A 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo terminou no último domingo (12). Foram 663 mil pessoas circulando pelos corredores (tornados ruas) do Pavilhão de Exposições do Anhembi. Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), o público final ficou abaixo da expectativa, de 700 mil pessoas.
Economicamente, entretanto, o saldo foi positivo: ao gastar R$ 161,57 em média, o público gastou 33% mais do que na edição anterior, de 2016. O índice de satisfação também é alto, impressionantes 97%, com 98% destes a afirmar que voltarão na próxima edição.
Fora da frieza desses números, eu era um dos 291 autores de todo o país escalados para lançar livros no lugar. É um privilégio não só intelectual, mas também financeiro. Quem não tem editora (e estande, por consequência) até pode lançar seu trabalho lá, mas deve amargar uma taxa entre R$ 500 e R$ 900 para fazê-lo como “autor independente”, em um dos estandes que prestam o serviço.
Por sorte, a editora que lançou meu livro e me levou até lá, a Chiado Books, disponibilizou uma mesa, cadeira, água, caneta e uma hora no estande deles, ao lado da colega Luísa Morais. Conversamos timidamente e logo voltamos cada um pra sua mesa, à espera de que os vários leitores (multidões deles, em sua grande e absoluta maioria muito jovens) que passavam por todos os lados parassem e se interessem pelo que tínhamos a oferecer naquele mar de títulos, editoras, estandes, publicações, atrações culturais.
Como cheguei com incríveis 20 minutos de adiantamento, pude conhecer dois outros colegas que faziam seus próprios lançamentos no horário anterior. Enquanto Suzana Rodrigues, uma educadora do interior de Minas que escreveu um livro sobre o envolvimento de seu filho, Pedro, com caminhões e era só sorrisos para toda aquela situação nova, inclusive na interação com outros escritores, outro colega de lançamento e editora, Guilherme Bianchini, parecia algo constrangido com a baixa procura ao seu Diário de um Detetive.
“Eu não sei muito bem os passos a tomar, nem como fazer divulgação e obter contatos”, me confessa, meio que a se desculpar pelo fato de ninguém, nos 20 minutos em que estive por perto, ter pedido autógrafo em um de seus livros. É o tipo de problema que não precisam enfrentar as celebridades que lançam livros, sejam eles escritores ou não.
Gente como os atores Lázaro Ramos, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, todos lançando livros por lá, ou a budista Monja Coen.
Talvez o ideal almejado por ele estivesse próximo dos autores de quadrinhos Mauricio de Sousa e Ziraldo, cujas esperadas multidões precediam o lançamento de um livro conjunto entre os dois.
A essa altura, eu já começo a pensar no tanto que meu time e dos desconhecidos citados estão em desvantagem. “Se só o Mauricio ou o Ziraldo sozinhos já arrastam multidões, imagine os dois juntos?”, mas a verdade é que faria pouca ou nenhuma diferença para conseguirmos lotar nosso estande, ainda que de uma editora internacional, naqueles dias.
Havia nomes muito mais pesados, porque muito mais próximos do público ali presente, composto em pelo menos 85% de adolescentes e pré-adolescentes: gente como a autora do best-seller Barraca do Beijo (não, eu nunca ouvira falar do título até então), Beth Reekles, que já vendeu 19 milhões de acessos no Wattpad, recebeu 40 mil comentários no mesmo lugar, ganhou o Prêmio Watty de Ficção Adolescente Mais Popular, conseguiu ver seus escritos virarem filme.
Reekles tem 23 anos e uma legião de fãs mundo afora. Dava gosto ver a comoção do público atrás dela, assim como o barulho que faziam para receber a assinatura no livro de uma outra celebridade, desta vez, um youtuber. Próximo do fim de meu período, um até então amigo chega esbaforido, quer autógrafo no livro. Alega cervejas já pagas pra mim, não quer pagar o livro. Explico que os exemplares ali são de propriedade exclusiva da editora. Ele cede, enfim faço uma dedicatória. Termina meu primeiro lançamento na maior cidade do meu país.
Reclamar o quê?
Após as sempre esperadas longas caminhadas por São Paulo, um ou outro desencontro antes de decidir se era melhor ir de trem, metrô ou 99Pop, a grande verdade é que tive que respirar fundo quando saí da fila de acesso comum e entrei na de “expositores, imprensa e autores” e vi, enfim, que aquilo era nada além de mais um dia de trabalho.
Entre a constatação e o aceitar o ato havia, no entanto, uma sutil diferença: eu não estava ali para entrevistar ninguém, nem para testar um carro novo a ser lançado ou presenciar exposição de relíquias da Antiguidade ou mesmo para conhecer obras de arte de outros artistas. Aquele era o trabalho que eu buscara desde a adolescência.
Desde pelo menos quando, certa vez, então com 14 anos, vi uma entrevista no extinto caderno ‘Mais’, do jornal Folha de S.Paulo, da qual nunca vou esquecer. Nela, alguém falava sobre J.D. Salinger e dava detalhes quanto à sua aversão a participar das coisas afeitas e obrigatórias à carreira literária, dentre as quais, feiras e noites de autógrafos nos lançamentos dos próprios livros.
Por aquele tempo, apesar das redações consideradas ruins por meus professores de língua portuguesa à época (acusavam-me de ou ter copiado meus textos de algum lugar e portanto ter roubado no jogo ou de “não fazer sentido” nada do que eu escrevia), já sonhava em vivenciar tudo aquilo e, quem sabe, dado meu gosto pelo isolamento, também reclamar, maldizer, assumir um tom blasé e um certo ar de desdém, como é hábito entre certos grandes escritores de minha preferência.
Mas não dá. Não consigo fazer isso aqui. Naquela sexta-feira, dia 10 de agosto de 2018, eu não queria estar em nenhum outro lugar do mundo. Na verdade, queria mesmo era poder ter permanecido ali com o mais de mim que escapou no meio de todo o fascínio de saber: naqueles 60 minutos, eu era o único entre todos os de minha aldeia num evento realizado há nada menos que 50 anos. E isso dá uma alegria lascada de boa.
Bienal em números:
– R$ 32 milhões investidos (estimativa)
– 663 mil visitantes
– 75 mil m² de área ocupada
– 197 expositores
– 14 espaços culturais
– 1.500 horas de programação
– 291 autores nacionais
– 22 autores internacionais
– 100 mil alunos e 15 mil escolas agendadas
– R$ 161,57 foi o gasto médio por pessoa na Bienal