabriela, alguns peixes têm a característica migratória e precisam de movimento para “ficar prontos” para a reprodução em áreas adequadas.

No entanto, as barreiras físicas impostas pelas usinas interrompem esse processo. Priante argumenta que o conselho nada pode fazer sobre esses empreendimentos, pois a aprovação dos projetos não passa pelo crivo da entidade. “O que a gente deve tá fazendo é uma manifestando com moção de repúdio contra essas práticas”, concluiu.

Técnico da Sema diz que saneamento básico é solução

Relatórios produzidos pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) apontam que a qualidade da água do rio Cuiabá, assim como de outros, está piorando ano após ano. Segundo o coordenador de monitoramento de qualidade da água, Sérgio Batista de Figueiredo, os pontos mais críticos são os que passam pelo perímetro urbano de Cuiabá e Várzea Grande.

Figueiredo explica que até a Passagem de Conceição, na região do extremo norte de Várzea Grande, a qualidade da água do rio é considera boa, levando-se em consideração os padrões de abastecimento público. Segundo ele, o líquido não precisa de tratamentos complexos para ficar pronto para o consumo.

Situação diferente é registrada quando o rio começa a cortar as cidades de Cuiabá e Várzea Grande, onde recebe esgotos e dejetos sem tratamento ao longo de todo o perímetro urbano. Os principais canais que lançam dejetos no rio são o córrego Mané Pinto, o rio Coxipó e o córrego do Barbado.

O que mais tem chamado atenção do coordenador é o aumento na concentração de fósforo, de material orgânico e nitrogênio. De acordo com Figueiredo, isso é o resultado do lixo e esgoto doméstico que chegam até o rio. A solução apontada por ele é o tratamento do esgoto na sua totalidade e também uma maior preocupação com o saneamento.

“O que precisa ser feito é o mínimo, que é o saneamento básico. Porém, isso não é só o tratamento de água e esgoto, mas da equalização das galerias pluviais, ter uma limpeza pública eficiente, coleta de lixo, que são vários fatores que influenciam na qualidade da água”, sintetizou.

“Quando o rio baixar vai estourar de peixe”

Há também aqueles que preferem manter o otimismo, como o pescador amador e funcionário da Prefeitura de Barão de Melgaço, Sebastião Duarte, de 44 anos. Ele conta que sempre morou na cidade e que não entende o porquê de o rio ainda não ter baixado.

“Eu, com 44 anos de vida em Barão de Melgaço, pela experiência que tenho com pescaria e turismo, acho que esse rio já era para ter baixado. Os pescadores estão achando estranho porque ainda não baixou”, explicou.

No entanto, Duarte está otimista e estima que até o mês de maio, quando é realizado o Festival de Pesca de Barão de Melgaço, o fenômeno da ‘lufada’ já tenha ocorrido e os peixes devem voltar a aparecer.  “Quando vir a lufada vai estourar de peixe”.

“No momento não pega peixe nenhum, mas eu digo uma coisa para você: pelo que a gente entende e pela experiência que temos, se esse rio der uma baixada o peixe vai estourar”, declarou Duarte.

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Felipe Leonel

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