Fotos: Willian Matos
Ao longo de 2016, 401 indústrias fecharam as portas em Mato Grosso, das quais 35 estavam localizadas no Distrito Industrial de Cuiabá. Situado às margens da BR-364, o distrito foi criado em agosto de 1978 por meio da Lei nº 3.864 para promover e ordenar o desenvolvimento industrial do Estado. Atualmente 183 empresas estão em atividade dentro dos 695 hectares de área e a estimativa, é que pelo menos 54 novas empresas ainda sejam implantadas por lá. Porém, a realidade é desanimadora.
Instalada há 30 anos, a Buzetti Recapagem de Pneus diminuiu o quadro de funcionários em 40% e precisou vender filiais em outros estados para conseguir manter uma unidade em Cuiabá e outra em Várzea Grande. “Vendemos uma em Campo Grande há três anos e outra em Curitiba, e nos concentramos aqui, porque é onde estamos e porque começou a ficar muito difícil manter todas as filiais”, conta a empresária Margareth Buzetti.
A vontade é de continuar com a empresa aberta, mas com a falta de segurança jurídica, sem uma política de desenvolvimento industrial, a empresária não sabe até quando irão aguentar. “É muito ruim para a gente se desfazer de algo. A gente trabalha, trabalha, aí se vê desfazendo do seu patrimônio. A palavra ‘desenvolvimento’ parece que os governos não entendem o que é”, desabafa.
Andar pelo polo industrial hoje faz com que Margareth se sinta triste e carregue um sentimento de impotência. “Se você se lembrar do Distrito como ele era antes, há uns seis, sete anos, era um movimento doido, louco. Faltavam barracões para alugar. Hoje se você andar aqui só vê barracão fechado, com placa de ‘aluga-se’, ‘vende-se’. É triste, né”.
A indústria da Margareth não recebe incentivos fiscais do Estado por ser uma empresa prestadora de serviço. Neste caso, o fornecedor de matéria-prima dela é quem recebe, e isso é um dos fatores que também lhe causa desânimo.
“Para você se instalar aqui é caro. A energia aqui é um absurdo, as licenças operacionais que existem aqui também são enormes. Só a minha empresa precisa de 10 licenças para funcionar. Elas têm custos e precisam ser renovadas todos os anos. É um absurdo”, conta.
Vindos do Paraná, a empresária e o marido viam uma grande oportunidade em Mato Grosso. Hoje o casal se pergunta por que não continuaram lá. “Você tem que estar muito próximo, muito presente no seu negócio, tomar decisões rápidas, porque se não você perde o que construiu uma vida inteira. O pior disso tudo é que a gente não vê expectativa, uma luz no final do túnel. Se as coisas continuarem da forma como estão, eu não sei o que vai acontecer”.
Governo atribui fechamento a crise nacional
O secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso, Ricardo Tomczyk, atribui o fechamento em massa das indústrias no Estado à crise econômica que assolou o Brasil em 2016. Ao Circuito Mato Grosso, ele disse que, pontualmente, algumas situações como a perda de algum incentivo local também contribuíram.
“Precisamos considerar a crise nacional e Mato Grosso não está fora desse cenário. É a maior crise da história da República, então isso trouxe reflexos perversos para a nossa economia. Esse foi o principal motivador. Pontualmente a gente tem algumas situações de perda de incentivo, mas, de fato, quase que a totalidade dos incentivos cancelados não se refere a indústrias”.
Conforme o secretário, perderam incentivos empresas do ramo do comércio, que na visão do governo não ‘precisariam ser contempladas’. Para contemplar a indústria, minutas serão encaminhadas à Assembleia Legislativa ainda neste primeiro semestre de 2017, e o projeto Investe Indústria está sendo organizado para oferecer mais segurança jurídica ao empresário.
O projeto substituirá o Prodeic, “ultrapassado e distorcido” segundo Tomczyk. “A gente tem feito um esforço gigante inclusive na renovação de incentivos fiscais, obviamente respeitando todos os limites fiscais, mas há situações que ultrapassam esses limites e aí é impossível renovar”.
A intenção do governo é que com uma nova legislação de incentivos as indústrias consigam permanecer no Estado, novas sejam atraídas e assim se fomente a economia local. “Os incentivos serão direcionados por setor e não por empresa. É um incentivo pró-mercado e não pró-empresa. A nossa intenção é criar condições para que as empresas venham para cá e que tenham as mesmas condições de mercado para que elas disputem de igual para igual”, concluiu.
Falta incentivo do governo, reclama associação
O presidente da Associação das Empresas do Distrito Industrial de Cuiabá (Aedic), Domingos Kennedy Garcia Sales, reclama da falta de incentivo do governo para a permanência das indústrias do Estado.
“Temos uma participação de 8 a 10 do PIB do Estado, e o que o governo faz lá? Nada. O governo acha que a classe geradora de riqueza não precisa de cuidados. É obrigação do Estado manter uma boa segurança, mas lá é zero. Nós estamos fazendo um projeto que se chama Distrito 100% Monitorado. É um trabalho sendo realizado junto com os empresários, mas era pra ser papel do governo”, desabafa.
Para Sales, o governo deveria “estender tapete vermelho” para o empresário que deseja se instalar aqui. Atender com carinho, buscar alternativas de incentivos, desburocratizar os processos.
“A economia não espera. Se você demora, você quebra. Tem que ter essa visão; se não, não adianta, nós vamos continuar conversando, batendo na mesma tecla, mas não sairemos do lugar. Precisamos urgentemente de uma política correta para a indústria”, completa.
Sem brigada de incêndio, Distrito Industrial é “bomba-relógio”
A falta de estrutura é um dos grandes problemas apontados por Domingos Kennedy Garcia Sales, para a permanência dos empresários no aglomerado.
O mais grave e o mais preocupante é a falta de uma brigada de incêndio. De acordo com Domingos Kennedy, o Distrito Industrial da capital mato-grossense é o único no país que não dispõe de uma base do Corpo de Bombeiros, tornando a área uma verdadeira bomba-relógio.
“O perigo é iminente. Nós estamos em cima de um barril de pólvora, porque lá nós temos todas as transformações, todas as bases de combustíveis, as bases de ALP, transformação de plástico, borracha, tinta, indústria química, de reciclagem, tudo lá. Temos que pôr a mão na cabeça e pensar em fazer aquilo urgente”.
O próprio governador, na visão do presidente, já se cansou da burocracia para implantação da base e isso pesa cada vez mais no bolso do empresário. É que a apólice de seguro das indústrias lá custa o dobro do preço por causa da falta de brigada.
Secretário aponta falta de segurança jurídica
Apesar de relacionar o número expressivo de lojas fechadas à crise econômica federal, o secretário de Planejamento de Cuiabá, Zito Adrien, enfatiza que a falta de estímulos à permanência dessas indústrias em Mato Grosso ajudou. Em reuniões com o setor, o secretário identificou que o maior problema enfrentado é a falta de segurança jurídica. Com isso, os empresários vão embora e mais empresas estão fechando do que abrindo.
“Tinha o Fundo Estadual de Desenvolvimento Social de Mato Grosso (Funeds), um programa do Governo do Estado para quitar o ICMS que estava mais ou menos resolvido e de repente voltou à cobrança de juros e multa em cima desse Funeds”, cita.
Em setembro de 2016, cumprindo duas decisões judiciais, a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) começou a cobrar a diferença de débitos de cerca de 24 mil contribuintes, que foram beneficiados com redução de impostos e parcelamento de dívidas tributárias, por meio do Funeds. Com o programa, o imposto do ICMS, ITCD e IPVA sofria uma redução de 60% no valor, além de até 100% na redução do valor das multos e juros.
A primeira decisão judicial sobre o tema (Adin nº 100642/2013) considerou inconstitucional a Lei 9.481/2010, que instituiu o Funeds e, consequentemente, o Decreto nº 526/2011, que regulamentou a lei. Após a decisão da Justiça, uma nova lei, a de nº 10.236/2014, convalidou novamente tais benefícios, mas também foi declarada inconstitucional (Adin nº 62120/2015).
“Eu não sei onde está a razão, se é ao lado do Estado que está cobrando agora juros e multas ou se é lá dos empresários, o que eu sei é que o momento não é para isso”, acrescenta Zito Adrien.
Para ele, o estímulo para as indústrias é de competência do Estado e do governo federal, já que está nas mãos dele os incentivos.
Prefeitura quer autonomia para gerir o Distrito
“Ao longo dos anos não se sabe se o Distrito Industrial pertence ao governo do Estado ou à prefeitura. É preciso definir isso”, defende Zito Adrien, garantindo que a intenção do prefeito Emanuel Pinheiro é que o Distrito se torne um condomínio empresarial para ser administrado pela Associação dos Empresários, juntamente com a prefeitura.
De acordo com o site do governo, a prefeitura de Cuiabá tem a responsabilidade de fiscalizar, prezar pela limpeza e manutenção das vias de acesso, iluminação e fornecimento de água. Já o Estado, “cumpriu” sua missão de implantar o Distrito Industrial. E destaca que as funções de administrar os problemas pertinentes ao município são da prefeitura e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico.
“Está na hora de o Estado se desapegar daquilo, o Estado não dá nada para eles, então libera para a prefeitura a privatização que as coisas vão fluir de um modo melhor”, pontuou. Na opinião de Zito, o Distrito é como um ‘filho bastardo’, e o mais próximo a ele seria a prefeitura, que presta os serviços essenciais como conservação de vias, iluminação, alvará e outros benefícios.
Hoje a prefeitura concede desconto no Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), pelo qual os empresários pagam 3%, enquanto o resto da cidade paga 5%. Também dá incentivos em cima de todas as taxas através do Programa de Desenvolvimento de Cuiabá (Prodec).
“Então a prefeitura já chega junto com o Distrito, está presente no que pode. Agora, o que acontece é o seguinte: quem precisa fazer um pouco mais é o governo do Estado e o governo federal. Para se ter uma ideia, os maiores impostos pagos pelos empresários são de competência do governo do Estado e do federal. Eu não sei qual é o programa que o governo do Estado tem para o Distrito Industrial, porque eu não conheço nenhum. Nem a associação tem esse conhecimento”.
De acordo com o secretário, o prefeito já está sinalizando um diálogo com o Estado. “Não foi pauta da primeira conversa entre os poderes, mas haverá outras conversas, as quais eu espero que aconteçam em um tempo mais curto, para que possamos fazer esse pleito juntamente com a associação”, afirmou.